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“Fui criança, o monstro que adultos fabricam com as suas mágoas” – Sartre

“Minha verdade, meu caráter e meu nome estavam nas mãos dos adultos. Eu havia aprendido a me ver através dos olhos deles e eu era um monstro. Eu era uma criança, esse monstro que os adultos fabricam com suas frustrações, mágoas e arrependimentos. Ausentes de luz, eles deixavam em mim, seus olhos. Eu corri, saltei por aquele olhar que me preservou de estar com os meus brinquedos e com o universo. Na minha alma, meus pensamentos giravam, todos podiam seguir seu passeio natural de criança: não um canto sombrio. Porém, sem palavras, sem forma, nem textura, diluído nessa inocência, uma certeza transparente arruinou tudo: eu era um monstro”.

O texto é de Jean-Paul Sartre (1905-1980), filósofo e escritor francês, em “O Ser e o Nada”, seu principal trabalho filosófico. Para Sartre, os modos de ser, agir e sentir de uma pessoa não estão inscritos numa essência prévia, antes mesmo de sua existência, como acontece com um objeto pré-moldado. A pessoa vai existindo e se transformando mediante os acontecimentos da própria existência e as suas leituras de mundo e as leituras de si mesmo, são construídas em sua psique desde a infância. Então, a maneira como ela reagirá diante de desafios, sejam positivos ou negativos, dependerá de como essas duas leituras foram exemplificadas e assimiladas.

Consequências na vida adulta de parentalidade tóxica

A paternidade tóxica cria situações em que a criança não recebe a compreensão, o carinho e o cuidado de que precisa. Tendemos a pensar em toxicidade em termos de abuso físico ou verbal. Mas, a verdade é que pode aparecer de formas ainda mais sutis. Por exemplo, se você foi excessivamente criticado, negligenciado, ignorado, manipulado, explicitamente controlado ou colocado no papel de cuidar emocionalmente de seus pais, é provável que você tenha algumas feridas.

Os efeitos da paternidade tóxica se enraízam na infância. Mas os problemas nem sempre são identificados até a idade adulta. Quando você é jovem, não tem capacidade de processar o que está acontecendo com você. Como resultado, você desenvolve habilidades para lidar com a toxicidade que nem sempre lhe servem mais tarde. Por exemplo, você pode ter aprendido a:

  • agradar aos outros às custas de si mesmo;
  • atuar para ganhar amor; ou
  • aperfeiçoe seu ambiente como forma de se sentir seguro.

Você foi programado para amar e confiar nas pessoas que o criaram. Portanto, pode parecer contraintuitivo “desaprender” padrões tóxicos de comportamento que você absorveu quando criança. A verdade é que os efeitos da paternidade tóxica não desaparecem simplesmente ao perceber o que aconteceu. Eles não desaparecem quando você começa a dizer “não” aos comportamentos que o prejudicam, embora seja importante estabelecer limites saudáveis ​​com eles. Eles são curados quando você começa a dizer “Sim” ao trabalho de recuperar sua própria vida.

À medida que você desenvolve seu “músculo” de pedir ajuda, passa a observar como é se permitir ser cuidado e a assim vai se entregando cada vez mais ao seu processo de autocuidado psicoemocional, observando quais vulnerabilidades surgem. Tendo em mente que cuidar de si mesmo aprendendo a receber cuidados de outras pessoas é uma parte crítica da cura de mágoas familiares do passado.

Os efeitos de pais tóxicos podem começar na infância, mas não precisam durar para sempre. Você não tem culpa de ter nascido e crescido num ambiente familiar tóxico, mas você pode cuidar de si mesmo para que que de você nasça um ambiente familiar saudável. A cura não acontece simplesmente dizendo “não” à toxidade dos outros, mas quando você aprende a dizer “sim” para si mesmo.

Da redação de Portal Raízes

Portal Raízes

As publicações do Portal Raízes são selecionadas com base no conhecimento empírico social e cientifico, e nos traços definidores da cultura e do comportamento psicossocial dos diferentes povos do mundo, especialmente os de língua portuguesa. Nossa missão é, acima de tudo, despertar o interesse e a reflexão sobre a fenomenologia social humana, bem como os seus conflitos interiores e exteriores. A marca Raízes Jornalismo Cultural foi fundada em maio de 2008 pelo jornalista Doracino Naves (17/01/1949 * 27/02/2017) e a romancista Clara Dawn.

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