Quando os pais têm o apoio de que necessitam para criar um ambiente caloroso, estável, carinhoso, os níveis de estresse dos filhos frequentemente diminuem e sua estabilidade emocional e resistência psicológica melhoram.
Em 1986, em alguns dos bairros mais pobres de Kingston, na Jamaica, uma equipe de pesquisadores da Universidade West Indies começou um experimento que, ao longo do tempo, contribuiu consideravelmente para mudar nossa estratégia no que se refere a como ajudar as crianças a se afirmarem na vida, principalmente as que vivem na pobreza. Sua mensagem é: Vamos ajudar as crianças apoiando e ensinando os pais.
Os pesquisadores dividiram as famílias de 129 crianças e bebês em grupos. O primeiro grupo começou a receber visitas de uma hora por semana de um pesquisador treinado que encorajava os pais a passarem mais tempo com os filhos, brincando, lendo livros infantis, cantando. Um segundo grupo de crianças recebeu semanalmente um quilo de suplemento nutricional à base de leite. Um grupo de controle não recebeu nada. As intervenções terminaram depois de dois anos, mas os pesquisadores continuaram acompanhando estas crianças desde então.
O que fez a grande diferença na vida das crianças não foi o suplemento nutricional, mas o encorajamento dos pais a brincar com os filhos. Estas crianças saíram-se melhor, durante toda a infância, nos testes de QI, na redução de comportamentos agressivos e no autocontrole. Crescidas, hoje elas aprendem em média 25% mais ao ano do que aquelas cujos pais não receberam nenhuma visita.
O experimento da Jamaica contribuiu para confirmar que, se quisermos melhorar as oportunidades futuras das crianças, um dos fatores fundamentais de mudança não são as crianças em si, mas as atitudes, as convicções e os comportamentos dos adultos com os quais elas convivem.
Pesquisas mais recentes permitiram descobrir exatamente como se dá esta mudança. Alguns psicólogos, como Mary Dozier, da Universidade de Delaware e Philip Fisher da Universidade de Oregon, estudaram as intervenções por meio das visitas nas casas em que pais e filhos recebem um treinamento personalizado de apoio para identificar e reforçar os pequenos momentos – como conversas cara a cara – com a finalidade de estimular o apego, o calor e a confiança entre pais e filhos.
O impacto deste aprendizado pode ser muito profundo. Numa série de experimentos, criancinhas e bebês cujos pais de criação receberam apenas dez visitas em casa apresentaram bem menos problemas de comportamento do que o grupo de controle, e taxas significativamente mais elevadas de “apego e segurança” (um relacionamento estreito, estável, com os adultos de sua convivência). A capacidade das crianças de processarem o stress melhorou também. Na realidade, constatou-se que as avaliações diárias dos seus níveis de cortisol, hormônio fundamental do stress, eram semelhantes às de crianças com um bom funcionamento, não adotadas.
Estas influências positivas no começo da vida podem ter um profundo efeito no desenvolvimento das chamadas habilidades não cognitivas. Nos nossos debates sobre educação, estas habilidades são frequentemente mencionadas em termos morais, como expressões de caráter, fortaleza e coragem profundamente arraigados.
Mas na prática, as capacidades não cognitivas são simplesmente um conjunto de hábitos emocionais e psicológicos e inclusive de mentalidade, que permitem que as crianças negociem com eficiência as circunstâncias da vida dentro e fora da escola: a capacidade de compreender e tomar determinadas direções; de se concentrarem numa atividade por um longo período; de interagir calmamente com outros estudantes; de fazer frente à decepção e de perseverar, apesar das frustrações.
