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Sequelas persistentes: quando a covid-19 se torna uma doença crônica?

Levantamento com base em centenas de milhares de relatos no Reino Unido aponta que dor de cabeça e fadiga aparecem em quase todos os pacientes que sofrem semanas ou meses com a Covid-19. As informações são do G1:

A Covid-19 desaparece em duas semanas para a grande maioria dos infectados pela doença, que afetou pelo menos 27 milhões de pessoas até agora ao redor do mundo. As estatísticas oficiais apontam que 18 milhões se recuperaram da Covid-19, mas esses números ocultam uma grave e intrigante situação que tem piorado com diversos “recuperados”: a Covid-19 persistente.

Com o passar do tempo, cresceu o número de pacientes que relatam sintomas prolongados por semanas ou meses. Isso afeta não apenas quem teve uma Covid-19 severa como também aqueles atingidos por um tipo brando da doença.

Os sintomas começaram em março, diz Laura, uma mulher britânica na casa dos 20 anos. A princípio, Covid-19 parecia um caso grave de gripe: tosse seca, febre, falta de ar, perda do olfato, “náuseas horríveis” e fadiga geral. Após três semanas de descanso, as coisas começaram a melhorar. Cinco meses depois, ela ainda não se recuperou. Às vezes, seus sintomas diminuem por uma ou duas semanas, mas inevitavelmente retornam. “Quando está ruim, eu não posso nem ir ao trabalho, porque se eu falar muito eu não consigo respirar”.

Mais de 300 mil pessoas relataram sinais que duraram mais de um mês e cerca de 60 mil delas, por mais de três meses

Tim Spector, professor de epidemiologia genética do King’s College de Londres e líder de um estudo baseado em sintomas relatados no aplicativo Covid Symptom Study, afirmou que mais de 300 mil pessoas no Reino Unido relataram sinais que duraram mais de um mês e cerca de 60 mil delas, por mais de três meses.

Há diversos relatos de pacientes que não conseguem mais realizar tarefas do dia a dia, praticar exercícios ou mesmo se alimentar direito — neste caso, porque o paladar foi completamente alterado. Há outras condições mais graves, como inflamação cardíaca, depressão, fibrose pulmonar e dificuldade cognitiva.

Líder de uma campanha por mais estudos sobre a Covid-19 persistente, Nisreen Alwan, professora de saúde pública da Universidade de Southampton, defende que as autoridades:

  • Deem apoio e reconhecimento a quem tem a doença prolongada;
  • Preparem os sistemas de saúde após dimensionar o problema;
  • Façam com que as pessoas, ao tomarem decisões de risco, saibam que a morte não é a única consequência ruim da doença.

“A Covid-19 persistente não é uma história derivada da pandemia. Ela é A história, porque a maioria das pessoas acham que vão ficar bem se pegarem o vírus, ou que só devem se preocupar em não infectar os outros, mas as pessoas precisam saber que a morte não é a única consequência ruim, há riscos da doença ser prolongada”, escreveu Alwan em seu perfil no Twitter.

Quais são os sintomas mais comuns?

Tim Spector apresentou alguns resultados preliminares sobre a Covid-19 prolongada em um seminário online promovido pelo renomado periódico científico “British Medical Journal”.

“Se você tem tosse persistente, rouquidão, dor de cabeça, diarreia, perda de apetite e falta de ar na primeira semana, você tem duas a três vezes mais chances de desenvolver sintomas por um longo tempo”.

Dados coletados por meio do aplicativo Covid Symptom Study, que conta com mais de 4 milhões de usuários, apontam os sintomas mais comuns ligados a essa condição. Os dois sinais mais relatados são fadiga crônica (98%) e dor de cabeça (91%).

A síndrome de fadiga crônica é uma condição debilitante de longo prazo no qual a pessoa afetada sente uma série de sintomas. O mais importante deles é um esgotamento que não melhora com repouso ou sono e que afeta os pacientes em todos os aspectos da sua rotina.

Em segundo lugar, o grupo de sintomas mais comuns em pacientes com Covid-19 prolongada inclui tosse persistente, falta de ar e perda de olfato (que afeta também o paladar). Veja mais abaixo a lista completa de sintomas ligados a esse quadro de saúde.

Spector afirmou também que a Covid-19 persistente é duas vezes mais comum em mulheres, e elas geralmente têm em torno de 40 anos. E 80% das pessoas com sintomas por mais de três semanas relatam que a vida passou a alternar dias bons e dias ruins.

Há outros fatores que parecem ligados a esse quadro de saúde, como a resposta imunológica de cada pessoa. Nesse caso, a presença de febre alta, um sinal de que o sistema imunológico está reagindo a um invasor, geralmente indica que o paciente infectado não desenvolverá uma Covid-19 prolongada, segundo Spector.

Mas os dados ainda são preliminares e demandam mais análises para conclusões definitivas. De acordo com um comunicado divulgado pelo governo britânico no início de setembro, 10% pessoas com a forma mais moderada da Covid-19 apresentaram sintomas por mais de um mês, e 2%, por mais de três meses.

“Mesmo que você tenha um risco mais baixo de morrer de Covid-19, com menos de 25 anos, você ainda pode ter sintomas e consequências graves. Há pessoas que estão há seis meses com a Covid-19 persistente, e é predominante entre os jovens e ainda pode infectar outras pessoas”, afirmou o ministro de saúde britânico, Matt Hancock.

