Dentro de nós reside um ser abandonado. Que surgiu em vários momentos em que não nos sentimos vistos e validados pelo papai ou pela mamãe. Às vezes, por ambos. Este ser tem medo de ser abandonado novamente, e faz de tudo para ser visto, aceito, incluído. Usa diversas estratégias: desde ser o melhor, para impressionar e agradar o outro, até confrontar e manipular, obrigando o outro a amá-lo. Mas ele sabe que, no final, não conseguirá “se sentir pertencendo”. Afinal, ele é “o abandonado”.
Imerso nesta energia, nesta máscara moldada na dor da perda de atenção do pai ou da mãe, subornamos nossos amores, amigos, clientes… quanto maior a dor, maior a extorsão: me vejam!!! Olhem pra mim!!!
Depois… cedo ou tarde, o abandonado se isola. Se retira. Acaba abandonando a todos. E a promessa está realizada. Fui abandonado! A relação afetiva acaba. O emprego perde o sentido. A família é deixada. Grupos desfeitos. Amigos esquecidos. Até Deus é abandonado.
E então, começamos tudo novamente. A busca pela aprovação. Pela validação. Pela inclusão. Em novos grupos. Novas relações. Novos trabalhos. Novos caminhos espirituais. Queremos muito pertencer, mas não nos sentimos pertencentes…
Cabe urgentemente a necessidade de aprender a lidar com a sensação de abandono. Ela é uma imagem do passado. E todos os sentimentos agregados que o abandono traz: raiva. Medo. Auto comiseração. Competitividade. Sedução. Culpa. Sim, me senti abandonado e ninguém poderá mudar isso. Dói muito. E não há o que fazer.
Diga ao seu “ser abandonado”: preciso validar você, dentro de mim, que sofre. Eu, pelo menos, não irei abandoná-lo.
Mas também não irei seguir suas estratégias, que me levarão, cedo ou tarde, ao isolamento. Eu e você não precisamos sofrer mais do que já sofremos. Pra que agradar todo mundo? Pra que manipular? Amarrar a família, os amores, os amigos, os parceiros? Confrontar o mundo? Isso de nada adiantará.
Faz-se necessário aprender a lidar com a impermanência das relações. Todas elas, um dia, acabarão. Alguém sempre será deixado. Nem por isso, devemos apressar o andar da carruagem. O abandonado é somente o ponto de vista infantil de alguém que não aceitou a dor da partida. O sábio, dentro de nós, não olha para quem vai. Nem para quem chega. O sábio está presente. E sorri quando alguém vem. Se enternece quando alguém vai. Sabe lidar com os sentimentos – agradáveis ou não, e não os vincula às pessoas. Pessoas despertam nossos sentimentos. Os sentimentos são sempre “nossos”. Independem do outro.
Lidar de forma madura com eles – os sentimentos, despersonalizando-os, é a maior lição. E se não damos conta de lidar com o nosso “abandonado”, nem com as dores provocadas pelos inúmeros abandonos que vivemos, e outros que patrocinamos, há que se ter a força hercúlea de pedir para que Algo Maior nos ajude. Pelo menos uma vez na vida, o “abandonado” precisará ceder e deixar o seu maior defeito de lado: o orgulho. E então pedir ajuda. E abrir-se para receber a ajuda. Na forma que ela vier. De quem ela vier. Ela virá.
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