No Brasil a Lei Menino Bernardo (antes chamada Lei da Palmada) modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente e garante às crianças o direito de uma educação sem castigos físicos, tratamento cruel ou degradante. A prática de usar agressões físicas, verbais e ou psicológicas para ‘corrigir’ coercitivamente os filhos, é condenada por especialistas em todo o mundo.
Entretanto, uma pesquisa realizada pela Quaest Consultoria e Pesquisas ouviu, em fevereiro deste ano, em 120 municípios brasileiros, 2.016 pessoas maiores de 16 anos e mostrou que 56% dos participantes disseram que “é normal que a criança apanhe dos pais”, 42% disseram discordar da prática e 2% não souberam opinar.
Muitos estudos mostram a inutilidade da surra como técnica disciplinar, e não há nenhum mostrando o contrário. Nos últimos cinquenta anos na prática pediátrica, observamos milhares de famílias que tentaram bater e descobriram que não funciona. Nossa impressão geral é que os pais batem menos à medida que sua experiência aumenta. A palmada não funciona para a criança, para os pais ou para a sociedade. A palmada não promove o bom comportamento. Cria uma distância entre pais e filhos e contribui para uma sociedade violenta. Os pais que apostam em punições físicas e verbais como modos de disciplinar, na verdade não estão interessados no crescimento integral dos seus filhos, mas apenas em reproduzir um modelo errôneo e cruel de parentalidade.
A família é um campo de treinamento para ensinar as crianças a lidar com conflitos. Estudos mostram que crianças de famílias que batem são mais propensas a usar a agressão para lidar com conflitos quando se tornam adultas.
A palmada demonstra que não há problema em pessoas baterem em pessoas, e especialmente se pessoas grandes baterem em pessoas pequenas, e pessoas mais fortes baterem em pessoas mais fracas. As crianças aprendem que quando você tem um problema, você o resolve com um bom golpe. Uma criança cujo comportamento é controlado por palmadas provavelmente continuará esse modo de interação em outros relacionamentos com irmãos e colegas e, eventualmente, com cônjuge e filhos.
Mas, você diz: “Eu não bato no meu filho com tanta frequência ou com tanta força. Na maioria das vezes eu lhe mostro muito amor e gentileza. Uma surra ocasional, no fundo, não vai prejudicá-lo”. Essa racionalização vale para algumas crianças, mas outras se lembram mais das mensagens de surra do que das de carinho. Você pode ter uma proporção abraço/acerto de 9 abraços por 1 surra, mas corre o risco de seu filho se lembrar e ser influenciado mais por uma surra do que por 9 abraços, especialmente se essa surra foi dada com raiva ou injustamente, o que acontece com muita frequência.
O castigo físico mostra que não há problema em desabafar sua raiva ou corrigir o erro do outro batendo nele. É por isso que a atitude dos pais durante a surra deixa uma marca tão grande quanto a próprio violência sofrida. Porque é, exatamente, o controle dos impulsos de raiva que você tem obrigação de ensinar a seus filhos. E a surra sabota esse ensinamento. As diretrizes da parentalidade positiva em relação a surra, geralmente dão o aviso para jamais bater numa criança com raiva. Se essa diretriz fosse fielmente observada, 99% das surras não ocorreriam, porque, uma vez que os pais se acalmam, podem encontrar um método de correção que não seja violento.
A agressão física não é a única maneira de cruzar a linha do abuso. Tudo o que dizemos sobre o castigo físico também se refere ao castigo emocional/verbal. Xingamentos e gritos podem realmente prejudicar bastante uma criança psicologicamente a curto e a longo prazo. O abuso emocional pode ser muito sutil e até hipócrita. Ameaças para coagir uma criança a cooperar podem tocar em seu pior medo – o abandono. (“Vou embora se você não se comportar”). Muitas vezes, as ameaças de abandono estão implícitas, dando à criança a mensagem de que você não suporta ficar com ela, ou um toque de ‘sai pra lá’ deixando-a saber que você está retirando sua amor, recusando-se a falar com ela ou dizendo que não gosta dela se ela continuar a desobedecendo. Lembre-se que as cicatrizes na mente podem durar mais do que cicatrizes no corpo, ou podem ser incuráveis.3
Já reparou que no momento da ameaça de apanhar, a criança pequena se agarra às pernas dos pais? Esse abraço que ela dá é porque compreendeu que o abraço é usado para acalmar e mostrar arrependimento, pois os pais, depois de baterem, costumam dar um abraço de arrependimento. Mesmo nos lares mais amorosos, a surra passa uma mensagem confusa, especialmente para uma criança pequena demais para entender o motivo da pancada.
