Ontem foi o aniversário da Naty, mãe. Ela estava linda de debutante. A vovó sempre disse que ela se parece com você quando você tinha a idade dela. Perguntei a vovó se era apenas semelhança física e ela riu. Olhou para a Naty e disse que se ela fosse sua filha talvez não fosse tão parecida no jeito rebelde de ser.
Disso eu sei, pois eu jamais quis parecer-me contigo. Moldei a minha aparência para não copiá-la em coisa alguma e sempre ignorei a sua presença para não repetir inconscientemente algum dos seus gestos.
Você sabe do desprezo que sempre tive por você. E não foi sem razão, pois você apenas me gerou, me trouxe ao mundo sem jamais querer-me por um único momento e entregou-me aos cuidados de minha avó – essa sim – é minha mãe de verdade.
Mas ontem, olhando para a Naty ali dançando a tão sonhada valsa de debutante com o pai, fiquei imaginando se ela, que hoje completa a mesma idade que você tinha quando me deu à luz, seria capaz de criar um filho. Olhei para Naty e me lembrei que até ontem ela brincada com bonecas e ficava enrubescida só de falar em beijar um garoto. Naquele momento eu tive pena de você, mãe.
Porque concluí que você era criança demais para saber o que fazer com outra criança. E eu que passei anos me esforçando para jamais ser igual a você, para dar a minha filha tudo que você jamais me deu… Eu que de tudo fiz para esquecer a sua existência, esqueci-me de de ensinar a Naty uma coisa muito importante. Uma coisa que a vovó lhe ensinou, ensinou a mim também: que uma mãe, no verdadeiro sentido divino desta palavra, jamais tira a vida de um filho ainda que não tenha condições psicossociais para criá-lo.
Sabe por que estou dizendo isso, mãe? Porque ontem, enquanto a Naty bailava nos braços do pai, ela desmaiou. A princípio pensamos que seria um mal estar por ela ter passado o dia inteiro sem comer para ficar magra no vestido, coisa de moça.
Levamos-a ao Pronto Socorro e o médico nos contou que ela havia praticado um aborto e por isso estava tão fraca. Estupefatos diante da notícia fomos falar com ela. Perguntamos se ela havia praticado aquele ato infame por medo de brigarmos com ela. Mas ela, firme e convicta de sua decisão disse: “eu não o queria”.
Ah!, minha mãe, eu preciso lhe perdoar. Eu preciso que me perdoe também. Porque hoje eu olho para a Naty, minha filha, e penso que ela não é parecida com você. A vovó está enganada. Você só não criou a sua filha, mas entregou-a aos cuidados de quem pudesse amá-la e cuidar dela enquanto você crescia. Mas como eu poderia ensinar a Naty o que é ser mãe se eu mesma repudiava a minha? Definitivamente, mãe, a Naty não se parece com você. Ela se parece comigo, a diferença entre nós duas é que, injustamente, uma matou o filho e a outra matou a mãe.
Texto de ficção, da romancista Clara Dawn
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