“Assombroso não é ter câncer, mas sim não ter”, diz pesquisador e explica por que ele vê a nossa sobrevivência como ‘um milagre’.
As células que provocam o câncer assim o fazem porque se tornam “egoístas”, explica o professor espanhol de bioquímica e biologia molecular Carlos López-Otín, que chefia um laboratório de pesquisas dentro do Instituto Universitário de Oncologia do Principado de Astúrias, na Espanha.
Em seu livro Egoístas, Imortais e Viajantes – As chaves do câncer e de seus novos tratamentos: conhecer para curar (em tradução livre para o português), López descreve os processos tumorais e também a história do câncer, o turbulento caminho da ciência para desvendar sua origem e enfrentá-lo – a partir dos 30 anos de experiência do cientista na área:
“Saio à rua, começo a caminhar, olho para os lados e vejo que por coincidência duas pessoas caminham no mesmo ritmo que eu. Não as conheço, mas sei que ao menos um deles vai desenvolver um câncer ao longo da vida. Esses são os números da virulência”, diz ele em entrevista à BBC News Mundo. Extraímos alguns excertos. Confira:
“O câncer, molecularmente, é uma tempestade de mutações, de danos no nosso material genético e seus arredores. Também é uma tempestade de medo, por causa do estigma (do câncer) se fala em sussurros. Às vezes me pergunto por quê, se tratando de uma doença tão frequente. Já temos (incidência em) uma a cada três pessoas no mundo pode ter câncer; delas, uma em cada dois, no mínimo, vai se curar completamente. E entre as que não se curam, muitas vão ter a doença cada vez mais controlada”.
“[…] O câncer forma parte da nossa essência biológica, é uma doença circunstancial à vida e à aquisição de complexidade celular. Enquanto tivermos componentes biológicos, células, tecidos e órgãos, haverá tumores. Os vegetais também têm (câncer), os dinossauros tiveram, os homens das cavernas tiveram e os homens mais tecnológicos do mundo o terão […]”.
“Basicamente todos os tumores têm uma origem genética, porque surgem de danos nos nossos genes. Só alguns são infecciosos, como o vírus do papiloma ou algumas bactérias Helicobacter pylori que podem chegar a produzir câncer de estômago; são muito poucos os (tumores) que se devem a micro-organismos, que também acabam danificando ou confundindo nossos genes.
Todo câncer, portanto, é genético, mas só uma porcentagem mínima – menos de 10% – é hereditário, ou seja, os defeitos já trazemos de fábrica, de nossos progenitores, e isso nos torna suscetíveis a um tipo de tumor concreto. Entre os mais comuns estão o câncer de mama e o câncer de cólon, mas há mais de 50 síndromes hereditárias de câncer. É bastante fácil reconhecer e é importante ir a uma consulta de aconselhamento genético”.
“Não tenho medo do câncer nem de nenhuma outra doença; tomara que as que couberem a mim, como ser biológico, cheguem o mais tarde possível. Tenho 63 anos, me parece uma façanha cósmica. Sessenta e três anos resistindo a milhares e milhares de mudanças diárias no meu genoma. Me parece claro que o assombroso não é ter câncer, mas sim não tê-lo. Quando você conhece os detalhes da delicadeza molecular, percebe que a sobrevivência é um milagre. Quando você observa as milhões de reações bioquímicas que fazem cada instante possível, o apreço pela vida é infinito”.
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