Ouvimos há tempos que ‘é de menino que se entorta o pepino’; expressão que indica que que é na infância que a criança aprende e apreende como se comportar no meio onde se vive; que para ser membro desse meio, é preciso seguir suas regras. A premissa inicial é verdadeira. Pois tudo o que nos tornamos na vida adulta é resultado dos saberes capturados na primeira infância, quando o nosso único trabalho era o brincar. E foi – ou pelo menos deveria ser – brincando que aprendemos a seguir regras, a lidar com a frustração, com a perda, com a derrota, a reconstruir o que foi destruído, a esperar a vez do outro, a respeitar e cumprimentar a vitória do outro, a compartilhar objetos, a competir e, especialmente, a cooperar.
Entretanto, muitos pais, regidos pela falsa pedagogia de recompensas e punições, não compreendem que a simples imposição de regras prontas, preestabelecidas, não fará com que a criança se torne um ser disciplinado, pelo contrário, regras prontas inibem o desenvolvimento integral da criança. Porque há de se levar em consideração a perspectiva da criança, o contrato grupal da família, esforçando-se para estabelecer regras justas, adequadas e compreensivas, para que aquele pequeno grupo social se sinta melhor juntos do que separados.
Como estabelecer um espaço familiar-moral-democrático onde as regras são valorizadas?
As regras são importantes para termos diretrizes. Já imaginou uma cidade sem leis de trânsito? Se com as leis, é um caos. Seria impossível transitar nas ruas, sem elas. Porém, mais importante do que seguir as regras, é se sentir livre. Explico: quando se é, um membro participativo na construção das leis, você não se sente impelido a cumpri-las. Você as cumpre porque ajudou a construí-las e elas então, são parte de você e não apenas de quem as construiu sem que você ao menos se desse conta.
Quando a criança ajuda a criar a regras, ela se sente mais interessada no cumprimento delas. Elas foram uma construção coletiva. De outra maneira, ela simplesmente vai repetir, e/ou se moldar ás regras. Na verdade isso não a torna disciplinada, apenas forçada.
Da mesma forma, não participar da construção das regras fará com que o medo da punição afete o seu desenvolvimento psicossocial e principalmente suas funções cognitivas, que implicam em automonitoramento, autocensura, autodisciplina. E isso deve ser feito desde a primeira infância, enquanto a criança brinca. Seja em casa, na creche ou na escola.
As regras devem ser como contratos grupais
Pais demasiado autoritários e inflexíveis ou excessivamente tolerantes e liberais podem potenciar o desenvolvimento de problemas comportamentais nos filhos. De um modo geral, crianças com regras muito rígidas ou demasiado permissivas terão muitas dificuldades em obedecer a instruções, em aceitar críticas, em tomar decisões e em se preocupar com as consequências dos seus atos. Serão crianças com baixa auto-estima, o que afetará a sua educação integral: moral, emocional, psicossocial, cognitiva, e psicomotores.
A criança não quer desobedecer as regras, ela quer ajudar a construí-las
Não obrigue a criança a cumprir as regras, convide-a para ajudar na criação delas. Nunca castigue o seu filho por descumprir regras preestabelecidas. Os atos de rebeldia da crianças, são portas muito interessantes para a abertura de preciosos diálogos para construção do autoconhecimento e da personalidade do indivíduo.
uma das metas dos pais, é criar – em casa – um sentido democrático de comunidade, no qual o respeito mútuo seja praticado. Onde as crianças respeitam os pais; onde os pais respeitam as crianças, e as crianças respeitam umas às outras. A atmosfera de respeito é necessária para promover o desenvolvimento de autorregulação e dos sentimentos autoconstruídos, da criança.
Somente crianças autorreguladas, sabem como se comportar na falta de um adulto
Uma valiosa forma que promove a autorregulação das crianças é a de envolvê-las na tomada de decisões sobre as regras, na criação e no procedimentos que regulam as suas vidas; decisões diárias e específicas sobre o que elas farão como membros daquela família; que naquela família todos têm direitos e deveres; todos criam as regras e todos as cumprem.
Através do envolvimento das crianças com o fazer as regras, as crianças têm a chance de entender porque elas têm regras particulares. Isto também conduz a criança ao sentimento de pertencimento do grupo social, onde aquelas regras acontecem. Quando as crianças participam da elaboração das regras de como a sua rotina será organizada, elas se sentem, mais prontamente dispostas ao segui-las.
É fundamental que a criação das regras seja monitorada e explicada pedagogicamente de acordo com a idade da criança
Quando sugiro aos pais a refletirem sobre convidar seus filhos para criar as regras, ao invés de – tão somente – obriga-los a cumpri-las, não estou dizendo que os adultos devem solicitar a aprovação das crianças para regras essenciais, tais como: tomar banho, escovar os dentes, arrumar a cama, recolher os brinquedos, hora de ver TV, hora de dormir, etc. Contudo, uma vez que você convida o seu filho para elaborar essas simples regras, você dá a ele a clara oportunidade de exercitar a autorregulação. Podem desenhar juntos a tabela de regras a serem seguidas. O temor de que as crianças possam criar regras inviáveis, ou que decidam que as regras são desnecessárias, não é concretizado em minha prática do método. Entretanto, o exercício de liderança dos pais – firmeza com afeto – é indispensável para conduzir o processo de elaboração e exceção das regras, e assim, instigar nas crianças, atitudes positivas sobre a importância de se seguir as regras.
O “não” nas regras das crianças
O ‘não’ realmente é inevitável na educação; na construção de um ser humano integral. Mas o cérebro é ‘programado’ para infringir as regras. Do contrário, a roda jamais teria sido inventada. Dessa forma, desobedecer as regras é para o cérebro a chance de fugir do tédio e inventar a roda.
Com isso, regras concretas como ‘não morder’, ‘não bater’, ‘não chutar’, ‘não gritar’, ‘não espernear no supermercado’ e etc, são facilmente desobedecidas. A proibição é um limite que o cérebro humano, jamais compreenderá. Ele tem a necessidade evolutiva de derrubar os muros para enxergar mais além, por isso ele precisa aprender a importância do ‘não’, para que ao invés de derrubar o muro, compreenda que o muro existe para sua própria segurança.
A razão para a regra deve estar dentro da própria regra
Os pais continuamente precisam mostrar razões para existência das regras e dos ‘nãos’. Uma forma a ser feita é incluir a razão na regra. Por exemplo, se a criança sugere fazer uma regra declarando: “Não correr dentro de casa”, os pais podem perguntar ela por que não se deve correr dentro de casa. Quando a criança responderá que se correr poderá cair e se machucar, a regra então será pode cair e machucar-se, a será: se correr pela casa você pode cair e se machucar, melhor não correr. Ao invés da regra ‘não coma no sofá’, coloque ‘as refeições são mais felizes quando feitas á mesa’. A razão para a regra torna-se parte da própria regra.
Texto da escritora, pesquisadora e psicanalista Clara Dawn – Ela é fundadora do Portal Raízes e do Instituto de Pesquisas Arthur Miranda em prevenção à drogadição, aos transtornos mentais e ao suicídio na infância e na adolescência.