O dicionário Oxford elegeu na primeira quinzena de novembro, como a palavra do ano de 2018, um termo não muito animador: “tóxico” e a segunda “masculinidade”. As duas juntas ficaram em terceiro lugar, sendo assim classificada como a expressão do ano. Anualmente, a editora da instituição britânica escolhe a palavra e/ou a expressão que teria atraído maior interesse das pessoas em suas buscas na internet.
O verbete é selecionado devido ao seu potencial duradouro e significância cultural. A palavra ou expressão que é julgada como um reflexo do ethos, do humor ou das preocupações de cada ano, tem um potencial duradouro como termo de significado fenomenologia sociocultural, diz a justificativa, publicada no site da instituição da Oxford. Dados mostram que houve um aumento de 45% no número de vezes que o termo “tóxico” associado a “masculino” foi pesquisado no site oxforddictionaries.com.
Segundo Oxford, o movimento #MeToo, que abriu caminho para debates e revelações sobre casos de abuso sexual dentro da indústria, é um dos responsáveis pelo feito e a partir daí, a expressão “masculinidade tóxica” criou raízes na consciência pública”, afirma o texto.
Você sabe o que é masculinidade tóxica?
Segundo centenas de artigos publicados, a “Masculinidade tóxica é uma descrição estreita e repressiva da masculinidade que a designa como definida por violência, sexo, status e agressão, é o ideal cultural da masculinidade, onde a força é tudo, enquanto as emoções são uma fraqueza; sexo e brutalidade são padrões pelos quais os homens são avaliados, enquanto traços supostamente ‘femininos’ – que podem variar de vulnerabilidade emocional a simplesmente não serem hipersexuais – são os meios pelos quais seu status como ‘homem’ pode ser removido. Alguns do efeitos da masculinidade tóxica estão a supressão de sentimentos, encorajamento da violência, falta de incentivo em procurar ajuda, até coisas ainda mais graves, como perpetuação encorajamento de estupro, homofobia, misoginia e racismo”.
Ao ler a descrição acima, você pode não entender o ponto em um primeiro momento, mas essa masculinidade tóxica não é extremamente tóxica apenas para as pessoas ao redor, é tóxica para os próprios homens que sofrem com ela. Essa masculinidade tóxica pode te matar por te fazer exercer um comportamento de risco, e também pode te transformar em um cara extremamente infeliz.
Estudo sobre masculinidade tóxica traz dados alarmantes ao homem brasileiro
As discussões sobre equidade de gênero estão postas e, com elas, o homem moderno se viu diante do espelho. “Homem não chora”, “deve ser forte” e outros jargões de senso comum apontam para um perfil que não conseguiu se desvencilhar de ideias mofadas que só o prejudicam. Neste contexto, um termo tem ganhado destaque nas reflexões sobre comportamento e gênero: a masculinidade tóxica.
Um estudo elaborado pelo Google BrandLab aponta números alarmantes na realidade brasileira. Os dados mostram que 75% dos homens brasileiros entre 25 e 44 anos nunca ouviram falar sobre masculinidade tóxica. A busca pelo termo avança ano após ano em países como Canadá, Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, enquanto no Brasil, os números ainda não demonstram grande interesse do público.
Novos tempos, Velhos Padrões
Os efeitos dessa mentalidade está presente na forma como os homens tratam uns aos outros, de modo que mais da metade dos entrevistados já foi chamada de ‘gay’ ou ‘afeminado’ por ter expressado algum sentimento de forma mais sensível. Consequentemente, esse tipo de pensamento afeta significativamente as mulheres com outro problema que vem na esteira dessa masculinidade estabelecida: o machismo.
Comportamento machista não está associado apenas aos homens
Muitas vezes, as próprias mulheres têm atitudes que levam ao preconceito e ao reforço da cultura machista. Embora elas venham ocupando cada vez mais espaço na sociedade brasileira a partir do combate à desigualdade de gênero, ainda é normal observar preconceito e machismo vindo das mulheres.
Seja com as amigas, na criação do filho ou da filha e, até mesmo, no relacionamento afetivo. Muitas vezes esse comportamento passa despercebido e acontece naturalmente por uma questão cultural da sociedade.
5 jeitos de desconstruir a criação machista dos filhos
- “A mulher pode ser definida como um homem inferior”.
- “Se o homem dissesse uma coisa e a mulher outra, a vida seria uma desgraça. Só o homem deve dizer algo, e a mulher se dispor a fazê-lo”.
- “Além de casar, o que a mulher mais gosta é de ser enganada e de apanhar de vez em quando”.
Frases como essas são proferidas o tempo inteiro pelos homens da nossa sociedade. Você poderia dizer que são homens ignorantes, sem estudo, certo? Errado. A primeira frase foi proferida por Aristóteles, filósofo grego e um dos maiores pensadores de todos os tempos. Então você poderia dizer que são frases ditas por homens afastados da espiritualidade, certo? Errado. O autor da segunda frase é ninguém menos do que Mahatma Gandhi. Então são frases ditas apenas por homens, ponto. Certo? Errado. A última frase pertence à autora Jane Austen.
Hoje em dia, muitos pais e mães reforçam comportamentos machistas na criação de seus filhos, repetindo o modo como foram educados. Estimulam hábitos e pronunciam frases que vão naturalizando nas crianças a repetição desse padrão.
“Isso é coisa de menininha”, “esse aí vai dar trabalho, vai ser pegador”, “menina tem que ajudar a mãe a cuidar da casa” e muitas outras frases que já estão enraizadas na nossa cultura, fazem parte do cotidiano de muitas crianças, que vão introjetando e repetindo essa conduta.
