Falar de Fernando Pessoa não é apenas falar do maior poeta da língua portuguesa do século XX, mas é, também, falar de uma personalidade extremamente controvertida (como a de todo gênio) e de uma obra vasta, afinal, Pessoa é vários poeta num só. Nasce Fernando Pessoa em 13 de junho de 1888, em Lisboa, Portugal.  Com apenas cinco anos de idade, perde o pai Joaquim Seabra Pessoa, que morre de tuberculose. A morte de Joaquim traz tanta dificuldade financeira à família que a mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira, e seus filhos, são obrigados a baixar o nível de vida, passando a viver na casa de Dionísia, a avó louca do poeta.

São as duas primeiras perdas do menino: o pai, a quem era muito apegado, e a casa. Em 1894 Fernando Pessoa “encontra” um amigo invisível: O Chevalier de Pas, ou o Cavaleiro do Nada. “por quem escrevia cartas dele a mim mesmo”, diz o poeta, na carta de 1935 ao crítico Casais Monteiro.

Em 1895, dois anos após a morte do pai, Madalena a mãe, se casa com João Miguel Rosa, cônsul de Portugal na cidade de Durban, uma colônia inglesa na África do Sul, e é para lá que a família se muda no ano seguinte. Cinco anos depois, em 1901, Pessoa, já adolescente, passa as férias em Portugal. Foi nessa época, com 14 anos, que escreve o seu primeiro poema em Português.

[…]Quando eu me sento à janela,
P’los vidros que a neve embaça
Julgo ver a imagem dela
Que já não passa…não passa…

Em setembro de 1901 Fernando Pessoa regressa a Durbam.  Um ano depois é admitido na Universidade do Cabo. Nesse período ele cria várias “personalidades literárias”, ou seja, vários poetas fictícios que vão assinar as poesias que “eles próprios” escrevem. Destacam-se dois: Alexander Search, um adolescente, e Charles Robert Anon, de temperamento oposto ao de Fernando. De alguma maneira, começava a se delinear aquilo que faria de Fernando Pessoa um poeta como nenhum outro no mundo: um poeta que, sendo um, era muitos poetas.
Em 1905 retorna a Portugal. Em 1912 conhece outro poeta, de quem se torna grande amigo e parceiro na aventura literária: Mário de Sá-Carneiro. Ao contrário do que se pensa, Pessoa não estreia na literatura com poesias, mas com artigos na revista A Águia, do poeta Teixeira de Pascoais. A vida de Fernando Pessoa em Portugal segue em ritmo intenso.

Mas nenhum dia foi igual a 8 de março de 1914, chamado por ele de o “dia triunfal”. Ele conta:
“…foi em 8 de março de 1914 – acerquei-me de uma cômoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi um dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O guardador de rebanhos. E o que se segue foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpem-me o absurdo da frase:  ‘aparecera em mim o meu mestre’.

Imediatamente  peguei noutro papel e escrevi, a fio, os seus poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Aparecido Alberto Caeiro tratei logo de lhe descobrir –instintiva e subconscientemente – uns discípulos: Ricardo Reis, nessa altura já o via. E, de repente, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à maquina de escrever, sem interrupção e sem emenda, surgiu Ode Triunfal de Álvaro de Campos. Fixei tudo aquilo em moldes de realidade.

Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. ‘Construí-lhes as idades e as vidas'”. (Carta a Casais Monteiro, janeiro de 1935).

Ou seja, em 8 de março de 1914, nascem os heterônimos Alberto Caeiro – que ele logo toma por seu mestre -, Ricardo Reis e Álvaro de Campos; nascem dele, com suas respectivas obras.

Por que heterônimos, e não pseudônimos?  Porque, quando se usa pseudônimo, um poeta se esconde atrás de um nome falso. É para esconder o nome verdadeiro que o pseudônimo existe. O heterônimo, ao contrário, não esconde ninguém, é um personagem, criado pelo poeta, que escreve a sua própria obra. Tem nome próprio, obra própria, biografia própria e, sobretudo, um estilo próprio. Fernando Pessoa é o único caso de heteronímia (criador de heterônimos) na literatura universal.

Vamos lá. Caeiro é um home ligado à natureza. Só acredita mesmo no que ouve o no que vê. Para ele não existe mistério:

[…] O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê,
Nem ver quando se pensa. […]

Ricardo Reis faz uma poesia clássica, pagã. Fulmina, no bom estilo, Horácio, o poeta da Antiguidade:

Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre!Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe,
E cala. O mais é nada.

Álvaro de Campos, ao contrário de Reis, é o poeta da modernidade, da euforia e do desencanto da modernidade, é o poeta da irreverência total a tudo e a todos:

Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos,
Não me enfileirem conquistas… […]

 
A obra de Fernando Pessoa contém 27 mil papéis deixados dentro de uma grande arca comprada pelo estado português em 1979 e depositada na Biblioteca Nacional para estudos e pesquisas da obra do fingidor, do polêmico, do criador de vanguardas, do poeta dramático, do ocultista, do questionador em busca de ser, que foi tanto a sua criação que se perdeu de si mesmo.

Talvez o poema mais conhecido do autor seja Autopsicografia:

 
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir dor
A dor que devereas sente.[…]
 

Fonte: Fernando Pessoa, Obra Poética II, L&PM Editores, 2010, páginas 7 a 28.






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