Há um certo modismo em romantizar a velhice, como se o fato de alcançá-la fosse um prêmio por bom comportamento. É bonito sim, ver como algumas pessoas idosas lidam bem com sua velhice, como são exemplares no cuidado para com a saúde física, mental e emocional. Outrossim, o problema não é o fato de envelhecer, é envelhecer numa sociedade que minimiza o sofrimento psicossocial dos idosos. O problema não é caminhar rumo à certeza da morte, é ir morrendo física, mental, emocionalmente e sozinho.

Entre as muitas preocupações com a saúde que podem recair sobre a pessoa idosa, o sofrimento psicossocial é uma das mais comuns e menos discutidas. Com o envelhecimento, surgem vários fatores que contribuem para o isolamento e a solidão, como a morte de cônjuges e amigos íntimos, a mudança de familiares e o aparecimento de doenças debilitantes. A própria solidão em si pode causar uma série de problemas relacionados à saúde para os idosos, incluindo aumento de risco de mortalidade, depressão, declínio cognitivo, demência e até o suicídio.

Autoextermínio na velhice: a taxa é maior em idosos com mais de 70 anos

O suicídio entre pessoas idosas é como aquele segredo de família que todos sabem que existe, mas sobre o qual ninguém ousa falar. Tema tabu em qualquer faixa etária, a morte autoafligida soa paradoxal na terceira idade, quando tantas agruras da vida já foram superadas. As estatísticas, porém, alertam que esse silêncio precisa ser quebrado. Em todo o mundo, as maiores taxas de tentativas e atos consumados estão nas faixas etárias avançadas. No Brasil, não é diferente.

O Ministério da Saúde divulgou o Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil. Um dos alertas é a alta taxa de suicídio entre idosos com mais de 70 anos. Nessa faixa etária, foram registradas média de 8,9 mortes por 100 mil nos últimos seis anos. A média nacional é 5,5 por 100 mil.

Entre os fatores de risco para o suicídio estão transtornos mentais, como depressão, alcoolismo, esquizofrenia; questões sociodemográficas, como isolamento social; psicológicos, como perdas recentes; e condições clínicas incapacitantes, como lesões desfigurantes, dor crônica, neoplasias malignas. No entanto, tais aspectos não podem ser considerados de forma isolada e cada caso deve ser tratado no Sistema Único de Saúde conforme um projeto terapêutico individual.

A depressão na velhice 

Por trás do desejo de antecipar o fim da vida, estão as perdas. Perda de saúde, autonomia, produtividade, papéis sociais. Perda de cônjuges, amigos, cuidadores e de outras pessoas nas quais eles depositam confiança. “A depressão tem um papel muito importante, assim como as questões de aspectos sociais da terceira idade, como a de estar passando por mais perdas, estar passando pela aposentadoria e não se sentir mais útil, de os filhos terem saído de casa, de ele ter mais dificuldade de se encaixar em uma sociedade como a nossa, que não está ainda muito bem preparada para acolher os idosos”, destaca a psiquiatra Helena Moura, especialista em psicogeriatria pela Universidade de São Paulo (USP).

O abandono afetivo familiar

A família tem uma responsabilidade enorme nesse processo, afirma Denise Machado Duran Gutierrez, professora da Universidade Federal do Amazonas: “A pessoa idosa, muitas vezes na própria casa, perde o quarto principal, vai para um quartinho de fundo. Os filhos, quando a leva ao médico, falam por ela, a trata como criança. A pessoa idosa vai perdendo voz, o espaço, a liberdade de ser”, diz a especialista. Em uma pesquisa sobre 51 casos de suicídio cometidos por pessoas com mais de 60 anos. Ao investigar com familiares das vítimas, Denise constatou que o fator de maior frequência por trás do ato extremo, foi a solidão, o abandono afetivo.

De olho nos sinais

A literatura científica, citada em seu artigo, diz que dois terços ou mais de idosos procuraram atendimento nos serviços de atenção primária e sinalizaram para familiares suas intenções 30 dias antes do suicídio.

Uma preocupação do enfermeiro psiquiátrico é com o amplo acesso de pessoas com mais de 60 anos a medicamentos controlados, utilizados por 45,5% dos indivíduos que tentaram cometer o ato. “Uma situação que tem colaborado negativamente com essa questão é a prescrição inadvertida dos psicotrópicos por médicos clínicos gerais ou de família. Muitos dos medicamentos pertencentes a essa classe farmacológica são receitados por esses profissionais aos idosos sem uma avaliação neuropsiquiátrica mais específica ou abrangente, na maioria das vezes, sem considerar estratégias não farmacológicas de tratamento”, critica.

Em suma: o idoso convive com conflito de insegurança, sentimentos de perda irreparável e indecisões quanto à continuidade da vida. Esses fatores o levam a sentir profundamente a perda, principalmente quando a pessoa que morre está muito próxima de si. Portanto, não se pode afirmar que existe uma causa para o sentimento de perda pelo idoso, mas um complexo de valores associados que devem ser ponderados e reparados por todos e pela sociedade.

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