Por Fabrício Carpinejar
A gente acredita que criança não entende nada, não sente nada. A gente não fala as coisas que estão passando nas nossas vidas, nossas incomodações, com as crianças. Parece que as crianças precisam virar adultas para entender, só que, se a gente não conta nada para as crianças, quando ela chegar na vida adulta, o que a gente vai gastar de terapia? O que a gente vai gastar com os monstros da imaginação, com aquelas sombras, que a gente nunca esclareceu o que aconteceu no passado, e que a criança precisou concluir por sua conta e risco? Quantas vidas ficam desajustadas, desordenadas, em função da falta de didática na família? De abrir o coração?
A mãe está ali chorando, a criança vê, a criança se aproxima da mãe, pergunta “o que foi mãe?” e a mãe diz “nada, não foi nada”. Ela está encharcada de lágrimas e “não foi nada”. O quê que ela está estabelecendo naquele momento? Que não confia no seu filho! Ela está dizendo: “Na hora em que se emocionar, se esconda, isso é feio… não fale para os outros, não fale nem pra mim”.
Aí aquela criança se torna um adolescente, fecha a porta do quarto, se isola, e a mãe não entende o que está acontecendo, simples: você explicou lá atrás que “não era nada”, ele vai responder pra você que “também não é nada”.
Vocês serão estranhos, porque naquele momento fundador você não disse o que lhe incomodava. Era tão proibido dizer, era um assunto tão perverso que ele não poderia saber ou a criança não era uma telepata da emoção. A criança é! Ela entende, resolve mais rápido do que qualquer “marmanjo”. Ela resolve com abraço; resolve com beijo; resolve com cartãozinho; resolve!
Já o “marmanjo”, vai soltar palavras ásperas de censura e sermão, “ah, por quê que você não pensou antes de fazer isso?”. Criança nunca vai reprimir e nunca vai censurar, a criança entende.
A minha mãe, ela foi direta comigo, como deve ser. Ela chegou em casa estraçalhada, destruída, desnorteada, desordenada, não sabia onde estava. E eu perguntei “o que foi mãe?” e ela “eu acabei de terminar o casamento com seu pai”, ela não parava de soluçar, não parava de chorar, eu olhei pra ela e disse “deixa que eu te cuido”.
Eu levei a minha mãe (porque eu pensei no exemplo do que ela fazia comigo, na hora que eu estava triste ela me dava um banho quente) eu levei ela para tomar banho de banheira, liguei a água, deixei a água escorrer, peguei meu xampu inteiro da Johnson & Johnson, e joguei, despejei na água, para fazer espuma (porque pensei “do que adianta banho de banheira sem espuma?”).
Coloquei ela na banheira, esfreguei a suas costas, e tinha já colocado luz de vela (eu pensei, “luz de vela é de igreja, pode acender alguma promessa, pode trazer alguma ideia de esperança”) e fiquei esfregando as costas dela. E ela soluçava, e ela xingava, ela dizia que ela queria morrer, e não morreu. Não morreu porque eu estava ali. Antes daquela banheira ela deve ter pensado “o quê que eu vou fazer da vida sozinha com quatro filhos?” depois da banheira ela deve ter pensado “eu tenho quatro filhos pra fazer diferente, eu tenho quatro aliados!”.
Eu levei ela pra dormir e fiquei vigiando seu sono até a sua respiração voltar ao normal. Desde aquele momento, eu não escondo nada de minha mãe e minha mãe não esconde nada de mim, a gente sente o que o outro sente, fácil.
O mundo continua no nosso ventre.
Transcrição do vídeo de Fabrício Carpinejar, pela equipe do Portal Raízes.
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