Marcia Neder é uma psicanalista brasileira que aborda temas complexos e sensíveis sobre a maternidade e a educação dos filhos, especialmente sob a ótica das relações de poder e autoridade dentro das famílias contemporâneas.
Em seu livro “Os Filhos da Mãe: Como Viver a Maternidade Sem Culpa”, Neder explora o paradoxo da figura materna que sob o peso das expectativas sociais e culturais, enfrenta a perda de autoridade na educação dos filhos. A autora questiona a idealização da maternidade e a inversão dos papéis tradicionais, onde a autoridade que antes era exercida pelos pais, não foi “transferida” às mães, mas às crianças. O livro responde como isso aconteceu e dá exemplos de como essa realidade pode e deve ser mudada.
Em sua obra, Marcia Neder faz uma análise crítica de como a dinâmica familiar, ainda marcada por resquícios de patriarcado, deixa a mulher/mãe sobrecarregada e, muitas vezes, desprovida do espaço para exercer sua autoridade e cuidar de si como indivíduo. Vamos explorar esses temas por meio de uma análise sobre a evolução da maternidade, a centralidade das crianças nas famílias modernas e as formas de restaurar a autonomia e o equilíbrio das mães enquanto mulheres.
No século XX, a maternidade era vivida de forma bastante diferente, com uma visão mais rígida e hierárquica dentro do contexto familiar. O papel da mãe, embora central na educação e no cuidado dos filhos, seguia normas rígidas estabelecidas por uma sociedade patriarcal, em que a figura paterna era a autoridade principal. A mãe era responsável pelo cuidado, mas a tomada de decisões e a imposição de limites ficavam nas mãos dos homens. Essa estrutura, em muitos aspectos, limitava a autonomia das mães, mas paradoxalmente conferia a elas uma segurança sobre seu papel, com limites e expectativas bem delineados.
Com a ascensão de movimentos sociais e a maior abertura para a emancipação feminina, a imagem da mãe começou a mudar, mas de uma maneira idealizada. Surgiu a noção da “mãe perfeita”, capaz de sacrificar todos os aspectos da sua vida pessoal em nome dos filhos. Esse novo padrão, além de desumanizar a mãe, ao transformá-la em um ser quase mítico, obscureceu seu direito de existir para além do papel materno. Como Neder aponta, a mulher foi aos poucos sendo engolida por uma figura de “mãe heroína” que não reconhece suas próprias necessidades. Nesse modelo idealizado, a individualidade da mulher é sacrificada, o que pode levar a um esgotamento psicológico e físico.
Outro fenômeno que Marcia Neder explora é a centralidade da criança na estrutura familiar moderna. Antigamente, os adultos eram o centro das decisões familiares; hoje, em muitos lares, as vontades das crianças prevalecem, com pais se submetendo aos desejos e demandas dos filhos em uma tentativa de evitar traumas e garantir a felicidade plena. Esse fenômeno tem várias consequências, incluindo a perda de autoridade dos pais e o desenvolvimento de crianças que desconhecem limites. O resultado é que as mães, em especial, acabam sobrecarregadas ao tentar satisfazer essas expectativas constantemente elevadas.
Não é surpreendente que tantas mães experimentem hoje o burnout, que é esgotamento mental pelo excesso de trabalho. A pressão para atender tanto às demandas de uma criança que detém o “poder” na casa quanto às exigências de uma sociedade que ainda espera da mãe uma dedicação completa é exaustiva. Além disso, muitas dessas mulheres precisam conciliar a vida familiar com carreiras e outros projetos, criando uma rotina desgastante e de difícil sustentação. O burnout materno surge, assim, como uma manifestação de uma carga de responsabilidades mal distribuída e da internalização de um modelo irreal e insustentável.
Para Marcia Neder, o caminho para educar bons filhos sem sacrificar a própria identidade como mulher passa por limites claros, autorespeito e pelo reconhecimento de que uma mãe não precisa se tornar perfeita ou completamente abnegada. Educar filhos, segundo a psicanalista, não significa renunciar ao próprio bem-estar. As mães podem e devem se permitir ter momentos de autocuidado, de expressão individual e de lazer, sem culpa. Criar filhos responsáveis e bem ajustados é possível quando a mãe se coloca também como um exemplo de cuidado consigo mesma.
Para que as mães possam exercer seu papel sem se sobrecarregar, a sociedade precisa aprender a enxergá-las não apenas como mães, mas como mulheres integrais, com desejos, ambições e vulnerabilidades. Em muitos contextos, a sociedade cobra delas um comprometimento total com a maternidade, sem reconhecer suas outras facetas. A mudança dessa percepção coletiva é essencial para permitir que as mães sintam-se apoiadas e compreendidas, podendo assim cuidar melhor de seus filhos e de si mesmas.
O conceito de “mãe suficientemente boa” foi apresentado pelo psicanalista e pediatra inglês Donald Winnicott. Para Winnicott, uma mãe suficientemente boa não é perfeita, mas sim aquela que atende às necessidades básicas dos filhos, proporcionando-lhes um ambiente seguro para se desenvolverem. A ideia da “mãe suficientemente boa”, é aquela que busca não a perfeição, mas uma presença real e autêntica, disposta a dar atenção, carinho e orientação, mas sem renunciar a si mesma. O perfeccionismo materno, apontado por Neder, é fonte de ansiedade e de culpa. Ser “suficientemente boa” implica reconhecer os próprios limites e aceitar que falhas e momentos de vulnerabilidade fazem parte da jornada de criação dos filhos.
Marcia Neder defende a importância de as mães amarem a si mesmas e cuidarem de sua saúde mental e física, de forma a evitar que a maternidade se torne uma prisão. Ela sugere que, ao se respeitarem como indivíduos e estabelecerem limites com os filhos, as mães ensinam valores fundamentais sobre autocuidado e responsabilidade. Esse equilíbrio evita que elas se tornem reféns da educação e promove uma relação mais saudável dentro da família.
Para que as mães possam exercer seu papel de maneira plena e saudável, é crucial que os homens assumam um papel ativo na criação e educação dos filhos. O antigo modelo de pai ausente, que apenas “ajuda” quando solicitado, precisa dar lugar a um parceiro que compartilhe igualmente as responsabilidades e decisões. Para Neder, essa divisão equitativa não só beneficia o desenvolvimento das crianças, que aprendem com ambos os modelos parentais, mas também alivia a carga emocional e física das mães.
O livro de Marcia Neder, “Os Filhos da Mãe”, é uma reflexão profunda sobre os desafios da maternidade no século XXI. Vivemos numa época em que as expectativas sobre as mães são amplas, mas a autoridade e o apoio dado a elas são limitados. Para quebrar esse ciclo, é fundamental uma transformação social, onde a mãe seja vista como um indivíduo completo e os pais atuem de forma equilibrada e ativa na vida familiar. Assim, será possível criar crianças saudáveis e autônomas, enquanto se preserva a identidade e o bem-estar das mães. Assista essa excelente entrevista com Marcia Neder.
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