Estas capacidades talvez sejam mais difíceis de avaliar em testes de prontidão no jardim da infância do que capacidades como lidar com números e reconhecer as letras, mas são valiosas na escola, desde o primeiro dia de jardim da infância. Entretanto, ao contrário da leitura e da capacidade em matemática, não são desenvolvidas desde o início por meio da prática deliberada e do treinamento explícito. Ao contrário, os pesquisadores concluíram que elas se consolidam principalmente pela experiência diária das crianças com seu meio ambiente. Suas raízes se encontram nos primeiros anos de vida. Quando as crianças vivem o início de sua existência em comunidades e em lares onde a vida é instável e caótica – o que acontece com uma frequência desproporcional entre as que crescem na pobreza – o estresse contínuo e crônico que elas experimentam muitas vezes pode comprometer gravemente, no plano neuro-psicológico, o desenvolvimento destas importantes capacidades.
É por isso que as intervenções junto aos pais podem ser tão eficazes. Quando os pais têm o apoio de que necessitam para criar um ambiente caloroso, estável, carinhoso, os níveis de estresse dos filhos frequentemente diminuem, e sua estabilidade emocional e resistência psicológica melhoram.
Embora as visitas nas casas sejam particularmente eficazes, o efeito das intervenções junto aos adultos continua válido na escola também. O Projeto de Prontidão da Escola de Chicago, desenvolvido por Cybele Raver, uma psicóloga da Universidade de Nova York, treina professores do maternal em bairros de extrema pobreza com técnicas que visam promover uma experiência calma e coerente na sala de aula estabelecendo rotinas claras, reorientando comportamentos negativos, ajudando os alunos a administrar emoções fortes. Os profissionais da saúde mental também trabalham em cada classe, mas eles se preocupam tanto com a saúde mental do professor quanto com a dos alunos.
A psicóloga chama a esta abordagem “o modelo bidirecional de autorregulação”, o que significa que se trata de uma espécie de círculo virtuoso. Se desde o começo do ano a sala de aula for estável e confiável, com normas claras, disciplina consistente, e maior ênfase no reconhecimento do bom comportamento em lugar de punir o mau, Cybele acredita que os estudantes estressados terão menos probabilidade de se sentirem ameaçados e serão mais capazes de regular seus impulsos menos construtivos. Esta melhoria do comportamento, juntamente com o suporte e o conselho do profissional de saúde mental da classe, ajudará os professores a manterem a calma e o equilíbrio apesar das inevitáveis frustrações provocadas por ensinar a um grupo de crianças de quatro anos dotadas de enorme energia.
A evidencia destacada nos experimentos da psicóloga indica que os efeitos do programa vão além do clima na classe. Os resultados de um recente teste aleatório mostraram que as crianças que passaram o ano anterior ao jardim da infância numa classe de Head Start do Chicago School Readiness Project, no final do ano escolar, elas tinham uma capacidade de atenção, um controle dos impulsos e um desempenho em tarefas que implicavam a memória consideravelmente melhores do que as crianças do grupo de controle. Elas também apresentaram um vocabulário mais consistente, dando nome às letras e apresentando habilidade em aritmética, embora o treinamento fornecido aos professores não incluísse nenhum conteúdo acadêmico.
O desempenho dos alunos melhorou em termos acadêmicos pela simples razão de que eles conseguiram se concentrar no que estava sendo ensinado, sem que sua atenção fosse distraída por conflitos e ansiedades. A mudança no ambiente da classe facilitou o aprendizado.
Cuidar do desenvolvimento saudável de crianças e bebês, em casa ou na classe, é um trabalho duro e frequentemente estressante. O que entendemos agora é que o estresse que pais e professores sentem pode por sua vez elevar os níveis de estresse das crianças que estão sob os seus cuidados, com o risco de prejudicar a sua saúde mental e o desenvolvimento intelectual. A boa notícia é que o processo pode ser revertido, muitas vezes com intervenções relativamente simples e baratas. Para ajudar as crianças que vivem na pobreza a melhorarem suas oportunidades, a estratégia mais aconselhável será preparar os adultos que vivem ao seu redor.
Este artigo é uma adaptação do livro Helping Childrem Succeed: What Works and Why, de Paul Tough. Tradução de Anna Capovilla