A redação do Enem 2023, trouxe a reflexão de se discutir o papel da mulher enquanto cuidadora, discutir como  o trabalho da mulher em suas múltiplas tarefas, tem ao longo da história sido tratado como obrigação, legado, dádiva e até divinização. Características estas que tornam a vida da mulher, especialmente as mães, num martírio aprovado socialmente.

Entretanto, é preciso tirar a divinização e o fardo, histórico e culturalmente impostos à mãe, pelo capitalismo e a religião, e devolver ao pai, reconstruido e despatriarcado, o papel de cooperador efetivo na educação dos filhos.

Cada casal é um mundo, cada família também. Em uma família ideal os adultos deveriam apoiar-se mutuamente e contribuir em partes iguais na criação dos filhos. No entanto, sabemos que em muitos casos a realidade está distante da teoria e, infelizmente, em muitas casas a mulher tem que assumir a responsabilidade da casa e da educação dos filhos. E assim um marido estressa mais a esposa do que os filhos.

Por isso, não é estranho que uma pesquisa publicada no HOJE Moms, realizada nos Estados Unidos com mais de 7.000  mães, comprovou que os esposos geravam 10 vezes mais estresse do que os filhos. E 46% das mulheres estudadas afirmaram que seus maridos contribuíam mais que seus filhos para aumentar o estresse que sentiam.

Algumas das mulheres pesquisadas chegaram a afirmar que seus esposos lhes davam “mais trabalho” do que seus filhos. Outras assinalaram que os filhos não lhes provocavam tantas dores de cabeça, mas as atitudes infantis de seus parceiros lhes incomodavam muito.

Por outro lado, algumas também se queixaram de que seus maridos  não lhes ajudavam o suficiente com as tarefas de casa. E as contínuas tarefas não lhes deixavam nenhum tempo livre. Houve também quem pontuou que o casamento em si é estressante devido ao esforço de cada dia para cumprir as obrigações da casa.

Certamente nem todas têm a sorte de ter um parceiro compreensivo que divide as tarefas da casa e da educação dos filhos. No entanto, é provável que estes estudos também influíssem nas expectativas das mulheres pesquisadas. Por exemplo, elas podiam esperar que uma criança tivesse um acesso de raiva, uma birra passageira e já estariam preparadas para lidar com isso, mas não esperavam que um adulto se comportasse com uma criança. “Podemos esperar que uma criança não entenda certas coisas, mas esperamos compreensão e paciência de nosso marido”.

E o estudo conclui: Quando a pessoa, que pode ser o homem ou a mulher, não cumpre com a expectativa do outro, não somente nos desiludimos mas também ficamos frustrados. Essas sensações negativas aumentam o estresse cotidiano e podem ser a gota d’água que transborda o vaso.

Muitos pais acreditam que já fazem o suficiente e exigem mais reconhecimento

Curiosamente, em outra pesquisa realizada pelos mesmos pesquisadores com 1.500 pais, a metade deles reconheceu que partilhavam o cuidado com os filhos com suas esposas. O estranho foi constatar que das 2.700 mães pesquisadas, 75% afirmaram que cuidavam sozinhas de todos eles.

Muitos pais também se confessaram magoados porque achavam que desempenhavam um papel secundário na família. Dois terços dos pais disseram que gostariam que seu esforço e o seu trabalho fossem reconhecidos de vez em quando, ao menos com palavras de incentivo.

Este estudo revela que existe um problema de comunicação e expectativas em muitos lares. Alguns pais acreditam que fazem o suficiente e que não são reconhecidos, enquanto as mães acham que eles não fazem o suficiente.

A invisibilidade e desvalorização do trabalho da mulher no Brasil

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua 2022, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, enquanto os homens utilizam 11,7 horas. Ao detalhar a proporção do trabalho doméstico entre as mulheres, a pesquisa verificou que as pretas têm o maior índice de realização das tarefas (92,7%), superando as pardas (91,9%) e brancas (90,5%).

Essa situação, na avaliação de especialistas ouvidas pela reportagem, penaliza excessivamente as mulheres, principalmente negras, criando barreiras para entrada no mercado de trabalho em igualdade de condições, bem como para a participação na vida pública e em outros espaços sociais ainda dominado por homens.

“É uma realidade para a qual não se presta muita atenção, há uma naturalização de que a tarefa de cuidar das pessoas é algo que compete às mulheres, algo que se entende como uma natureza feminina. Isso tem a ver como uma forma que se organiza as tarefas de gênero na sociedade, a provisão de recursos, o que sobrecarrega as famílias”, aponta a socióloga Laís Abramo, secretária nacional de Cuidados e Família, órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).

De quem é a culpa?

Deixando de lado os casos em que um dos pais realmente não se envolve o suficiente na criação dos filhos, o certo é que a paternidade é estressante e muitas vezes é mais fácil colocar a responsabilidade do nosso mau humor ou a nossa incapacidade para administrar a agenda cotidiana de outro adulto.

Manter um relacionamento de casal também requer uma boa dose de trabalho e, com frequência, as mulheres exigem muito de si mesmas, ao acumular as tarefas de ser mães, esposas, filhas e amigas perfeitas. Essa tensão em satisfazer a todos termina passando da conta.

Mas, é muito importante procurar a causa dessa insatisfação, porque, finalmente, afeta o relacionamento.  Na verdade, os estudos concluíram que um casamento estressante, em que existam conflitos, é tão ruim para a saúde do coração como o fumo e aumenta as probabilidades de sofrer uma doença cardiovascular, tanto no homem quanto na mulher. Um estudo recente em 300 mulheres suecas descobriu que o risco de sofrer um enfarto se multiplica por três quando vivem conflitos no matrimônio.

Qual a solução?

Nove em cada dez casais reconhecem que sua relação piora com o nascimento do primeiro filho. Em qualquer caso, para evitar que um se sobrecarregue de tarefas e termine muito estressado, é importante que a comunicação flua em todos os momentos e em ambas as direções.  

Portanto, se você é pai ou mãe:

Peça à sua esposa ou ao seu esposo o que necessita, quando necessita e explique por que necessita. Não espere que ele ou ela leiam pensamentos.

Nem tente assumir todas as tarefas, você não tem de provar nada a ninguém. Demonstre amor a seus filhos todos os dias, isso já basta.

Fale com seu parceiro sobre seus medos, inseguranças e insatisfações. Isso os tornará mais seguros e confiantes. Deixe claro o que espera de seu parceiro ou parceira, sem recriminações.

Publicado originalmente em The Huffington Post – Tradução e adaptação: Portal Raízes

Fontes Pesquisadas: 

  • Liu, H. & Waite, L. (2015) Bad Marriage, Broken Heart? Age and Gender Differences in the Link between Marital Quality and Cardiovascular Risks among Older Adults. J Health Soc Behav; 55(44): 403-423.
  • Doss, B. D. et. Al. (2009) The Effect of the Transition to Parenthood on Relationship Quality: An Eight-Year Prospective Study. J Pers Soc Psychol; 96(3): 601–619.
  • Barnet, R. C. et. Al. (2005) Marital-role quality and stress-related psychobiological indicators. Annals of Behavioral Medicine; 30(1): 36–43.
  • Orth, K. et. Al. (2000) Marital Stress Worsens Prognosis in Women With Coronary Heart DiseaseThe Stockholm Female Coronary Risk Study. The Journal of the American Medical Association; 284(23): 3008-3014.





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