Até bem pouco tempo não se podia falar sobre autoextermínio. O receio era que ao se falar sobre o assunto pudesse desencadear o chamado efeito Werther. Isso se refere ao romance “Os sofrimentos do jovem Werther”, do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, em 1774, onde ele narra a história de um jovem que por não suportar uma desilusão amorosa, opta pelo autoextermínio.
Na época algumas pessoas que leram o livro cometeram suicídio, o que fez com que a venda do livro fosse proibida na Alemanha. E desde então o assunto se tornou um tabu em todo o mundo.Mesmo que o efeito Werther, aconteça até os dias de hoje, sempre que um uma pessoa famosa comete suicídio, quando desafios do tipo A Baleia Azul surgem na internet, quando filmes e séries de TV mostram exemplos de como se matar, ainda assim, a maneira mais eficiente de se prevenir o ato extremo é falando abertamente sobre o desejo de praticá-lo.
Imaginemos que foi pensando nisso que em 2004, o cineasta Eric Steel resolveu que não se prenderia às convenções impostas pelo coletivo de que não se deve falar em suicídio e decidiu colocar câmeras escondidas na ponte Golden Gate, uma das 7 maravilhas do mundo moderno, em São Francisco, na Califórnia, com o intuito de registrar as ‘automortes’.
Na época do lançamento do documentário “A Ponte”, mais de mil pessoas já haviam se lançado dela desde a sua inauguração em 1937. Muitos corpos nunca foram encontrados. Foram levados para o Pacífico pelas correntezas. Esse número ainda pode ser maior, já que existem casos de possíveis suicidas desaparecidos.
O filme mostra pessoas subindo na barreira da ponte e se atirando. Além de documentar os atos, o diretor buscou depoimentos de familiares e amigos dos suicidas, revelando o impacto que isso causou em suas vidas. Steel registrou diariamente em 2004 a rotina paradoxal da Golden Gate Bridge, flagrando mais de vinte suicídios.
Entre os testemunhos, ele colocou imagens de carros e nuvens se movendo rapidamente na ponte; usando assim, metáforas românticas para dizer que: morrer é uma questão de tempo; que o acelerar das cenas é uma alusão de que os suicidas apressam esse processo; que a ponte envolta por nevoeiros, representa a travessia entre a vida e a morte.
Ainda que o documentário “A Ponte” trouxesse a lume, de modo controverso, a importância de se falar sobre o suicídio, e fizesse com que as famílias das vítimas exigissem das autoridades que colocassem uma grade de proteção ao longo da ponte, para impedir que os suicidas caíssem, isso até os dias atuais não aconteceu. As alegações são de que, o custo é muito alto; que ‘estragaria’ uma das sete maravilhas do mundo moderno; e que quem quer se matar, se matará de qualquer jeito. Alegações cretinas em detrimento das vidas.
Assim, há de se compreender que uma rede de proteção ao longo da ponte evitaria sim, dezenas de mortes. Mesmo porque, segundo os depoimentos dos sobreviventes, eles se arrependeram no instante em que pularam.
É comprovado em mais 100 estudos que as pessoas sempre optam pelo suicídio da maneira disponível mais fácil. Segundo algumas fontes antigas, o filósofo Empédocles pulou para dentro do vulcão Etna. Os suicídios modernos desse tipo ocorreram em numerosos vulcões, mas o mais famoso é o Monte Mihara, no Japão.
Em 1933, Kiyoko Matsumoto se suicidou pulando na cratera Mihara. Uma tendência de suicídio que seguiu, quando 944 pessoas saltaram para a mesma cratera no ano seguinte. Mais de 1200 pessoas tentaram suicídio ali até que uma barreira foi erguida. Barreira esta que, em 1936, precisou ser substituída por uma cerca mais alta, toldada por arame farpado, depois que outras 619 pessoas conseguiram saltar, transpondo a antiga cerca.
Em todo o mundo, 30% dos suicídios são causados por envenenamento por pesticidas. No Sri Lanka, tanto o suicídio por agrotóxicos, quanto o total de suicídios reduziram após certos tipos de agrotóxicos serem banidos.
Nos países onde porte e posse de armas são legalizados, mais de 80% dos suicídios são por armas de fogo. Nos EUA, a maioria das mortes por armas de fogo acontece com arma de fogo – incríveis 64,2% dos 37.200 óbitos em 2016. No Brasil, essa porcentagem é de 4%, ou 1.728 mortes. Se os mesmos 4% da população do Brasil tiver uma arma (o que representaria 6 milhões de novas armas em casa), o total de pessoas que tiram a própria vida todos os anos, proporcionalmente, passaria dos 16 mil. É como se 7 Boeings lotados caíssem todo mês.
A questão principal não é, no entanto, extinguir os meios para se cometer suicídio, isso seria impossível, mas falar abertamente sobre as dores psíquicas que conduzem uma pessoa ao ato extremo.
De acordo com uma recente revisão de 31 artigos científicos sobre suicídio, mais de 90% das pessoas que se mataram tinham algum transtorno mental como depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar e dependência de álcool ou outras drogas.