Ainda não está claro para muitos pacientes se esses sintomas serão permanentes

E vale lembrar que esse não é um quadro exclusivo da Covid-19. Há registro de sintomas persistentes em pacientes de outras doenças infecciosas, como dengue, chikungunya e mononucleose. Ainda assim, Spector, do King’s College de Londres, disse ao jornal britânico “The Guardian” que já estudou “mais de 100 doenças, e a Covid-19 é a mais estranha que eu vi em toda a minha carreira”.

Lista completa de sintomas persistentes

Em geral, quanto mais invasivo (e duradouro) for o tratamento recebido contra a Covid-19, mais tempo costuma levar o processo de recuperação da Covid-19. Segundo o estudo britânico que utiliza o aplicativo, a maioria das pessoas que tem a forma branda da doença se recupera em até duas semanas. Entre aquelas com a versão mais grave, o período chega a três semanas.

Um estudo realizado na Itália com 143 pacientes que deixaram a internação hospitalar por coronavírus apontou que 87% delas ainda tinham pelo menos um sintoma até 60 dias depois. Para 44,1%, houve uma piora na qualidade de vida.

A lista publicada pelo sistema de saúde britânico em 7 de setembro sobre pacientes com sintomas persistentes associados à Covid-19 inclui:

  • Sinais ou condições respiratórios como tosse persistente, falta de ar, inflamação do pulmão e fibrose pulmonar, e doença vascular pulmonar;
  • Doenças ou sinais cardiovasculares, como aperto no peito, miocardite aguda e insuficiência cardíaca;
  • Perda prolongada ou mudança no paladar e no olfato;
  • Problemas de saúde mental como depressão, ansiedade e dificuldades cognitivas;
  • Distúrbios inflamatórios como mialgia, síndrome inflamatória sistêmica, síndrome de Guillain-Barré e amiotrofia nevrálgica;
  • Distúrbios gastrointestinais como diarreia;
  • Dor de cabeça persistente;
  • Fadiga, fraqueza e insônia;
  • Disfunção renal ou hepática;
  • Distúrbios de coagulação e trombose;
  • Linfadenopatia;
  • Erupções na pele.

Os dados foram coletados a partir de relatos de centenas de milhares de usuários do aplicativo de registro de sintomas ligados à Covid-19 mencionado acima.

Pessoas com sintomas prolongados continuam transmitindo a doença ao longo desse período?

Autoridades e especialistas afirmam que a grande maioria dos pacientes deixa de passar o vírus até duas semanas depois dos primeiros sintomas. Mas há casos extremos, como o de um paciente chinês que ainda transmitia a doença 49 dias depois. Segundo Tim Spector, do King’s College de Londres, dados coletados pelo aplicativo Covid Symptom Study e testes realizados apontam que 9% das pessoas com sintomas por mais de seis semanas ainda poderiam transmitir o novo coronavírus. Mas virologistas ligados às análises apontaram que havia uma carga viral muito baixa nesses pacientes, e dificilmente eles seriam capazes de infectar de fato outras pessoas.

Seis ‘tipos’ da Covid-19 e seus sintomas

Uma análise feita por pesquisadores do King’s College, em Londres, identificou 6 “tipos” de Covid-19, cada um caracterizado por um conjunto específico de sintomas. Há pelo menos seis grandes “quadros” da doença, segundo análise nos dados feita por meio de algoritmos de aprendizado de máquina (machine learning).

  1. Quadro semelhante a uma gripe sem febre: dor de cabeça, perda de olfato, dor muscular, tosse, dor de garganta, dor no peito.
  2. Quadro semelhante a uma gripe com febre: dor de cabeça, perda de olfato, tosse, dor de garganta, rouquidão, febre, perda de apetite.
  3. Quadro gastrointestinal: dor de cabeça, perda de olfato, perda de apetite, diarreia, dor de garganta, dor no peito, sem tosse.
  4. Quadro grave nível 1 (fadiga): dor de cabeça, perda de olfato, tosse, febre, rouquidão, dor no peito, fadiga.
  5. Quadro grave nível 2 (confusão mental): dor de cabeça, perda de olfato, perda de apetite, tosse, febre, rouquidão, dor de garganta, dor no peito, fadiga, confusão mental, dor muscular.
  6. Quadro grave nível 3 (abdominal e respiratório): dor de cabeça, perda de olfato, perda de apetite, tosse, febre, rouquidão, dor de garganta, dor no peito, fadiga, confusão mental, dor muscular, falta de ar, diarreia, dor abdominal.

Os cientistas então investigaram se as pessoas que experimentavam um conjunto específico de sintomas tinham maior probabilidade de precisar de assistência respiratória por meio de um respirador ou oxigênio adicional. Eles descobriram que uma porcentagem muito baixa — entre 1,5% e 3,3% — de pessoas com grupos 1, 2 e 3 necessitava de assistência respiratória.

Mas a porcentagem daqueles que manifestaram sintomas dos grupos 3, 4 e 5 foi de 8,6%, 9,9% e 19,8%, respectivamente. Além disso, quase metade dos pacientes do grupo 6 foi parar no hospital, em comparação com apenas 16% no grupo 1.

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