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Casamento infantil com o consentimento dos pais: 26% das meninas brasileiras estão casadas

Em Araucária (PR), o prefeito Hissam Hussein Dehaini (Cidadania), de 65 anos, casou com uma adolescente de 16 anos, em 12 de abril deste mês. Após o casamento, a mãe da menina, Marilene Rode, 36 anos, que tinha um cargo comissionado na prefeitura, foi nomeada Secretária de Cultura. A tia da adolescente, Elizangela Rode, também é comissionada na prefeitura.

Com autorização dos pais

A legislação brasileira permite casamentos a partir de 16 anos com autorização dos pais, representantes legais ou de um juiz. Mas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a união está enquadrada como casamento infantil: aqueles que ocorrem por união formal ou informal em que pelo menos uma das partes tenha menos de 18 anos.

De acordo com a organização Girls not Brides, mais de 2,2 milhões de meninas menores de idade são casadas no Brasil ou vivem numa união estável. De acordo com os dados mais recentes disponíveis, de 2006, 26% das meninas brasileiras são casadas ou vivem em união antes dos 18 anos e 6% são casadas ou vivem em união antes dos 15 anos.

No Brasil, os Casamentos e Uniões Infantis, Precoces e Forçados (CEFMU) assumem a forma de casamentos civis ou religiosos legais, formalmente registrados, uniões informais ou coabitação. As distinções entre os três são muitas vezes confusas.

O Brasil é o quinto país do mundo em números absolutos de casamento infantil. Na América Latina, o México fica em segundo lugar, com 1,42 milhão de meninas menores de 18 anos casadas ou vivendo em união estável. Essa situação atinge 26% da população feminina mexicana menor de idade.

(Fonte: Dados populacionais das Nações Unidas, Departamento de Assuntos Económicos e Sociais, Divisão de População (2019). Perspectivas da População Mundial 2019, Edição Online PDF)

A medição de casamentos infantis é subnotificada

Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil e do México, mas atinge toda a América Latina. Um estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) de 2022 mostrou que, em média, 22% das meninas da região eram casadas ou viviam em situação similar antes de completar 18 anos. Segundo a diretora da Divisão de Assuntos de Gênero da Cepal, Ana Güezmes, essa taxa de incidência tem se mantido relativamente constante nos últimos 25 anos: “A medição de casamentos infantis, precoces e forçados, geralmente é subnotificada”, pontua Güezmes.

Por isso, Juan Martín Pérez, coordenador da iniciativa Tecendo Redes da Infância na América Latina e Caribe, prefere falar de “uniões infantis ou precoces” para uma abordagem mais ampla. “Os casamentos infantis são, na realidade, uma porcentagem pequena deste problema complexo”, destaca.

A realidade do ‘casamento infantil’ é um tapa na cara da humanidade

A Unicef divulgou um vídeo perturbador sobre o casamento infantil, prática que ainda é “comum” e socialmente aceita em muitos países. O material faz parte de uma nova iniciativa da agência da ONU, que deve envolve vários países com o objetivo de conduzir ações que acelerem o fim do casamento infantil.

Segundo estimativas da própria Unicef, 15 milhões de meninas devem se casar até o final do ano, antes que cheguem à maioridade. Até 2030, o número de meninas casadas ainda crianças pode chegar a 1 bilhão. Apenas hoje, 41 mil meninas menores de 18 anos devem se casar.

“Escolher quando e com quem se casar é uma das decisões mais importantes da vida. O casamento infantil nega essa escolha a milhões de meninas, todos os anos”, afirma Babatunde Osotimehin, diretor executivo do Fundo de Populações das Nações Unidas.

O novo plano da Unicef inclui aumentar o acesso de meninas à educação e aos serviços de saúde, mas também conscientizar pais e líderes comunitários sobre os perigos do casamento infantil.

O casamento infantil é uma violação aos direitos das mulheres e das meninas. Meninas que se casam ainda crianças estão mais propensas a abandonarem a escola, a serem vítimas de violência doméstica, a contraírem HIV e a morrerem vítimas de complicações durante a gravidez ou o parto, pois seu corpo normalmente não está pronto para dar à luz. Além disso, segundo a Unicef, o casamento infantil fomenta ciclos integeracionais de pobreza.