Atualmente, estudos mostram que perguntar a indivíduos em risco se eles estão pensando em suicídio não aumentam suicídios ou pensamentos suicidas; na prática é o contrário: descobertas sugerem que reconhecer e falar sobre suicídio pode de fato reduzir em vez de aumentar a ideação suicida. Especialmente quando a pessoa é capaz de verbalizar suas angústias.
Um problema de saúde pública que vive atualmente a situação do tabu e do aumento de suas vítimas é o suicídio. Pelos números oficiais, são 32 brasileiros mortos por dia, taxa superior às vítimas da AIDS e da maioria dos tipos de câncer. Tem sido um mal silencioso, pois as pessoas fogem do assunto e, por medo ou desconhecimento, não veem os sinais de que uma pessoa próxima está com ideias suicidas.
Mesmo com tantos motivos relevantes para se quebrar o tabu acerca do autoextermínio, somente em 2015 a Organização Mundial de Saúde instituiu setembro como o mês, e amarelo como a cor, de prevenção ao suicídio.
A escolha de mês de setembro e da cor amarela se deu por causa da história de um jovem americano, chamado Mike Emme, de 17 anos. Apaixonado por mecânica, Mike, o filho do casal Dale e Darlene, restaurou um Mustang 68 e o pintou todo de amarelo. Ainda que aparentasse uma personalidade tranquila e generosa, Mike optou pelo autoextermínio enquanto dirigia o seu carro.
No dia do seu enterro, em 1994, pessoas próximas confessaram que nunca perceberam quaisquer sinais de angústia em Mike. Como forma de homenagear o rapaz e, ao mesmo tempo, trazer uma conscientização para a causa, amigos de Mike fizeram uma cesta com 500 cartões enfeitados com fitas amarelas que traziam a mensagem, “Eu estou disponível para te ouvir”.
Para maior parte de nós, o sol nasce. Então pensamos ‘amanhã é outro dia’, mas para muitos, o sol nunca nasce. E tudo que eles esperam é que a morte os liberte da dor de existir num mundo sempre nublado.
O que leva alguém a ultrapassar os limites da própria vida? Às vezes, em momentos de real desespero, pensamos em ultrapassar esse limite. Mas há aqueles em que esses pensamentos são diários. Quando uma dor física qualquer se torna insuportável, somos capazes de fazer qualquer coisa para alivia-la. O mesmo acontece quando a dor psíquica é imensa, a pessoa chegará ao limite de tirar a própria vida, para não sentir mais aquela dor. Talvez haja uma certa quantia de liberação da dor psíquica, através da dor física.
O suicídio na adolescência já é considerado uma epidemia. No Brasil é a segunda causa de morte entre 12 e 27 anos. O adolescente, silencioso ou barulhento, tem uma alma que grita para dentro. Ter uma alma que grita não é ruim: grandes poetas, grandes cientistas, grandes artistas, grandes músicos, grandes pensadores… tiveram e têm almas que gritam.
Nada obstante, é de muita importância que os pais saibam que o adolescente está atravessando a maior e mais difícil fase do cérebro humano. Dos 12 aos 27 anos, a vida é uma ponte bem trêmula de se atravessar. Para uns mais do que para outros.
Esta é a fase das maiores cobranças psicossociais, mas o cérebro não sabe disso, o cérebro é físico/mecânico e precisa evoluir. Em sua evolução faz um ‘caos’ interior na cabeça do adolescente: diminui significativamente a produção dos hormônios que o deixava feliz na infância, porque ele precisa experimentar o tédio a fim de ‘construir as grandes coisas nas ciências e nas tecnologias’. É como ligar um aparelho de 110 numa tomada 220, o aparelho não aguenta a potência e entra em colapso.
Pense que tudo isso está acontecendo dentro da cabeça do adolescente – enquanto ele atravessa essa ponte onde as paisagens são cobranças psicossociais, os problemas com a transformação do corpo, com a sexualidade, com os conflitos familiares, com os desencontros de interesses das relações…
Como se tudo isso não fosse o bastante para que os jovens optem pelo suicídio, há pelo menos mais duas questões de extrema relevância: a predisposição genética para os transtornos mentais e o uso exacerbado de drogas, enquanto o cérebro se encontra nesse estágio de grande confusão, por assim dizer.
O uso indiscriminado de drogas, e por drogas se inclui também o álcool, na adolescência, é como colocar o motor de uma Ferrari num Fusca, a mecânica não comporta tamanha potência e entra em colapso. E é nesse momento de colapso que os transtornos mentais desencadeiam, em indivíduos geneticamente predispostos. Podem desencadear transtornos mentais desde ansiedade, depressão, transtorno bipolar e até a esquizofrenia. E 90% das pessoas que cometeram suicídio apresentaram algum tipo de transtorno mental.
Este artigo é um exceto do ensaio de pesquisa teórica e de campo, “Jovem, não morra na Golden Gate, da escritora, psicopedagoga e psicanalista, Clara Dawn.
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