Mesmo um abraço de alívio de culpa de um pai depois de uma surra não remove a dor. É provável que a criança sinta o golpe, por dentro e por fora, muito tempo depois do abraço. A maioria das crianças colocadas nessa situação vai abraçar as pernas dos pais para pedir misericórdia. “Se eu abraçar o papai, ele vai parar de me bater porque vai entender que eu estou arrependida”. Quando a surra é repetida várias vezes, uma mensagem é transmitida à criança: “Você é incapaz de acertar”.
Muitos pais batem nas mãos das crianças para que elas “aprendam” a não tocar em certos objetos ou porque pegaram o brinquedo do coleguinha sem autorização. Maria Montessori (capa), uma das primeiras opositoras do tapa nas mãos das crianças, acreditava que as mãos das são ferramentas que podem e devem ser usadas para o aprendizado, uma extensão da curiosidade natural da criança. Bater neles envia uma poderosa mensagem negativa. Todos os pais sensíveis que entrevistamos concordam que as mãos devem ser proibidas para punição física.
Pesquisas apoiam essa teoria. Em estudo de acompanhamento de crianças com dois anos, descobriu que os bebês punidos eram menos habilidosos em explorar seu ambiente. Assim, é possível concluir que se você não tem como supervisionar a exploração da criança pela, é melhor afastar os objetos e deixar as suas mãozinhas ilesas de punição.
Os pais que batem ou punem seus filhos com castigos de forma abusiva, muitas vezes se sentem impotentes porque, no fundo, se sentem incapazes de disciplinar. Muitas vezes eles batem (ou gritam) em desespero porque não sabem mais o que fazer, mas depois se sentem ainda mais frustrados quando descobrem que aquilo não funciona.
A surra também desvaloriza a imagem dos pais diante dos filhos. Ser uma figura de autoridade significa que você é confiável e respeitado, não temido. A autoridade duradoura não pode ser baseada no medo. Pais ou cuidadores que repetidamente usam palmadas para controlar as crianças entram em uma situação de perder e perder, sempre. Não só a criança perde o respeito pelos pais, mas os pais também perdem o respeito por si mesmos, porque desenvolvem um comportamento de sempre bater para ser atendido, mesmo sabendo que daqui a pouco terá que bater de novo, e de novo. Esta criança não está sendo ensinada a desenvolver o controle interior da raiva, pelo contrário, aprende que a raiva deve ser transformada em violência contra alguém mais frágil.
Bater desvaloriza a relação pais e filhos. O castigo corporal põe uma distância entre o espancador e o espancado. Essa distância é especialmente preocupante em situações domésticas em que o relacionamento entre pais e filhos já pode estar tenso, como lares de pais solteiros ou famílias mistas. Enquanto algumas crianças são resilientes e se recuperam sem uma impressão negativa na mente ou no corpo, para outras é difícil amar a mão que as atinge.
Muitas vezes ouvimos pais dizerem: “Quanto mais batemos, mais ele se comporta mal”. A palmada torna o comportamento de uma criança pior, não melhor. Aqui está o porquê. Lembre-se da base para promover o comportamento desejável: A criança que se sente certa age corretamente. A palmada mina este princípio. Uma criança que é atingida se sente mal por dentro e isso transparece em seu comportamento. Quanto mais ela se comporta mal, mais ela é espancado e pior ela se sente, e pior ela pode ficar. O ciclo continua. Queremos que a criança saiba que errou e sinta não deve fazer novamente, mas que ainda possa acreditar que o erro não faz dela uma pessoa que sem valor.
Um dos objetivos da surra é interromper o mau comportamento imediatamente, e ela realmente pode fazer isso, mas há que preço de modo integral? É mais importante criar uma convicção dentro da criança de que ela não deve repetir o mau comportamento (ou seja, um autocontrole interno em vez de uma repressão externa. Uma das razões para a ineficácia da surra na criação de controles internos, é que durante e imediatamente após a surra, a criança está tão preocupada com a injustiça que ela “esquece” o motivo pelo qual foi espancado.
Sentar com ele e conversar depois da surra para ter certeza de que ele está ciente do que fez pode ser feito tão bem (se não melhor) sem a parte da surra. Alternativas à surra podem ser muito mais instigantes para o pensamento e a consciência de uma criança, mas podem exigir mais tempo e energia dos pais. Isso traz à tona a principal razão pela qual alguns pais tendem a bater – é mais fácil.
