Considerado o “Pai dos Versos Livres”, Walt Whitman, poeta americano do século XIX. Apesar de sua importância para a poesia mundial, não é tão conhecido do grande público, pelo menos em no Brasil, onde não se tem a cultura de consumir poesia.
Walt Whitman, libertou o verso dos duros deveres da métrica; convencionais como os aparatosos cerimoniais das cortes do Velho Mundo. Whitman, a rigor o primeiro poeta a fazer versos livres, é o libertarismo da jovem república, fronteira aberta a oeste, projetado em plano formal.
Quem viu o filme Sociedade dos Poetas Mortos, viu que a poesia de Walt Whitman é o ponto principal para que o professor interpretado por Robin Willians explique para seus alunos que a poesia é sublime, não precisando seguir regras ortodoxas para ser apreciada ou escrita.
Ouvem-se, por trás das tempestades verbais de Walt Whitman, alguns raios e relâmpagos dos sermões de igreja. A mãe de Whitman era uma “Quaker”. E transmitiu-lhe a fé, tipicamente “Quaker”, na luz interior. Sem entender a fé “Quaker”, não se entende Walt Whitman.
A seita, fundada pelo inglês George Fox (1624-1691) caracterizou-se pela recusa radical a toda liturgia religiosa e sacerdócio, confiando apenas na presença do Espírito Santo na consciência individual. Na inspiração. Além ou contra as autoridades.
Muito forte a autoridade do movimento “Quaker”, na formação dos Estados Unidos, nos séculos XVII e XVIII. Tão forte, talvez, quanto a influência, sobre a poesia moderna, do primeiro grande poeta da Revolução Industrial. Essa influência se estende por caminhos desconcertantes. Mas todos indo dar na estrada da melhor poesia do Século XX.
Selecionamos alguns poemas do livro “Folhas da Folhas de Relva” – com prefácio de Paulo Leminski:
“Whitman é, para minha pátria,
o que Dante é para a Itália”
(Ezra Pound)
“Ninguém vai entender meus versos,
se quiser interpretá-los
como performances literárias”.
(Walt Whitman)
“Whitman, que numa redação do Brooklin,
entre o cheiro de tinta e de cigarro,
toma e não diz a ninguém a infinita
decisão de ser todos os homens
e de escrever um livro que seja todos”.
(Jorge Luiz Borges)
Trechos de poemas de Whitman
Celebro a mim mesmo
e canto a mim mesmo:
e o que eu assumo, vocês devem assumir,
pois cada átomo que me pertence
também a você pertence.
[…]
Creio em você, minha alma:
o outro que sou não deve
rebaixar-se a você,
nem você deve rebaixar-se
ao outro.
Folgue comigo na grama,
afrouxe o nó da grava,
nem palavras nem música nem rimas
estou querendo,
nem costume nem lição,
por melhor que seja:
eu gosto é de acalanto
do murmúrio valvar da tua voz.
[…]
Docemente cresceu e se espalhou
em torno de mim a paz-sabedoria
além de todo o argumento da terra,
e eu sei que a mão de Deus
é promessa da minha,
eu sei que o espírito de Deus
é irmão do meu,
e que todos os homens já nascidos
são também meus irmãos.
[…]
Descubram-se! Vocês
para mim não são culpados
nem maus nem descartáveis:
ei vejo através da roupa de lã
ou de algodão, se sim ou se não,
e fico em volta, interessado, teimoso,
e eu não posso ser mandado embora.
[…]
Com música forte eu venho,
com minhas cornetas e meus tambores:
não toco hinos
só para os vencedores consagrados,
toco hinos também
para as pessoas batidas e assassinadas.
Vocês já ouviram dizer
que ganha o dia é bom?
pois eu digo que é bom também perder:
batalhas são perdidas
com o mesmo espírito
com que ganhas.
[…]
Vivas àqueles que sempre levaram a pior!
E aqueles cujos navios de guerra
afundaram no mar!
E a todos os generais
das estratégias perdidas,
que foram todos herois!
E ao sem-número dos herois desconhecidos,
equivalentes aos herois maiores
que se conhecem!
[…]
Eu sou um poeta da mulher
Tanto quanto do homem
e digo que tanta grandeza existe
no ser mulher
quanto no ser homem,
e digo que não há nada maior
do que uma mãe de homens.
[…]
Você passou os outros,
já chegou a presidente
É pouco: até aí hão de chegar
e irão ainda mais longe.
Eu sou aquele que vai com a noite
tenra e crescente,
e invoco a terra e o mar
que a noite leva pela metade.
[…]
Sermões e lógicas jamais convencem,
o peso da noite cala bem mais
fundo em minha alma.
[…]
Tenho dito que a alma
não é mais do que o corpo
e tenho dito que o corpo
não é mais do que a alma…
[…]
Escuto e vejo Deus em todos os objetos,
embora Deus mesmo eu não entenda
nem um pouquinho,
assim como também eu não entendo
que possa alguém ser mais maravilhoso do que eu.
[…]
…Faço tinir meu dialeto bárbaro
sobre os telhados do mundo.
[…]
Eu me planto no chão para crescer
com a relva que eu amo:
quando você de novo me quiserem,
é só me procurarem
debaixo das solas dos seus sapatos.
[…]
Se logo de saída não me acharem,
mantenham a coragem:
se me perderem num lugar, procurem
achar-me noutro:
em algum ponto eu hei de estar parado
à espera de vocês.
[…]
Seja você quem for
agora segurando a minha mão…
…não sou aquele que você imagina, mas muito diferente.
Poemas extraídos do livro Folhas da Folhas de Relva, 5ª Edição, 1990, Editora Brasiliense, São Paulo-SP. Seleção e Tradução: Geir Campos. Prefácio: Paulo Leminski.