Psicologia e Comportamento

Mãe pede que lhe retirem as suas filhas por não conseguir amá-las

A maternidade traz mudanças nas mais diferentes esferas da vida da mulher. Do corpo ao planejamento financeiro, tudo passa por uma revolução. E o círculo social também se transforma. Com a maternidade, vem também a construção social de que a mãe precisa viver somente para o filho, deixando de lado suas amizades, diversões e até mesmo a vida sexual.

Em Nova Gales do Sul, na Austrália uma mulher pediu às autoridades para que lhe fossem retiradas as suas duas filhas dando a justificação de que já não as ama. Tammy diz:”Já não existe amor. Não as amo. Elas são desagradáveis”. De acordo com a mesma fonte,  a mulher filmou o comportamento das filhas e entregou as imagens às autoridades. “Levem-nas, levem-nas. A minha paciência chegou ao fim”, acrescentou a mãe. O caso corre em segredo de justiça. Diante deste caso questionamos: é possível se arrepender da decisão de ser mãe?

A chocante realidade das mães arrependidas de terem filhos

Você prefere morrer a admitir em público e sem disfarces que a maternidade não é o ápice da sua autorrealização; e que ter uma prole, longe de ser o estado ideal com que toda mulher sonha (e deve sonhar), revelou-se algo sacrificoso e frustrante? Pois, se é o seu caso, não se veja como a única “maçã podre” dentro do cesto. Saiba que esse sentimento, um tabu absoluto, é compartilhado por muitas mulheres que só se atrevem a mencionar isso em voz baixa e com poucos interlocutores.

Sabemos, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que nasceram no ano passado na Espanha 419.109 bebês, chegando com isso a maternidade ao lar de algo mais de 400.000 mulheres. Entretanto, não sabemos se todas elas são mais felizes desde então. E, se não são, se renegam o papel de mãe. Como saber e entender o que sentem? A socióloga israelense Orna Donath investigou essa polêmica realidade protagonizada por mulheres que, se pudessem voltar atrás na maternidade, não hesitariam. Para isso, a única coisa que a especialista fez foi lhes dar voz.

Assim, Donath entrevistou 23 mulheres que se diziam arrependidas de ser mães. Os depoimentos foram reunidos no ensaio Regretting Motherhood: A Sociopolitical Analysis (arrependendo-se da maternidade: uma análise sociopolítica), publicado na revista Signs Journal of Women in Culture and Society (dezembro de 2015) e depois transformado em livro. São 23 histórias nas quais suas narradoras frisam que, apesar de odiarem a experiência da maternidade, não deixam de amar profundamente os seus filhos.

Medo da rejeição social

Uma das conclusões da leitura desse estudo é que existe um sentimento que a sociedade castiga mais duramente que o desejo de não ser mãe: arrepender-se de ser. Foi o que sentiu Sky, mãe de três filhos: “Eu achava difícil dizer que ter tido filhos foi um erro. Demorei muito para poder pronunciar essas palavras. Pensava: ‘Ai, se eu disser algo assim acharão que estou louca. O fato é que, se hoje eu pudesse voltar atrás, tenho certeza de que não traria crianças a este mundo. Deixo isso muito claro”.

Reconhecer que sua vida seria melhor sem filhos não é um drama. Não há volta, mas romper o silêncio ajuda: “Amo os meus filhos, mas não deveria tê-los tido”. Qual é o problema? O silêncio e a culpa enquistada levam ao ódio contra as crianças e até mesmo a uma doença física.

A verdade é que, independentemente de compartilhar com a visão dessas mulheres ou achar que é uma posição aberrante, nota-se que se trata de uma reflexão profunda e corajosa, mas não de uma novidade. A psicóloga clínica Laura García Agustín, diretora do Grupo Clavesalud, da Espanha, diz que, em 20 anos de exercício profissional, recebeu em seu consultório muitas mulheres com esse tipo de sentimento, jamais compartilhado com ninguém. “Elas mesmas se consideram um monstro por sentir esse arrependimento, mesmo adorando seus filhos e sendo mães excelentes e abnegadas. Então se calam por medo da rejeição social, de serem julgadas e a não serem entendidas”, diz a especialista.

