[…] Há a dor terrível do olhar das outras pessoas. Se não houvesse olhos, se todos fossem cegos, então a diferença não doeria tanto. Ela dói porque, no espanto do olhar dos outros, está marcado o estigma-maldição: “Você é diferente”.

A igualdade é coisa que todos desejam. As crianças querem ser iguais. Daí a importância de ter o brinquedo que todas têm. A menina que não tinha Barbie era aleijada, estava excluída das conversas, dos brinquedos, das trocas. A criança que não tivesse o “bichinho eletrônico” era uma criança “portadora de deficiência”. “Como não ter o bichinho se todas as crianças têm bichinho?” Os pais compravam o bichinho – mesmo sabendo que era idiota – para que o filho não sentisse a dor da exclusão. Os adolescentes usam tênis da mesma marca, camisetas da mesma grife, fazem todos as mesmas coisas, fumam e cheiram o que todos fumam e cheiram, falam todos as mesmas palavras que só eles entendem. Ai daquele que falar as palavras dos pais, ou que usar tênis e camiseta de marca desconhecida. Esse adolescente é “diferente”,  “não pertence” ao grupo, é “portador de deficiência”. O grupo é o “conjunto” – no sentido matemático ao qual pertencem os iguais. Os diferentes “não pertencem” são excluídos. Os diferentes estão condenados à solidão.

As pessoas portadoras de deficiência estão condenadas, de início, à solidão. Por serem fisicamente diferentes e por não poderem fazer o que todos fazem estão excluídos do grupo.

Ser igual é muito fácil. Basta deixar-se levar pela onda, ir fazendo o que todos fazem, não é preciso pensar muito nem tomar decisões. As decisões já estão tomadas. É só seguir a onda. A vida é uma grande festa. Mas o “diferente” está sozinho. Não existe nenhuma onda que o leve, nenhum bloco que o carregue. Cada movimento é uma batalha.

Os “normais” podem dizer simplesmente: “Sou igual a todos, portanto sou”. É a igualdade que define o ser. Mas os “portadores de deficiência” têm de fazer uma outra afirmação: Pugno, erro sum – luto, logo existo. Muitos, sem coragem para enfrentar a luta solitária, desistem de viver e são destruídos. Os que aceitam o desafio, entretanto, se transformam em guerreiros.

Há jardins que se fazem por atacado: basta comprar as plantas no Ceasa e em Holambra. As plantas são produzidas em série, em terra cientificamente preparada. São jardins bonitos, feitos com plantas produzidas em série, todas iguais. Mas há os jardins da solidões, que florescem nas pedras. Dominando o vale está a Pedra Branca, lá em Pocinhos. São algumas horas de caminhada, através da mata que se abre para a pedra nua, vulcânica, esculpida por milênios de água e vento. A gente vai subindo e, de repente, aparece o jardim: orquídeas, bromélias, flores, musgos – tudo numa imensa solidão.

As pessoas são assim também. Há os jardins produzidos em série. Parecem diferentes, mas são todos iguais. Quem quiser um que chame um paisagista. E há aqueles que nenhum paisagista sabe fazer. Brotam da rudeza da pedra vulcânica com uma beleza que é só sua[…].

Do livro Concerto para Corpo e Alma – De Rubem Alves –  Editora Papirus, 17ª Edição, 2015, páginas 36 a 38.






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