Por Fabrício Carpinejar

Será o primeiro Dia das Mães que ficarei longe de minha mãe durante os meus 47 anos.

Que não poderei aparecer com um buquê de flores do campo, seu arranjo preferido.

Que não colocarei uma camisa que ela me deu, para mostrar que tem bom gosto.

Que não poderei preparar uma carne assada com alecrim, espalhando o perfume de gratidão pela sua cozinha.

Que não terei o seu abraço com as mãos em minha cabeça – ela sempre coloca as mãos na minha nuca, como se eu fosse ainda o seu bebê de colo.

Que não receberei a sua benção, deixando que complete o sinal da cruz na minha testa e discurse o santo anjo do senhor em minha frente.

Que não ouvirei a sua risada vindo do corredor abrir a porta.

Que não poderei fazer vista grossa na hora em que ela repetir o cálice de vinho ou a sobremesa.

Que não terei os irmãos ao lado para ver quem está a agradando mais, naquela disputa silenciosa por colo e pelo próximo porta-retrato que será posto na mesinha da sala.

Que não ouvirei aquela frase depois de alcançar o meu presente: “Não precisava gastar comigo, a sua presença é mais importante.”

Será o primeiro Dia das Mães em que a minha presença não será o principal presente.

Precisarei fingir que as minhas palavras irão ocupar o meu lugar à mesa, que uma chamada de vídeo compensará a minha ausência, que uma encomenda por Sedex aliviará o aperto do coração.

Dependerei de um copo de água para engolir a saudade. Um copo de lágrimas para descer a saudade espinhosa pela garganta.

Minha mãezinha passará o Dia das Mães sozinha pela primeira vez em sua vida, aos 80 anos, como se ainda fosse solteira, como se ainda não tivesse nascido nenhum de seus quatro filhos.

Ela que se escora nos móveis para chegar até o sofá, que precisa tanto de nossos braços para não cair, que repete as recordações de nossa infância para expor o quanto fomos desejados, que tem gosto de nos amar pelos suspiros, que nos cobre de beijos com as suas mechas grisalhas.

Ela não merecia isso. Não merecíamos isso.

Texto de Fabrício Carpinejar, em Colo, por favor! – Reflexões em tempos de isolamento, página: 176 – Editora Planeta.






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