Sacrifícios, renúncias, preocupações… e agora, o que eu faço?

O único pecado dessas mães arrependidas foi tomar a decisão equivocada. É o que diz Carlota Boyer, especialista em Psicoterapia pela Federação Europeia de Associações de Psicologia: “Sempre que escolhemos um caminho deixamos outro sem percorrer, e podemos passar a vida nos arrependendo de não ter tomado esse outro”. Quando não há volta, a questão é lutar com suas decisões.

Ninguém fala dos pais

Embora pareça estar na moda falar do feminino, também há homens que se arrependem da paternidade. Entretanto, seu calvário não é, nem de longe, tão penoso como o das mulheres. “Um homem não é julgado da mesma maneira por repensar a paternidade. Não se considera algo tão reprovável, nem tão berrante, nem tão antinatural como no caso de uma mulher. Além disso, se um homem compartilha o sentimento no seu ambiente, geralmente é entendido, e raramente é criticado”, diz Laura García Agustín, diretora do Grupo Clavesalud.

Em geral, “para as mulheres, ter filhos significa um grande trabalho, muitas renúncias, sacrifícios, preocupações, mudanças de prioridades e incontáveis horas dedicadas a eles, e isto não é fácil. O problema é que nem sempre se pensa em todas essas coisas antes de tê-los, e isso faz com que às vezes, nessa árdua tarefa, possa aparecer o arrependimento”, afirma Boyer. Em outros casos, é a pressão social que empurra para um caminho que a mulher já sabe não ser o seu.

Como se a culpa não fosse suficiente, a rejeição social se soma a essa batalha. Para a psicóloga Boyer, a penalização social é um fato irrefutável, que ela explica citando, por um lado, “o prazer de muitos quando castigam o ‘pecador’, e, por outro, o fato de que muita gente cala ou critica pelo temor de ser o alvo do que os outros vão dizer se consentir e aprovar esse sentimento em público”.

Compartilha dessa opinião Laura García Agustín, que defende a ideia de que “vivemos numa sociedade que se move aplicando uma moral dupla: você pode sentir algo fora do normal, mas é melhor que não diga. Isso é o que nos ensinam desde a infância”.

E se acontecer comigo?

Romper o silêncio é, segundo os especialistas, a essência da questão. “Os sentimentos não expressos, não compartilhados, se enquistam e provocam sérios transtornos emocionais e uma grande insatisfação pessoal. Além do mais, muitas mulheres somatizam essa culpa, essa vergonha ou frustração por se sentirem arrependidas e acabam adoecendo fisicamente”, diz García Agustín.

Também Boyer defende a verbalização pública, já que “comprovar que você não é a única a manifestar essas reflexões – que muitos qualificam de antinaturais e que são criticadas pela sociedade – não é apenas reconfortante, é também a prova de que esse sentimento foi assumido. Enquanto uma pessoa não verbaliza o que sente, o processo de admissão não se inicia”.

Se a culpa e o sentimento de ser julgada se enquistam, as consequências podem ser nefastas para a mãe e para as crianças. A psicóloga admite que não aceitar essa ideia corrosiva pode culminar em uma reação de ódio contra os mais fracos, os pequenos. “A evolução desse sentimento pode assumir diferentes graus e trajetórias, geralmente com altos e baixos. Não se odeia com a mesma intensidade ano após ano. Mas pode-se chegar a casos extremos, como mães que largam os filhos à medida que estes crescem, ou mesmo o infanticídio”, adverte a especialista. Para esses terríveis casos em que uma mãe mata a prole, não existe um perfil psicológico fixo, mas sabe-se que implicam uma complexidade enorme, e não basta apenas “estar perdida e à beira do abismo”.

Finalmente, não é preciso fazer um drama ao reconhecer que sua vida poderia ser melhor sem filhos. E se você tentar encarar isso com humor?

