Atualmente muitos pais e mães se sentem frustrados porque as crianças não estão se comportando como eles se comportavam em seu tempo de crianças. O que aconteceu? Por que as crianças de hoje não desenvolvem o mesmo senso de responsabilidade e motivação que parecia prevalecer nas crianças de muitos anos atrás?
Existem muitas explicações possíveis, como famílias separadas, excesso de informações, telas de entretenimentos, videogames e mães que trabalham fora. Esses fatores são tão comuns em nossa sociedade pós-moderna que, se de fato fossem, por si só, as razões dos desajustes com nossas crianças, a gente não teria esperança alguma de solucioná-los. No entanto, todos nós conhecemos inúmeras mães solos que trabalham e criam seus filhos muito bem porque usam competências parentais.
As crianças também querem ser tratadas com dignidade e respeito
O psiquiatra e educador americano, Rudolf Dreikurs tinha seguinte teoria: “Houve muitas mudanças importantes na sociedade nos últimos anos que motivam mais precisamente as diferenças nas crianças de hoje. As perspectivas são muito animadoras porque, com consciência e boa vontade, podemos compensar essas mudanças e, ao fazê-lo, também eliminar alguns dos problemas que muitos pensam que são por causa de pais separados, excesso de telas e/ou porque as mães trabalham fora de casa.
A primeira grande mudança é que os adultos não são mais, para as crianças, exemplos ou modelos de super-heróis provedores a quem eles devem obediência inquestionável. Isso porque os adultos esquecem que não agem mais como os adultos de antigamente. Lembra quando mamãe obedecia a tudo que papai dizia, ou pelo menos parecia que o fazia porque era culturalmente aceitável? Nessa época poucos questionavam se decisões do pai eram verdadeiramente a melhor opção.
Naquela época, os modelos de submissão eram muitos. Papai obedecia ao patrão (que não se importava com suas opiniões) para não perder o emprego. As classes operárias aceitaram papéis submissos com graves perdas em termos de dignidade pessoal. Com o movimento de direitos humanos, esse não é mais o caso. Hoje, os trabalhadores reivindicam ativamente a equidade de direitos. Nestes nossos tempos, é difícil encontrar alguém disposto a aceitar um papel inferior e submisso na vida.
Então, quando o pai perdeu o controle sobre a mãe, ambos perderam o controle de seus filhos. Isso significa que a mãe parou de dar exemplo de submissão para os filhos, e isso, claro, foi um progresso à liberdade do ser enquanto mulher. As crianças apenas seguem os exemplos ao seu redor. A segunda grande mudança então, é que as crianças também querem ser tratadas com dignidade e respeito”.
Com base nessa reflexão de Rudolf, é possível concluir que muitas coisas dos chamados ‘bons e velhos tempos’ não eram tão boas assim, pois eram tempos de grandes desigualdade de gêneros e hoje todos sabem que têm direito a serem tratados com respeito, dignidade e liberdade para serem quem realmente são.
Obviamente as crianças não podem desfrutar de todos os direitos como membro participativo de uma sociedade enquanto forem crianças. Por isso a orientação e a liderança de adultos são indispensáveis. Para tanto, as crianças merecem ser tratadas com dignidade e respeito. Elas também merecem a chance de desenvolverem as habilidades necessárias para a vida em um ambiente familiar, onde impera bondade e firmeza e não culpa, vergonha e o subjugo.
Seja presente e prepare o seu filho para viver num mundo sem você
Outra grande mudança na sociedade é que as crianças têm menos oportunidades de aprender responsabilidades e motivação. Não precisamos mais do trabalho de crianças para contribuir para a sobrevivência econômica das famílias. Ao contrário, muito se dá aos filhos porque: ‘eu não quero que meu filho passe pelo que eu passei. Assim, em nome desse amor incondicional e sem nenhum esforço ou investimento de sua parte da criança, tudo a ela é ofertado. É exatamente assim que elas desenvolvem a crença de que tudo lhes é devido.
