“Eu dediquei parte da minha vida á família, aos filhos, ao companheiro(a)… agora chegou o momento de eu dedicar-me a mim mesmo(a)”.
Esse é um pensamento típico da crise da Metanoia. Fase que Carl Gustav Jung (1875-1961), criador da Psicologia Analítica, postulou como o momento de crise existencial da segunda metade da vida, dos 35 aos 45 anos, onde o eu busca a resolução de conflitos internos e autorrealização. É um momento de crescimento profundo em que a pessoa consegue ressignificar a sua atuação no mundo.
O entendimento do ser, pela ótica junguiana nos permite vivenciar esse momento de maneira mais consciente com ferramentas para superar as dificuldades e desafios com mais leveza para se sentir realizado no contexto mundo.
A palavra metanóia significa mudar de conceito, mudar de ideia ou mudar seus próprios pensamentos. Para Jung quando estamos na primeira metade de nossas vidas (em média até os 30 anos), a tendência é desenvolvermos um aspecto de nossa personalidade. Em outras palavras, nossa função dominante. Por exemplo, é comum vermos pessoas que foram extrovertidas na primeira metade da vida se tornando introvertidas, pois a mudança interior é constante e é natural passar de um polo ao outro.
Não é que a transformação no oposto, seja necessária, mas frequentemente a psique compensa a tendência da consciência com conteúdos que transformam a perspectiva. Esse processo aparece com mais força justamente na metanoia.
Aquilo que sempre funcionou tão certo para nós acaba se tornando um problema, devido a mudanças internas ou externas, principalmente devido a nossa transição do período de vida. É comum vermos sonhos da segunda metade da vida que começam a dirigir a pessoa a recolher-se e a desenvolver certa sabedoria sobre o que está por trás da vida aparente.
Só aquilo que realmente somos tem o poder de nos curar
“E se tudo aquilo que você acreditou que fosse verdade não for mais?”
“Cheguei na metade de minha vida, o que eu fiz?”
“Será que valeu a pena?”
“Realizei tudo que desejava ou não realizei a grande parte?”.
Ou seja, aquilo que negamos em nós mesmos, coisas que deixamos de resolver ou fazer, é colocado na segunda metade da vida para ser resolvido ou feito.
Para a pessoa seguir o curso da individuação – tornar aquilo que realmente é – não há outro caminho senão assumir a tarefa de um confronto direto com o inconsciente – o desconhecido. Jung disse “Só aquilo que realmente somos tem o poder de nos curar”.
A análise junguiana a ajuda guiar o indivíduo que está passando por esse processo, ajuda a compreender o que está se passando em sua vida e dá suporte para tomar decisões extremamente difíceis.
A metanoia também pode acontecer em qualquer fase da vida
De forma equivocada, muitos estudiosos de Jung acabam associando a metanoia apenas com a crise da meia idade. É obvio que, nesta etapa, por conta da chegada da segunda metade da vida e à proximidade da morte, ficamos muito mais suscetíveis a empreender mudanças de valores, ficando mais fácil abrir mão da materialidade e demandas territoriais, para que a dimensão da espiritualidade fique mais importante na vida.
A metanoia exige uma espécie de transgressão, por provocar muitas transformações tanto nos comportamentos quanto no pensamento e no caráter das pessoas, produzindo rompimentos de valores, relacionamentos e até de visão de mundo. Muitas vezes surge na forma de crise e queixas, fazendo com que os indivíduos repensem seu existir. Sendo que, na base dessa crise, está a experiência simbólica de morte e de renascimento.
A superação da crise da metanoia, acontece quando a pessoa consegue ressignificar sua persona, por meio de um desmascaramento das personagens habitualmente usadas nas relações interpessoais até então, e confrontar sua sombra, representante do inconsciente e de todas as dimensões negadas, reprimidas ou indiferenciadas, saudáveis ou patológicas existentes no âmago de todos nós. Só assim que o ego, que atua como gestor da consciência e mediador da contínua tensão opositiva entre persona e sombra, poderá encontrar o entusiasmo em servir ao si mesmo e, consequentemente, ao outro. Por isso, a individuação é uma meta coletiva proposta por Carl Jung, que depende da função transcendente advinda da superação criativa da crise da metanóia, principalmente quando acontece após a segunda metade da vida.
A conclusão bem sucedida da análise junguiana nos devolve ao mundo como pessoas mais profundas e integradas, capazes de percorrer a estrada da individuação contando apenas com a contenção e orientação internas, conforme a necessidade, das profundezas da nossa própria psique.
Fonte: Contribuições teóricas do psicólogo junguiano, Waldemar Magaldi Filho – do Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa