Quando os primeiros exploradores espanhóis e portugueses “descobriram” a Amazônia, pouco mais de 500 anos atrás, os povos originários já estavam ali havia mais de 11 mil anos. As pesquisas arqueológicas na região revelam uma sociedade complexa, cujas obras impressionantes em madeira não resistiram ao tempo.
A arqueóloga e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Denise Schaan, fala sobre as sociedades que viviam na região muito antes do “Novo Mundo” ser descoberto. “Em vez de construírem templos e pirâmides de pedra, na falta dessas, utilizaram construções de terra e madeira. O problema é que a madeira não sobreviveu”, considera. Isso porque há problemas de preservação de artefatos nos solos tropicais.
A pesquisadora conta que as descobertas arqueológicas validam os relatos históricos, na maioria das vezes, mas são importantes por fornecer provas materiais sobre o modo de vida dessas sociedades. “Os dados fornecidos pelas crônicas produzidas nos séculos XVI e XVII são interessantes, mas problemáticas, pois não eram cientistas a registrar o modo de vida indígena, mas os conquistadores, com diferentes interesses”, explica.
Primeiros habitantes já construíam diques e barragens – Objetos de cerâmica, urnas funerárias, objetos com valor de troca entre elites, vestígios de barragens e construção de diques e de grandes e altas plataformas de terra ou, ainda, de valetas defensivas estão entre as descobertas estudadas nos sítios arqueológicos da região.
“Os artefatos mais comuns são fragmentos de panelas de cerâmica, vasos, tigelas, pratos, alguns muito decorados com insígnias étnicas, referências a mitos, linhagens, os quais eram usados em festas e rituais. Há, também, muitos objetos feitos de rochas, como contas de colares, rodelas de fuso (para fiar), lâminas de machado, pingentes, muiraquitãs etc. Estes últimos eram objetos de troca entre as elites”, revela.
Denise Schaan enumera vários sítios arqueológicos no Estado do Pará, entre eles, os tesos do Marajó, com urnas funerárias adornadas; as pinturas em Monte Alegre; as inscrições em pedrais ao longo do Rio Xingu; no Araguaia, no Trombetas e em outros rios menores, os extensos sítios de terra preta dos rios Nhamundá, Trombetas e Santarém, os quais contêm objetos de cerâmica muito curiosos, com muitos adornos na forma de animais. “Enfim, há uma diversidade cultural muito grande, que mostra ocupações humanas desde 11 mil anos atrás até a chegada dos europeus”.
Agentes da preservação da Amazônia – Para a pesquisadora, a arqueologia na Amazônia mostra a importância da correlação entre biodiversidade e sociodiversidade, na medida em que as sociedades que viviam na região desenvolveram estratégias eficazes para manejar e preservar os recursos de forma sustentável.
“Os povos originários desenvolveram muitos saberes sobre a Amazônia que não são bem aproveitados. Algumas apartes da Amazônia são ambientes muito frágeis à exploração intensiva, e práticas incorretas podem levar à exaustão dos recursos e a desastres ecológicos. Infelizmente, não se considera o saber local na elaboração de políticas públicas. Na Arqueologia, acabamos por estudar práticas antigas que são sustentáveis e poderiam ser usadas hoje em dia. Temos que aprender com o passado e não ignorá-lo”. Por Glauce Monteiro Do UFPA
O que os povos originários querem atualmente?
Alguns querem ser incluídos à civilidade. Como é o caso dos Pataxós que se formaram em medicina. Outros, a maioria, querem manter vivas as culturas dos povos originários. Esses povos também enfrentam o desafio de preservar suas terras. A PEC 215 ilustra bem isso. A Proposta de Emenda Constitucional propõe delegar ao Congresso Nacional a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação no Brasil. A PEC também garante indenização em dinheiro aos proprietários das áreas demarcadas, além de incluir o marco temporal em que os povos indígenas e quilombolas só teriam direito à terra se estivessem nela em 5 de outubro de 1988. Na prática, isso gera rivalidade entre os produtores rurais e os indígenas.
“Setores do governo acham que o índio é vagabundo, que não produz, mas na verdade, isso é uma luta de todos, independentemente se é índio ou não, porque se trata da preservação da natureza. Para nós, falta um pouco de sensibilidade do próprio povo da cidade, porque quer passar por cima de tudo. O agronegócio é importante, mas a vida das pessoas que moram nessas terras também é”, destaca José Carlos Lucas.
O direito ao território ancestral é uma garantia fundamental da Constituição, porque a terra é parte essencial da vida dos índios. Sem ela, condenam-se povos inteiros à morte física (genocídio) e cultural (etnocídio).
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