Em consequência dessas atitudes dos pais, muitos meninos crescem achando normal objetificar mulheres e muitas meninas crescem achando normal serem objetificadas. A naturalização desse comportamento machista, autorizado e ensinado pelos próprios pais, é um dos principais motivadores da violência contra a mulher.
A Plan Brasil, ONG que defende os direitos das crianças, jovens e adolescentes, realizou uma pesquisa com 1.771 meninas de seis a 14 anos em todas as regiões do Brasil e descobriu a disparidade entre a distribuição das tarefas domésticas entre meninos e meninas. Enquanto 81,4% das meninas arrumam suas camas, apenas 11,6% dos meninos realizam essa tarefa. Entre as meninas, 76,8% lavam a louça e 65,6% limpam a casa. Já entre os meninos, 12,5% lavam a louça e 11,4% limpam a casa. Outra tarefa predominantemente destinada às meninas é a de cuidar dos seus irmãos: 34,6% são responsáveis por essa função, contra 10% dos meninos.
Para confrontar esses padrões, listamos para os cinco modos de desconstruir a criação machista das crianças:
1. Órgão genital não lava louça: A pedagoga e educadora sexual Caroline Arcari enfatiza que “não precisa do órgão genital para fazer tarefas domésticas”. Ela desenvolve projetos para crianças e adolescentes com o objetivo de desconstruir o estereótipo da princesa submissa e do herói agressivo e dominador. Arcari enfatiza a importância de não segmentar atividades e brincadeiras entre “coisas de menino” e “coisas de menina”. Segundo a pedagoga, é importante deixar que os meninos desenvolvam empatia, sensibilidade e permiti-los chorar, assim como deixar a menina jogar futebol, porque fortifica a personalidade delas em direção à igualdade.
2. Ele pode brincar de boneca e ela de carrinho, sim: Arcari ressalta que “muitas vezes, os meninos têm vontade de brincar com boneca, mas não brincam, porque isso seria reprovado pelo grupo de colegas da mesma faixa etária e também pelos adultos. Então, ao longo dos anos, eles vão tomando esses espaços, que não são espaços saudáveis”.
Já a blogueira Pâmela Ghilardi, do blog Fofoca de Mãe, ensina seu filho Luca, de 5 anos, a brincar e realizar tarefas sem distinção de sexo. “O meu filho brinca de Barbie e de Hello Kitty, assim como ele brinca de super-herói e carrinho. Outro dia, ele queria uma cozinha de brinquedo e só tinha na cor rosa. O pai falou que não ia deixar e tive que convencê-lo”, conta.
Conforme explica o psicólogo infantil Ricardo Gonzaga, “as crianças só vêem um brinquedo, os adultos que atribuem significado de diferenciação das brincadeiras por sexo. As crianças não vêem maldade nenhuma no brincar; elas não têm malícia”. Por sua vez, os adultos estão o tempo todo repreendendo as crianças por explorarem brinquedos que não consideram apropriados para seu sexo.
Pâmela enfrenta situações do dia a dia em que precisa explicar para os adultos sobre o jeito de educar seu filho. Numa festa de aniversário, Luca juntou-se às amigas gêmeas para brincar de boneca, quando sua madrinha disse que não podia deixar, que menino tem que brincar de carrinho. “Eu disse: estou ensinando ele a cuidar de um bebê no futuro, a ser um bom pai, não tem nada de errado nisso”.
3. A liberdade de experimentar o mundo: Pâmela é uma mãe na contramão da educação machista normalmente praticada pelos pais. Ela sempre se depara com situações em que seu filho quer fazer “coisa de menina”. E ela deixa.
“Esses dias, eu estava me maquiando e ele me pediu para passar batom… Eu deixei, mas disse que só um pouquinho e só de vez em quando, porque não acho bacana criança usar maquiagem, mas não por achar que é coisa de menina”.
Mas e se quando ele for adulto ele quiser passar batom? “Se quando ele for adulto, ele quiser usar batom ou maquiagem, não tem problema nenhum. O futuro dele, ele que vai decidir, quando ele for maior”.
4. As ‘coisas de menina’ ou ‘coisas de menino’: Muitos pais acreditam que permitir os meninos fazerem ‘coisas de menina’ ou meninas fazerem ‘coisas de menino’, pode tornar seus filhos homossexuais. O psicólogo Ricardo Gonzaga explica que isso não acontece: “As brincadeiras, tarefas ou estilo de roupa não influenciam em nada na sexualidade das crianças. Ou elas são homossexuais ou não são. E isso não é devido a nenhuma interferência externa”.
Quando Pâmela não permite que Luca realize alguma atividade feminina, não é por motivo de machismo:
“Estava pintando as minhas unhas e ele pediu para pintar as dele. Ao invés de eu dizer ‘não pode, porque isso é coisa de menina’, eu disse ‘não pode, porque isso não é coisa de criança’. Eu tirei do lado machista e coloquei para o lado de ser coisa de adulto, porque é nisso que acredito”.
5. Amor e violência não andam juntos: É preciso ficar atento à criação dos filhos, tanto em casa, quanto na escola. Por mais que os pais sejam bem intencionados, pode escapar o reforço de algum padrão machista, como aconteceu com a pedagoga Arcari: “Eu mesma já falei para uma aluna minha, que veio reclamar do colega, que quando o menino puxa o cabelo é porque está apaixonado. Quando a gente fala isso para a menina, a gente está ensinando que violência e amor podem andar juntos”.
Menina pode brincar de luta, de carrinho e de super-herói. Menino pode brincar de boneca, pode colocar vestido e ver filme de princesa. Isso torna seus filhos humanos e lhes ensina a ter empatia com qualquer pessoa, independentemente do gênero dela.