Foi assim. Passava diariamente à frente da minha casa um moça. Teria seus vinte anos. Ela tinha um defeito na sua perna, o que a fazia mancar. Da janela da minha casa, protegido pelas cortinas, eu a observava. Seu rosto era bonito. E me dava uma vontade imensa de atravessar a rua, ir até ela e lhe dizer: ‘Acho você muito bonita”. E, sem esperar resposta, voltar depressa para minha casa.

Nunca fiz, por medo. Medo de que ela não me entendesse. Fico a pensar:

“Por que temos medo de dizer a uma pessoa que gostamos dela?”.

Minha mãe, imagino que ela gostasse de mim. Mas ela nunca disse. Nem o meu pai. Teria sido tão bom se ela me abraçasse e dissesse:

“Meu filho, como eu gosto de você”.

Dirão que não é preciso. Discordo. É preciso. Escrevi uma carta para meu irmão mais velho que começava assim: “Meu querido irmão Ismael…” – Ele me respondeu espantado: “É a primeira vez na minha vida que alguém me chama de querido”. E ele já estava nos seus 75 anos de idade!

Resolvi que não vou ficar atrás da cortina, espiando.

“Quando eu gosto, eu digo”.

Trecho do livro: “Do Universo à jabuticaba” – Página 107 – Quando eu gosto, eu digo. Editora Planeta – São Paulo – 2015.

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