Num instante de euforia em mim, deleite-se tal qual um lobo numa carcaça. Sabendo de antemão que o riso é semelhante à morte: um minuto é o bastante para lhe pôr em cólicas. A tristeza é mais atraente do que a alegria. A alegria é trabalhosa demais. A felicidade então, ô!
Brigitte Bardot, a incomparável BB, em ‘E Deus Criou a Mulher’, disse: “É muito difícil ser feliz” – quando sua personagem, Juliette, submersa pela tristeza, contemplava o ir e vir do mar. Ela se referia à adaptação ao paradigma da felicidade plena compartilhada: lar, marido, filhos… E aos comportamentos éticos morais, sociais e religiosos. Juliette era infeliz por não enxergar a felicidade onde a “felicidade mora”.
Coisa tola é crer em felicidade plena compartilhada. A felicidade, penso eu, é a coisa mais íntima da existência. A felicidade para Juliette era ser extraordinariamente alegre. Ora, desde quando uma mulher pode ser assim tão alegre, sem que isso lhe custe um amontoado de escárnios? Para constar, o filme foi ambientado em 1956, mas parece-me que foi ontem.
Comungo com Juliette na ideia de que ser feliz é muito difícil. Um casamento “feliz”, por exemplo, é uma fusão onde [hipótese] duas pessoas distintas que não possuem parentela, nasceram e cresceram em regiões diferentes, se formaram em culturas e crenças diferentes e até os sexos são diferentes… poderiam, oh céus!, homogeneizar toda íntima felicidade para-todo-o-sempre-amém!?
A felicidade de um pode ser um tormento para o outro. Não obstante de a alegria de um ser a tristeza do outro, como ocorre num jogo de futebol, mas também pode ser o gosto por salada de rúcula ou Cha-cha-chá… A felicidade é tão íntima que posso encontrá-la nos instantes mais inusitados, ziguezagueando entre lágrimas quando estas revelam a sincera compaixão para com um outro qualquer.
“Ser feliz”, no senso comum de felicidade, requer muitos verbos: confiar, abnegar, concernir, perdoar, relevar, conceder, doar… e outros esforços necessários à boa vontade para com os relacionamentos interpessoais. É esse tipo de felicidade imposta por paradigmas sociais que livra o ser do esforço do raciocínio próprio e do autoconhecimento de suas íntimas felicidades.
Às vezes, tudo o que desejamos é o direito de não sermos fortes; de ficarmos em nosso canto sozinhos e tristes até que tenhamos o discernimento do tamanho de nossa dor e da quantidade de tempo que precisaremos para nos curar. Ás vezes essa necessidade se torna latente. A gente descobre que é uma pessoa solitária e triste. Porque, no fundo, é mais fácil ser triste do que ser alegre.
Com as lágrimas se atrai a piedade; com o riso, o julgamento. Com a tristeza vem a compaixão; com a felicidade a inveja… Porque é aceitável compadecer-se dos que choram, mas se alegrar com o sucesso e felicidade do outro, isso lá é uma tarefa para a distante evolução do espírito. Será que a alegria do outro é a prova de minha incompetência na busca por meu próprio modo de felicidade?
A tristeza se ‘autojustifica’ sempre. Com ela se pode ficar em casa e coisa alguma fazer além de aquietar-se na covardia para com os deveres da alma. Conheço tanta gente que é feliz sendo triste. Porque é mais fácil lidar com as lágrimas do que com o riso. E isso deve ser visto como um direito da pessoa. Cada um tem o direito de lidar com a sua natureza do modo que desejar.
Como disse o guru Pedro Tornaghi, “ás vezes é preciso dar uma pausa na busca pela felicidade e apenas ser feliz”.
Eu dei uma pausa na busca pela felicidade para tão somente ser feliz dentro do instante agora. Porque às vezes é preciso parar de sonhar e apenas partir. A mais difícil quebra de paradigmas é a coragem de sair da improdutiva zona de conforto e arcar com as consequências de amar a si mesmo acima de tudo. Mas não se pode confundir amor próprio com egoísmo. Uma pessoa egoísta só pensa em si. Só as suas emoções, verdades, dores e vontades são prioridades. Longe do egoísmo, o amor próprio é a força que lhe impulsiona a abrir mão (ou não) de situações, prazeres, bens, vaidades… somente pelo fato de que uma ou outra possa estar lhe tirando a paz de espírito e até mesmo a saúde mental, emocional ou física.
Eu – por exemplo e por amor próprio – troquei o salto por sapatilhas; a colônia perfumada por emplastros de cânfora; o prazer da alimentação saborosa por pratos coloridos e insípidos… Isto – o desapego da vaidade – foi para livrar-me das constantes crises de dores na coluna e a hipertensão. Quem quiser me abraçar, abrace sabendo que ficará cheirando à cânfora. Se me convidar pra almoçar, convide para tomar sopa sem sal e nem gorduras.
Por amor próprio e para sarar as dores emocionais, aprendi a verbalizar os sentimentos (dizem que o que não vira palavra vira sintoma), então digo “não” sempre que quero dizer “não” e “siiimm” quando quero sim. Desde que aprendi a me ‘autodesafiar’ com a questão de que é melhor o outro aborrecido do que eu, descobri que amar si mesmo não é pecado e, melhor ainda, faz bem pra saúde integral, para autoconhecimento, para a beleza da face e da alma, cura ziquizira, urucubaca, olho gordo, desanda e ainda traz o amor em três dias.
Na minha íntima, muito íntima, felicidade deste instante em que me debruço sobre essas teclas quadradas, sinto o meu coração crescer dentro do peito ao arfar o oxigênio fluido do jardim. Pássaros vândalos fazem algazarras numa poça d’água e eu estou eufórica também… Vinho não, tequila; O Fantasma da Ópera, oh não, Lago dos Cisnes; escada rolante não, elevador: último andar, s’il vous plaît. Merci.
Texto de Clara Dawn
PS – “Ostra feliz não faz pérola” – É título de livro do mestre Rubem Alves
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