Muitas pais/mães acreditam que para serem bons em suas tarefas parentais, devem proteger a criança de todas as frustrações. Eles a defendem e a superprotegem, privando-a da possibilidade de desenvolver confiança em sua própria capacidade de enfrentar os altos e baixos da vida. Os pais/mães precisam compreender que é preciso ser presente na formação integral da criança, ao mesmo tempo em que a prepara para viver num mundo sem eles.
A educação de habilidades para a vida é frequentemente negligenciada devido aos dias ocupados ou à falta de compreensão de como é importante que as crianças contribuam. Frequentemente, privamos as crianças da oportunidade de sentirem um forte senso de pertencimento e valor próprio por meio de uma contribuição responsável, e depois as criticamos por não desenvolverem senso de responsabilidade.
As crianças não desenvolvem senso de responsabilidade quando pais/mães são muito autoritários e controladores, mas também não o desenvolvem quando são permissivos. As crianças são fortalecidas quando têm a oportunidade de aprender habilidades sociais e de vida para desenvolver um bom caráter em uma atmosfera de bondade, firmeza, dignidade e respeito.
Ensine a criança a desenvolver estas 7 percepções e habilidades essenciais
É importante ressaltar que evitar o castigo não significa permitir que a criança faça o que quiser. É necessário proporcionar às crianças oportunidades para que experimentem a responsabilidade em relação aos privilégios de que gozam. Caso contrário, elas se tornam indivíduos convencidos de que a única maneira de chegar a um sentimento de pertencimento e consciência de seu próprio valor é manipular outras pessoas para seus próprios fins.
Algumas crianças desenvolvem a crença: “Não sou amada a menos que outros me deem atenção”. Outros podem desenvolver a crença de que nem deveriam tentar, porque não há nada que possam fazer que não cause vergonha e dor. O mais triste é quando elas desenvolvem a crença de que não são boas o bastante. E isso acontece porque elas não têm a oportunidade de praticarem habilidades que lhes façam se sentirem capazes.
Quando toda a sua inteligência e energia são direcionadas para a manipulação, rebelião e evitação, as crianças não desenvolvem percepções e habilidades necessárias para se tornarem pessoas capazes. No livro Criando filhos autossuficientes em um mundo autoindulgente (Raising Self-Reliant Children in a Self-Indulgent World), Stephen Glenn e eu identificamos as 7 Percepções e Habilidades Essenciais necessárias para desenvolver crianças capazes. São elas:
- Forte percepção das capacidades pessoais: “Eu sou capaz”.
- Forte senso de autoestima em relacionamentos primários: “Eu contribuo significativamente e sou genuinamente necessário.
- Forte percepção de poder pessoal ou influência sobre a própria vida: “Eu posso influenciar o que acontece comigo”.
- Fortes habilidades intrapessoais: a capacidade de entender as próprias emoções e usar esse entendimento para desenvolver autodisciplina e autocontrole.
- Fortes habilidades interpessoais: a capacidade de trabalhar com outras pessoas e desenvolver amizades por meio da comunicação, colaboração, negociação, compartilhamento, empatia e escuta.
- Fortes habilidades sistêmicas: a capacidade de enfrentar as limitações e dificuldades da vida cotidiana com responsabilidade, adaptabilidade, flexibilidade e integridade.
- Fortes habilidades de julgamento: a capacidade de usar o bom senso e avaliar as situações de acordo com os valores apropriados.
As crianças podem desenvolver naturalmente essas percepções e habilidades quando têm a oportunidade de trabalharem lado a lado com seus pais, com treinamento prático, contribuindo significativamente para as atividades familiares. A ironia é que, nos “bons velhos tempos”, as crianças já tinham potencial para desenvolverem fortes habilidades para a vida, mas poucas oportunidades de usá-las. Agora o mundo está cheio de oportunidades para as quais muitas crianças não estão preparadas. As crianças de hoje não têm muitas oportunidades espontâneas de se sentirem necessárias e conscientes de seu próprio valor, mas os pais/mães podem fornecer essas oportunidades com cuidado.
Um grande benefício colateral é que a maioria dos problemas de comportamento pode ser eliminada à medida que pais/mães aprendem maneiras mais eficazes de ajudarem as crianças a desenvolverem percepções e habilidades saudáveis. A maior parte do mau comportamento pode ser atribuída a uma falha em desenvolver essas 7 Percepções e Habilidades Essenciais.
