Ela tem um jeito todo seu de me olhar nos olhos. Ela é linda como lindas são as nuvens em tardes de verão. Ela é doce tal qual o néctar roubado das tulipas do vizinho. Coisas saborosas que só criança sabe o gosto. Ela é a coisa mais perfeita que existe. Perfeita como uma boneca de porcelana chinesa. Meu Deus! Como ela é linda!
Outro dia ela me flagrou olhando para ela. Antes de ser pega eu a vislumbrei como se buscasse uma palavra para defini-la naquele instante. Tantas coisas se passaram em minha lembrança. Coisas que o vento da vida encarregou de armazenar nas frestas dessa minha memória cosmopolita. Enquanto ela escovava os cabelos ondulados e de tom acobreado, com o olhar submerso nos vãos dos galhos do abacateiro, pensei que ela tivesse o poder de enxergar Jesus Cristo sentado à destra de Deus, naquele espaço diminuto de céu que se revela quando o vento tira dos olhos dos anjos os galhos do abacateiro.
Ela, ali sentada naquele banco de madeira feito a grosso modo, com os pés calçados nas havaianas azuis – era a coisa mais linda do mundo! Ela, ali com as mãos cansadas da lida da casa segurava a escova de cabelos como se naquele momento pudesse, num toque mágico, transformar sua cabeleira em raízes. Raízes do abacateiro, tão densas e sadias que até a décima geração poderia se alimentar dos frutos daquela árvore.
Mas, ela parecia não enxergar o abacateiro, seus olhos amendoados buscavam os pedacinhos de céu que os galhos da árvore insistem em esconder. Talvez ela pensasse que já estava na hora de podar aqueles galhos. “Quando começar o outono, os ventos fortes poderão derrubar esses galhos sobre o telhado e este não resistirá e ficará em fragmentos”. – Conjeturei que ela estivesse pensando nisso.
Contudo, ela não demonstrou preocupação com o telhado. Ela olhava mesmo era para Deus. O que será que Ele dizia a ela? Por alguns instantes, ainda escovando levemente o longo cabelo e trazendo-o todo para o lado direito, fechou os olhos e nesse instante eu pude olhar para suas mãos: pequenas, dedos finos e a unha por fazer… Desejei tocar em suas mãos, desejei cobri-las com as minhas para ouvir também o que Deus estava lhe dizendo.
Meu Deus, ela é tão linda! Ali, sentada como se fosse uma santa escovando os cabelos. De olhos fechados, cabeça erguida e ombros eretos, para auscultar a voz do Criador. Linda demais! Depois, ainda de olhos fechados, ela aspirou fundo o ar… e em seu aspirar era perceptível que Deus lhe presenteara com a fragrância dos céus. Mais uma escovada nos cabelos, outro suspiro, e seus lábios revelaram um riso tímido solto pelo canto esquerdo da boca.
Não havia dúvida, ela estava ouvindo um coro celestial. Os anjos entoavam Salmos de Davi e os galhos do abacateiro agora tocavam harpa. Outra escovada nos cabelos… Devagar, com pequenas paradas entre um suposto nó e outro.
A escova agora fora colocada suavemente no banco e com as pontas dos dedos começou a fazer o trabalho que dantes era da escova, de olhos fechados, como se desejasse decorar a imagem que vislumbrara entre os galhos do abacateiro. Por Cristo!? O que será que Deus está dizendo a ela?
Num instante ela juntou os cabelos como se fosse amarrá-los com uma fita num penteado rabo-de-cavalo, mas não o fez. Moldou o cabelo agregando e enrolando os fios num elo feito com o dedo médio e depois passou a ponta por ele, dando um grande nó nas madeixas encaracoladas. Como se acostumado fosse, o nó não se desfez, pelo menos até ela abrir os olhos e me encarar na percepção de que eu a estava filmando com curiosidade.
– O que foi? – Perguntou-me, balançando a cabeça negativamente a fim de desmanchar o nó que havia dado no cabelo – Viu como o abacateiro está repleto de frutos?
– Não, minha mãe, não pude reparar o abacateiro. Eu estava contemplando uma santa a escovar os cabelos. Santa! Eis a palavra equivalente e perfeita para defini-la, minha mãe!
Homenagem à minha mãe Diomira: seu nome significa no Grego “Cheiro de Deus” ou no Italiano “Deus Procura”.