Além das razões que a motivaram a tomar uma decisão que agora considera errada, fica claro que já não há mais volta. E a maioria das mães aceita: “Não deveria ter tido filhos, mas agora eu os amo loucamente”. Não há nada de mau nisso. “Identificar emoções, permitir-se experimentá-las, sejam quais forem, até parecendo incompatíveis, ajuda a administrar a realidade sem um ônus emocional nem vergonha”, diz a psicóloga García Agustín, que também dá dicas para sair do armário:

  • Reconheça seus sentimentos e se permita tê-los;
  • Dê nome às suas emoções e deixe que saiam;
  • Diga em voz alta o que você sente;
  • Compartilhe suas reflexões com alguém de confiança;
  • Tente identificar as crenças que lhe causam o mal-estar: questione-as e mude-as;
  • Se não conseguir sozinha, procure ajuda profissional.

Depoimento:

“Entrei no metrô, sentei e abri a bolsa. Peguei o livro que acabara de ganhar e ao primeiro olhar torto, meio incrédulo, me dei conta. Não dá para ler em público um livro chamado “Mães Arrependidas, uma outra visão da maternidade”, simplesmente não dá. Dizem que é comum julgar um livro pela capa, só que mais comum ainda é julgar uma mulher não apenas pelo que ela lê. Mas também pelo o que ela pensa ou deixa de pensar. Faz ou que deixa de fazer. Sente ou deixa de sentir.

‘Você vai se arrepender!’ – é o que ouve por aí toda mulher que decide não ser mãe. Mas jamais pode se dizer arrependida depois de ter colocado um filho no mundo, jamais encontra espaço para admitir que a escolha pela maternidade foi um erro, não há espaço para mudar de opinião, lamentar ter se deixado levar pelas circunstâncias ou pelas convenções sociais que apontam que esse é o ‘caminho natural’ a ser trilhado por uma mulher, o ‘próximo passo’ depois do casamento, a decisão acertada devido ao tal ‘relógio biológico’, que está pressionando. Também não há espaço para falar sobre o assunto. Ou não havia.

A antropóloga Orna Donath (capa), ela mesma decidida a não ser ‘mãe de ninguém’ decidiu abrir essa caixa de Pandora e ouviu vinte e três mulheres israelenses que se arrependeram da maternidade. Ela é autora do livro que eu abri no metrô, uma tentativa bem-sucedida de desmistificar a máxima de que mulher ‘nasce para ser mãe’, tem um ‘instinto natural para a tarefa’. Orna se dedicou, durante anos, a oferecer um espaço seguro para que essas mães contassem seus pensamentos e arrependimentos. E conseguiu. Ao ouvir mulheres de todas as idades, algumas já avós, conseguiu driblar os argumentos de que o começo da maternidade ‘é mesmo difícil, depois melhora’, (às vezes não melhora nunca) de que as mulheres logo esquecem as turbulências iniciais e ‘começam a curtir’ os filhos, porque ‘ser mãe é a melhor coisa do mundo’ (pode ser para mim, mas não para você). Existem mulheres que nunca quiseram ser mães. Mas muitas foram. Porque achavam que era sim que a vida tinha de ser”.  Rita Lisauskas

Sejamos compreensivos e mais verdadeiros, precisamos falar sobre o que sentimos e sobre o que se passa em nós, pra que assim, fique mais fácil adaptar-se e achar um caminho sem sofrimento para a criação dessa criança.
Todo sentimento guardado cria um conflito dentro de nós e se não pudermos falar clara e abertamente sobre esse tal de arrependimento, é bastante possível que no futuro enfrentaremos alguns sintomas ou desafios desagradáveis.

Mães e pais que se sintam arrependidos, não se calem, procurem ajuda para entender o que sentem, como lidar e se empoderem, para que o peso da responsabilidade agora real, não os transforme em prisioneiros do medo.

(Artigo inspirado no livro: “Mães Arrependidas – uma outra visão da maternidade” – Autora: Orna Donath – Tradução: Marina Vargas – Editora: Civilização Brasileira).

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As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.

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