“Minha avó e meu avô tiveram Alzheimer, por isso eu passei por umas cenas muito engraçadas com meu avô. Uma vez fomos ao banco Itaú receber sua aposentadoria, e eu tinha que deixá-lo receber seu dinheiro para que ele tivesse esta autonomia e preservasse sua dignidade. Na fila, ele me disse assim, bem alto: ‘Meu neto, não me roube não!’. Todo o mundo olhou para mim e eu me senti aquele cara que vai receber o dinheiro do avô para comprar drogas. ‘Não, vô, não o roubo não, que isso!’, rebati.
Quando eu senti que ele não tinha mais autonomia para morar sozinho, levei-o, junto a minha avó, para a casa de minha mãe. Certa vez, um sobrinho seu lhe disse: ‘E aí, tio, o senhor está se sentindo bem? Está sendo bem tratado?’. Meu avô olhou ao redor para ver se tinha alguém por lá, mas não me viu no escritório e, crendo que não tinha ninguém, respondeu: ‘Meu filho, aqui é tão ruim! Eu sofro tanto aqui’. O rapaz foi arregalando os olhos e questionou: ‘Por quê?’ Então ele continuou: ‘Você acredita que todo dia eu como uma mistura que não tem carne? Eu como uma papa’.
Nós tínhamos que bater a carne no liquidificador – ele usava prótese dentária, mas não tinha condições de comer algo mais duro por conta da doença. Meu avô prosseguiu: ‘Eu durmo no relento, me botam para dormir no meio do mato’. O rapaz e eu fomos ficando impressionados. ‘No final da tarde, a tragédia não termina, porque aquele meu neto, que tem uma carinha de bom, vai me dar um banho de mangueira’, continuou.
O rapaz foi me procurar e eu expliquei tudo: mostrei como era a carne, mostrei que no quarto do meu avô havia um jardim de inverno (o que ele chamava de ‘meio do mato’) e que no banheiro havia a mangueirinha do chuveiro com a qual eu dava banho nele enquanto ele ficava sentado na cadeira plástica. Porém, um primo muito distante me ligou um dia querendo satisfação, alegando que eu estava maltratando meu avô. Então eu lhe disse: ‘Olha, como é que uma pessoa vive até os 93 e é maltratada? Se você quiser, venha aqui ver a situação, só não me acuse sem saber das coisas’.
E você, já limpou fralda? Já teve que comprar aquela almofadinha para o cóccix? Pois eu pergunto: os filhos que vocês estão criando fariam essas coisas por vocês? Vamos pensar no porquê não: as dificuldades da vida nos forjam competência, dignidade e respeito. A geração que nasceu na época moral e cívica é a geração que sabia que quem mandava no lar eram os pais. E isso é o que é certo. No decálogo de Moisés já vinha escrito: ‘Honra a teu pai e a tua mãe’. O problema é que muitos pais e mães não se fazem honrar pelos seus filhos. Eles deixam a posição de pai e mãe, que é única, para ser amigos, para se igualar aos filhos.
Essa geração que viveu a época moral e cívica é uma geração que ‘ralou’, que passou fome etc. Eu mesmo vivia com roupa dos outros (pobre não escolhe a roupa, é a roupa que escolhe com qual pobre ela vai ficar). Passar por apertos assim nos faz querer conquistar, ter esforço, nos faz perceber o que ninguém pode fazer por nós mesmos.
Os pais da década de 70 sofreram muito, inclusive para ir à escola. E tiveram, atualmente, a infeliz ideia de dizer: ‘Meus filhos não vão passar pelo que nós passamos’. No entanto, eles estão se esquecendo de que só são o que são por conta do que passaram. Não estou dizendo que os filhos precisam passar fome, nem viver com a roupa dos outros, mas eles têm que entender que tudo o que os pais fazem é um benefício amoroso para eles, e que a casa dos pais não é deles”.
Transcrição do vídeo “Os filhos precisam entender que a casa dos pais não é dele” (abaixo) – de Rossandro Klinjey. Rossandro Klinjey é palestrante, escritor e Psicólogo Clínico. Autor vários de livros, sendo os mais recentes, As cinco faces do Perdão, Help: me eduque! e Eu escolho ser feliz. No programa Fátima Bernardes ele trabalha temas relacionados a comportamento, educação e família. Também é colunista da Rádio CBN.
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