10 propostas para uma Disciplina Positiva
Entender por que as crianças não estão se comportando como costumavam ser é o primeiro passo para pais/mães ao lidarem com os desafios de criar filhos. Precisamos entender por que os métodos de controle que funcionaram tão bem há muitos anos não são eficazes com as crianças de hoje. Devemos entender que temos o dever de proporcionar oportunidades para que as crianças desenvolvam senso de responsabilidade e motivação. E, mais importante, devemos entender que a colaboração baseada no respeito mútuo e nas responsabilidades compartilhadas é mais eficaz do que o controle autoritário. Para auxiliar os pais/mães com essa tarefa, aqui estão, em síntese, 10 propostas para educar e disciplinar filhos de forma positiva. Entenda:
1. A Disciplina Positiva não é punitiva. Não se centra no castigo, mas sim na mudança de conduta a médio prazo.
2. A Disciplina Positiva busca a proximidade e a confiança. Ao não se centrar no castigo, trabalha de maneira sistemática as emoções desde a empatia, preocupando-se mais pelo que passa à pessoa do que por seus atos.
3. A Disciplina Positiva centra-se nas soluções. Talvez seja um dos aspectos que mais gosto desta disciplina, ou seja, a Disciplina Positiva não coloca seu foco na culpa, mas sim na busca de um “remédio” para determinada ação.
4. A Disciplina Positiva ensina autocontrole. Dentro das competências emocionais, o autocontrole se transforma em um aspecto fundamental, sobretudo no que diz respeito à administrar a ira e ao estresse.
5. A Disciplina Positiva trabalha a partir da perspectiva de um conflito. Que significa isso? Exemplo: na educação punitiva enfrenta-se o problema no mesmo momento em que o conflito se produz, em um momento em que, muitas vezes, estamos com raiva, tristes ou contrariados. Mas, na Disciplina Positiva propõe é esfriar esse momento e trabalhá-lo quando tenha passado um tempo prudencial em que a perspectiva nos permita, muitas vezes, relativizar determinadas ações.
6. A Disciplina Positiva foca no futuro. O grande problema da educação tradicional punitiva é que coloca seu foco no passado, ou seja, faz pagar pelo que foi feito. A Disciplina Positiva, por sua parte, coloca o foco no futuro, ou seja, se educa para conseguir resultados a médio e longo prazo, ou seja, se aprende para um futuro.
7. A Disciplina Positiva gera opções. A Disciplina Positiva capacita para escolher, ou seja, é capaz de gerar opções que a disciplina não permite pela rebeldia que provoca e porque seu objetivo é a submissão.
8. A Disciplina Positiva aprende-se do fato. Enquanto que, na educação punitiva, se paga pelo fato, ou seja, se paga com um castigo, a Disciplina Positiva busca aprender desse fato desde a reflexão, para que, uma vez trabalhado, entendido e assimilado, não haja necessidade de que volte a ocorrer.
9. A Disciplina Positiva trabalha a autodisciplina. Um dos aspectos que se deve entender sobre a Disciplina Positiva é que se trata de uma educação não imediata. Que significa isso? Os resultados dessa forma de educar não são vistos no primeiro dia, mas a médio prazo. Por isso, no lugar de se centrar no controle próprio da educação punitiva, trabalha o autocontrole das emoções e dos atos que provocam essas emoções.
10. A Disciplina Positiva faz sentir-se bem para fazer melhor as coisas. Esse último ponto é também um dos meus preferidos. Isso porque busca um enfoque radicalmente distinto da educação tradicional punitiva. Por que? Porque a educação punitiva se baseia na crença de que as crianças se comportarão melhor se se sentem pior. E não é assim. Do que se trata é de que as crianças consigam fazer as coisas melhor porque se sentem melhor.
Texto da psicóloga Jane Nelsen, uma educadora de renome mundial, autora de vários livros sobre nutrição positiva e disciplina para pais e professores. Tradução e livre adaptação de Portal Raízes