O ‘não’ conserva as relações de respeito entre pais e filhos, amigos e casais. Define a nossa identidade e reforça a autoestima. Dizer sim a tudo é sempre a pior estratégia”. As ideias são de
Joaquim Quintino Aires, psicólogo, neuropsicólogo, fundador do Instituto Vygotsky em Portugal e doutor em Psicolinguística pela Universidade Nova de Lisboa.
Em seu livro:
“A Arte de Dizer Não!“, Quintino reforça a teoria de que
“os pais não são amigos dos filhos”. Em sua opinião: “Os amigos são aquelas pessoas que passam pela nossa vida e que, com as naturais mudanças ao longo dos tempos, podem ir e voltar ou mesmo perder-se no percurso, o que não pode acontecer numa relação entre pais e filhos, pelo que se pode afirmar que pais e filhos partilham uma relação de afeto para a vida”.
O especialista realça que não podemos encarar os nossos filhos como aqueles que vão ocupar um lugar de amigos deles. Mesmo porque amigos não têm a obrigação de educar integralmente. Amigos não passam a noite verificando a temperatura, não levanta no meio da noite só para saber se a pessoa está respirando direito; amigo não limpa vômito, não leva e busca na escola; não ajuda na lição de casa; não tem conversa chata sobre boas maneiras e tudo mais. Mas os pais precisam fazer tudo isso. Os pais precisam assumir que são adultos e aceitarem sim, os títulos de caretas e educadores.
Existe uma tendência para condicionar as crianças em prol dessa suposta amizade entre pais e filhos que não é correta: “ser pai ou mãe é ser capaz de gerar um ser, de lhe dar afeto, compreensão, educação e de o preparar para a vida, sabendo que, quanto melhor correr esse processo, melhor será a relação no futuro entre pais e filhos”, diz Quintino.
“É comum que me cheguem à consulta pais que se dizem amigos dos filhos e que na hora de os ajudar não sabem qual é a melhor posição a assumir, já que tudo se confundiu ao longo dos tempos. Os pais têm uma relação afetiva que sabe respeitar as escolhas dos filhos e os apoia quando eles mais precisam, não podemos descartar os nossos filhos quando eles não fazem aquilo que não queríamos para eles, ou nos desiludem com as suas amizades e namoricos, por isso é fundamental assumir os limites dos pais na relação com os filhos”, afirma.
Quintino Aires acredita que, “é fundamental não encarar os filhos como amigos, mas sim como uma relação afetiva que requer respeito, autoridade e liberdade para que os mais jovens possam fazer o seu natural processo de desenvolvimento de forma saudável e equilibrada. As crianças desenvolvem-se de forma emocionalmente mais segura quando os pais mostram de forma muito clara o seu afeto e quando são capazes de reforçar positivamente os sucessos dos filhos”.
O especialista conclui falando da importância de colocar limites aos comportamentos das crianças, pelo que, “um estilo parental permissivo tende a gerar crianças vulgarmente apelidadas de mimadas e com fraca resistência à frustração”.
“Limites com afeto: a firmeza que acolhe e ensina”
Impor limites e educar com firmeza jamais deve ser confundido com punições físicas, verbais ou psicológicas. Pelo contrário, educar é um ato de amor que exige presença de qualidade, escuta ativa e coerência entre o que se diz e o que se faz. Quando os pais assumem o papel de referência, guiando pelo exemplo e convidando os filhos a participarem das regras e rotinas da casa, estabelecem uma base sólida para o desenvolvimento emocional e social da criança. Assim, o lar se torna um espaço seguro, funcional e saudável, onde todos se sentem pertencentes, respeitados e responsáveis.
Para que não haja margem para dúvidas, “as crianças precisam de muito afeto e também precisam de se divertir com os pais. Mas isso não deve implicar uma postura de ‘deixa pra lá’, pura e simplesmente. Não é ajustado permitir que cada criança viva de acordo com as suas próprias regras, ignorando a necessidade de impor barreiras, dizer não e até de implementar disciplinas”. É o que afirma a psicóloga
Cláudia Morais e continua:
“A verdade é que a inexistência de retorno negativo, de imposição de regras, geraria problemas sérios para o desenvolvimento emocional da criança que, estou segura, teria muito maior probabilidade de enveredar por comportamentos problemáticos mais cedo ou mais tarde”.
A Psicóloga adianta: “os pais têm de ter coragem para intervir e contrariar a vontade dos filhos, impondo-se enquanto figuras de autoridade (que os amigos não são) que os poderão ajudar a transformar-se em adolescentes e adultos emocionalmente seguros e inteligentes. Para isso, é preciso firmeza e capacidade para reagir sempre que os filhos façam algo que não seja aceitável”.
“Estes limites devem fazer parte de regras bem definidas, em que as consequências para cada escolha futura estejam claras. Claro que as regras também devem traduzir o exemplo prático do comportamento dos pais – a ideia do ‘Faz o que eu digo, não faças o que eu faço’ é absolutamente antipedagógica”.
“Os pais devem ser capazes de mostrar o amor que sentem pelos filhos de forma clara, inequívoca. E isso também passa por serem capazes de se divertir com as crianças/ os adolescentes, desde que nunca deixe de ficar claro quem é o progenitor e quem é o filho, isto é, quem é que tem o dever de fomentar a segurança de quem, quem é que educa quem”. Adverte Cláudia Morais.
Nota da redação Portal Raízes:
A violência contra crianças e adolescentes no Brasil atinge proporções alarmantes. Segundo dados do UNICEF e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 15 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no país nos últimos três anos . Além disso, em 2023, foram registradas em média 196 agressões físicas por dia contra esse grupo etário, sendo que cerca de 80% dos casos envolvendo crianças de até 14 anos ocorreram dentro de suas próprias casas . Esses números evidenciam a urgência de promover uma educação baseada no respeito, no diálogo e no afeto, afastando-se de práticas violentas que comprometem o desenvolvimento saudável das crianças.
Falar sobre limites na educação não é — e jamais será — uma apologia à violência. Impor limites não significa recorrer a castigos físicos, gritos ou humilhações. Significa oferecer estrutura, previsibilidade e segurança emocional à criança. Pais que educam com firmeza e afeto ensinam seus filhos com o exemplo, com o diálogo constante e com a construção de acordos. Uma boa educação não exige dor, exige presença, escuta e coerência.