Por Fabrício Carpinejar

Beatriz estava com a sua mãe quando ela morreu há quatro anos. Foi uma experiência tão forte quanto um parto: o parto de adeus de sua Clara, quando você entrega uma de suas pessoas prediletas a Deus.

Apesar da insuportável saudade, precisa deixar quem você ama ir embora para outra vida. Deve acalmar as contrações, a respiração salteada, dando a mão. Não pode mais pensar em si, na falta que sentirá de alguém, apenas em não prolongar o sofrimento. O egoísmo desaparece pela generosa solidariedade.

Às vezes é um parto natural, no falecimento por velhice. No caso da mãe de Beatriz, significou uma cesárea, por câncer. O que acentuava a gravidade do processo, penoso para ser compreendido na hora. A rapidez entre o diagnóstico e o fim não possibilitou o tempo necessário para fazer as malas da memória.

As duas trocavam murmúrios que não tinham sido pensados, com as lembranças aos borbotões em passagem estreita pela voz.

Ficava-se na indecisão até de falar para não exigir demais do corpo cansado. A gratidão morava no fundo dos olhos e o brilho das lágrimas presas nos cílios já dizia tudo.

Não havia mais como salvá-la, restava salvar o desfecho da relação. O amor é o gesto essencial no cuidado paliativo.

No quarto do hospital, a filha tornou-se a responsável pronta para acudir a mãe assustada. As mulheres agora trocavam de papéis. A filha assumia o colo, o amparo, o conforto daquele bebê adulto, sem condições de ficar sozinho, de ficar de pé nas palavras.

Estar no fim da vida de quem gerou a sua vida dói profundamente, mas é ainda melhor do que não estar, do que não ver o dever cumprido surgir dentro de você como uma segunda alma, no fim de um ciclo e início do luto.

O último suspiro nada mais é do que o eco do grito da criança nascendo, depois de atravessar uma biografia inteira.

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