As crianças muitas vezes percebem a punição como injusta. Elas são mais propensas a se rebelarem contra o castigo corporal do que contra outras técnicas disciplinares. As crianças não pensam racionalmente como os adultos, mas têm um senso inato de justiça – embora seus padrões não sejam os mesmos dos adultos. Isso pode impedir que a punição funcione como você esperava e pode contribuir para uma criança que não sabe lidar com a raiva. Muitas vezes, a sensação de injustiça se transforma num sentimento de humilhação. Quando a punição humilha as crianças, elas se rebelam ou se retraem. Embora a surra pareça deixar a criança com medo de repetir o mau comportamento, é mais provável que a criança tenha medo da surra.
Estudiosos que pesquisam exaustivamente o castigo corporal, notaram que crianças cujos comportamentos são controlados por surras, podem parecer dóceis por fora, mas por dentro estão fervendo de raiva. Elas sentem que sua personalidade foi violada e se separam de um mundo que percebem ter sido injusto com elas. Elas acham difícil confiar nas pessoas, tornando-se insensíveis.
Os pais que examinam seus sentimentos depois de bater muitas vezes percebem que tudo o que conseguiram foi aliviar a própria raiva. Essa liberação impulsiva de raiva muitas vezes se torna viciante — perpetuando um ciclo de disciplina ineficaz. Estudos descobriram que a melhor maneira de impedir o impulso de bater, é incutir duas convicções: 1. Que não vamos bater em nossos filhos. 2. Que vamos discipliná-los com amor e firmeza, buscando alternativas saudáveis e nos informando sobre o assunto.
As memórias de uma criança de uma pancada podem apagar as cenas alegres que devem acompanhar o crescimento. As pessoas são mais propensas a recordar eventos traumáticos do que os agradáveis. Um bom exemplo é a lembrança da vara de amora que era uma ferramenta de surra. Embora você possa se lembrar de cenas felizes, elas não serão tão específicas quanto as cenas de surras. Especialistas são assertivos ao dizerem que um dos objetivos como pais é encher o banco de memórias de seus filhos com centenas, talvez milhares, de cenas agradáveis. É incrível como as memórias desagradáveis de surras podem bloquear essas memórias positivas.
Aqui está um resumo de acordo com especialista em parentalidade positiva sobre os efeitos a longo prazo do castigo corporal:
Em um estudo prospectivo de dezenove anos, os pesquisadores descobriram que as crianças que foram criadas em lares com muitos castigos corporais acabaram sendo mais antissociais e egocêntricas, e que a violência física se tornou a norma aceita para essas crianças quando se tornaram adolescentes e adultos .
Estudantes universitários mostraram mais distúrbios psicológicos se cresceram em um lar com menos elogios, mais broncas, mais castigos corporais e mais abuso verbal.
Uma pesquisa com 679 estudantes universitários mostrou que aqueles que se lembram de ter sido espancado quando crianças aceitaram a surra como forma de disciplina e pretendiam bater em seus próprios filhos. Os alunos que não foram espancados quando crianças aceitaram significativamente menos a prática do que aqueles que foram espancados. Os alunos espancados também relataram lembrar que seus pais ficaram com raiva durante a surra; eles se lembravam tanto da surra quanto da atitude com que foi administrada.
A palmada parece ter os efeitos mais negativos a longo prazo quando substitui a comunicação positiva com a criança. A palmada teve efeitos menos prejudiciais a longo prazo se dada em um lar amoroso e em um ambiente acolhedor.
Um estudo sobre os efeitos do castigo físico no comportamento agressivo posterior das crianças mostrou que, quanto mais frequentemente uma criança recebesse punição física, mais provável era que ela se comportasse de forma agressiva em relação a outros membros da família e colegas. A surra causava menos agressão se fosse feita em um ambiente geral de carinho e a criança sempre recebesse uma explicação racional do motivo da surra.
Um estudo para determinar se o tapa na mão teve algum efeito a longo prazo mostrou que as crianças que foram punidas com um leve tapa na mão apresentaram atraso no desenvolvimento exploratório sete meses depois. Adultos que receberam muitos castigos físicos na adolescência tiveram uma taxa de espancamento do cônjuge quatro vezes maior do que aqueles cujos pais não os espancaram.
Maridos que cresceram em lares severamente violentos são seis vezes mais propensos a bater em suas esposas do que homens criados em lares não violentos. Mais de 1 em cada 4 pais que cresceram em um lar violento eram violentos o suficiente para arriscar ferir gravemente seu filho.
Estudos de populações carcerárias mostram que a maioria dos criminosos violentos cresceu em um ambiente doméstico violento. A história de vida de criminosos notórios e violentos, assassinos, assaltantes, estupradores, etc., provavelmente mostrará uma trajetória de abusos físicos, psicológicos e sexuais na infância.
Da Redação de Portal Raízes a partir dos saberes do pediatra americano e autor de livros para pais, Bill Sears. (Capa)
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