Cerca de 860 milhões de crianças do mundo todo saíram um dia das aulas e na manhã seguinte não puderam voltar à escola, nem brincar com seus amigos, visitar os avós ou correr ao ar livre. Enquanto o número de contágios e mortes por coronavírus aumentavam com o passar dos dias e semanas de confinamento, os problemas de saúde física, mental e emocional também cresciam, mas de forma silenciosa.
As crianças estão sujeitas a um perigo invisível que provoca mortes, em uma situação de extrema gravidade, inesperada, chocante, que provoca uma reação normal do organismo no nível psicológico, e isso já está sendo registrado pelas pesquisas dos primeiros estudos que tentam medir como a pandemia está afetando a saúde mental”, assinala Abigail Huertas, psiquiatra do Hospital Gregorio Marañón de Madri e porta-voz da Associação Espanhola de Psiquiatria da Criança e do Adolescente. “A essa ameaça invisível se somam outros fatores estressantes, como a perda da rotina escolar e do relacionamento social com os amigos. Também é possível que algum familiar tenha passado a doença isolado em um quarto da casa, ou que tenha sido levado de ambulância para o hospital. Talvez a criança tenha sofrido alguma perda e não tenha podido assimilar o luto, nem se despedir, ou talvez seus pais tenham ficado desempregados, com tudo o que isso implica. Sempre assinalamos que o ambiente da criança é fundamental para sua saúde mental: se os pais não estiverem bem, as crianças não estarão bem”, acrescenta.
A reclusão e privação das crianças nesta quarentena não trouxe apenas consequências psicológicas. Outro forte impacto que a suspensão das aulas causou, de acordo com o pediatra Ariel Levy, está na alimentação. “Do ponto de vista alimentar, a escola é uma grande parceira da alimentação da criança, é onde muitas vezes ela faz todas as refeições”, afirma. “Mas quando essa criança, especialmente a da escola pública, sai da escola, cabe aos pais darem o que acham o melhor ou o que, em muitos casos, é o que tem em casa”, explica.
Na semana passada, o Unicef divulgou uma pesquisa realizada em parceria com o Instituto Ibope, mostrando alguns dos impactos da pandemia nas crianças. O levantamento apontou que mais lares onde vivem crianças e adolescentes vivenciaram falta de comida na mesa nos últimos meses, devido a dificuldades financeiras.
Por outro lado, em muitos lares onde a comida não foi um problema, sua garantia na mesa tampouco foi a solução. “A gente vê que as crianças estão engordando, e eu vejo isso tanto na rede pública quanto na privada”, diz o pediatra. “Ansiedade, ignorância e o hábito de comprar alimentos mais baratos são as principais questões que eu vejo aqui em São Paulo, muito mais do que falta de alimento em geral”.
Ariel Levy é categórico quando o assunto é o retorno das atividades escolares presenciais. “Sou absolutamente contra abrir shoppings e fechar escolas. É uma inversão total da prioridade da sociedade”, afirma. “Liberamos os adultos e confinamos as crianças”. Ele menciona uma série de estudos para concluir que talvez a escola aberta não represente, necessariamente, um risco de aumento de contágios. “Eu não quero impor nenhum risco às crianças. Mas o risco da escola fechada parece ser maior do que o risco do coronavírus para as crianças”. A opinião do médico, no entanto, é contrária à da maioria das pessoas ouvidas pela mais recente pesquisa realizada pelo Ibope. Segundo o levantamento, 54% acham que as aulas presenciais só deveriam voltar quando todos os professores e demais funcionários das escolas estiverem vacinados. E você, o que acha? Dê a sua opinião.
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