Em seu boletim anual a Anistia Internacional também denunciou o casamento infantil em Burkina Faso. Segundo o documento, a diferença de idade entre as noivas e seus parceiros pode chegar a 50 anos. O país é o sétimo do mundo que mais casa meninas. Mais de 50% das mulheres se casa antes de completar 18 anos, e apenas 17% da população feminina do país faz uso de métodos contraceptivos.

“Como parte do programa global, vamos trabalhar com os governos dos países com uma alta prevalência de casamento infantil para defender os direitos das adolescentes, de modo que elas possam alcançar seu potencial e os países possam atingir suas metas de desenvolvimento social e econômico”, afirmou Osotimehin.

Níger

UNICEF/UNI202947/van der Velden –

Nafissa, 17, se casou quando tinha 16 anos. Ela ficou grávida três meses depois do casamento – que durou dez meses. Nafissa tem 14 irmãos e irmãs.

O novo programa global vai se concentrar em estratégias comprovadas, como o aumento do acesso das adolescentes à educação e a serviços de saúde, a conscientização dos pais e suas comunidades sobre os perigos do casamento precoce, o aumento do apoio econômico para as famílias e o fortalecimento e cumprimento de leis que estabeleçam 18 anos como idade mínima para o casamento.

Líbano

© UNICEF/UNI198627/Aggio Caldon

A refugiada síria Hened Al Ahmad foi fotografada no Líbano, onde vive. Aos 14 anos, ela já é uma viúva. Ela se casou há dois anos, e seu marido morreu seis meses após a cerimônia. A menina, que estava grávida, sofreu um aborto. Segundo ela, a causa foi a dor e o medo que ela sentiu.

“O mundo despertou para os danos que o casamento precoce causa às meninas, para seus futuros filhos e para suas sociedades”, disse o diretor executivo do UNICEF, Anthony Lake. “Este novo programa global vai ajudar a direcionar a ação para alcançar as meninas em maior risco – e ajudar mais meninas e mulheres jovens a realizarem o seu direito de escolher seus próprios destinos”.

Mauritânia
© UNICEF/UN05222/Dragaj
Afaid Maiga tem 15 anos, e é uma refugiada do Mali. Atualmente, ela vive na Mauritânia, junto com sua família. Ela nunca frequentou a escola, e há um ano, seu pai fez com que ela se casasse com um homem muito mais velho. Como sua mãe discordou da união e levou o caso á lideranças comunitárias, a Unicef conseguiu intervir no caso da jovem, e anulou o casamento. Ela segue vivendo com os pais.
Líbano
UNICEF/UNI198617/Aggio Caldon
Waad tem 13 anos, e fugiu da Síria para o Líbano. Ela foi forçada pelo pai a se casar com um homem que ela não conhecia e, na época deste registro – em maio de 2015 – queria o divórcio. A menina, que estudava na Síria, agora trabalha na lavoura para ajudar a família.
Etiópia
© UNICEF/UNI197685/Holt
Jamila Zeyne, tem 21 anos, e é casada desde os 13. “Eu me casei porque meu pai me obrigou. Eu tinha duas opções, ou me casar ou ir trabalhar em algum país árabe. Eu não estou feliz, porque eu queria estudar. Se o governo instituir escolas noturnas em nossa região, eu quero voltar a estudar. O casamento precoce é ruim porque quando nós ficamos grávidas e temos que dar à luz, é muito difícil para o nosso corpo. Nós somos muito novas, e cuidar de uma casa não é fácil”.
Iraque
© UNICEF/UNI155452/Noorani
“Eu nunca imaginei o dia do meu casamento, eu era completamente dedicada aos estudos”, contou Dilda, iraquiana que se casou ainda adolescente, por causa das necessidades financeiras da família.

 

A comunidade global demonstrou um forte compromisso em acabar com o casamento de crianças ao incluir, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a meta de eliminá-lo, juntamente com outras práticas nocivas. O UNICEF e o UNFPA fazem um apelo aos governos e organizações parceiras para que possam apoiar o novo Programa Global que ajudará a acabar com o casamento infantil até 2030.

Créditos da foto da capa: extraída de um vídeo do Youtube onde se mostra a simulação de um casamento infantil.

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