Priscilla Gaspar Spetanieri, fisioterapeuta, mãe de João Pedro, um menino de 5 anos que tem paralisia cerebral, trabalha em dois hospitais públicos em São Paulo, um deles de referência para covid-19.
“Faz um mês que eu não beijo meu filho, faz um mês que eu não troco a fralda dele, não dou banho, não dou comida, não faço dormir. Troquei de quarto, só olho de longe e ele passa o dia me chamando”, desabafa.
Em entrevista para a revista Crescer, ela contou que separou há pouco mais de um ano, e que seu filho tem que ficar com sua mãe que também é do grupo de risco.
“Minha mãe tem 63 anos. Parei de ter contato com ela também. Só de longe. Cogitei – e ainda cogito – a ideia de mudar de casa, mas queria ficar ‘perto’ deles”, explica.
Em suas redes sociais, Priscilla desabafa e pede para que as pessoas respeitem o distanciamento.
“Deixo meu filho e minha mãe, que são do grupo de risco, e saio de casa para fazer plantões de 12h, às vezes, de 18h, porque estou nessa maldita linha de frente, enquanto tem muita gente fazendo churrasco em casa com toda a família, tem gente saindo para correr na rua, tem gente indo com a família para passear no mercado, tem gente fazendo baile funk, tem muita gente achando q é férias. Eu não quero aplausos, não quero ser chamada de guerreira ou heroína, eu só queria respeito. Vi o hospital em que eu trabalho se transformar em referência em Covid-19. Estou vendo os EPIs (equipamentos de proteção individual) acabando, estou vendo colegas contaminados e a galera está achando que é férias! Estou indignada, irritada e sem qualquer esperança nessa tal chamada humanidade”, escreveu.
A fisioterapeuta contou que João Pedro tem diagnóstico de paralisia cerebral porque teve uma parada cardíaca quando nasceu. “Trabalho todos os dias de manhã, entro às 5h45 para sair às 12h para acompanhá-lo nas terapias. Eu o buscava na escola e íamos para uma clínica próxima de casa onde ele faz 14 terapias na semana!”, explica. “Isso já era rotina. Me separei há 1 ano e 4 meses e, desde então, moro com a minha mãe”. Segundo a mãe, João Pedro é dependente para tudo.
“Desde que começou a pandemia, me distanciei. Só o vejo de longe. Minha mãe está fazendo tudo. Tenho medo de estar longe e eles adoecerem e precisarem de mim. Eles não saem para nada. Sou eu que faço supermercado, farmácia, tudo o que precisa ser feito na rua”, explica.
Priscilla teme também pelo futuro do filho, sem as terapias. “Estou bem abalada por todas as incertezas desse momento que estamos vivendo. Não sabemos quando isso vai acabar, não sei como o desenvolvimento dele será afetado pela falta da terapia”, confessa. “Essa semana, a clínica começou com os teleatendimentos. Só que eu, sendo fisioterapeuta, não posso fazer os exercícios porque não posso ficar com ele. Então, estou tentando ensinar minha mãe”, diz. Segundo a profissional, sua mãe sempre foi muito ativa e ajudou nos cuidados com o neto. “Mas ela está cansada, sente dor nas costas ao pegá-lo, apesar de ele ser pequenininho”, relata.
Segundo ela, o pai de João Pedro o levava para a escola e também o levava à terapia, só às segundas-feiras. “Desde a pandemia, não pegou mais. Vem fazer algumas visitas, mas diz ter medo, porque tem os pais bem idosos”, conta.
O pequeno sentiu profundamente as alterações na rotina. “João é uma criança extremamente feliz, sorri o dia todo, mas sentiu, sim, tanto meu distanciamento como a alteração da rotina. Ele não fala e começou a balbuciar ‘mamãe’. Me chama o dia todo e está mais irritado”, explica.
Priscilla conta que o que a motivou a fazer o post de desabafo nas redes sociais foi sair de um plantão de 12 horas, em um sábado, e ver um grande movimento de pessoas na rua. “Me assustei. Cheguei na minha casa e não tinha onde estacionar o carro. As pessoas estavam fazendo festa na rua, bebendo e comemorando. Fiquei bastante irritada! Tudo bem, esse é meu trabalho, fiz um juramento, nunca reclamei. Muito pelo contrário: amo o que eu faço, mesmo passando por tudo com o João quando ele nasceu. Foram 91 dias de internação, muitas intercorrências, uma cirurgia cardíaca… Voltei a trabalhar por amor. Mas a pressão psicológica está demais. As pessoas não têm noção do que está acontecendo e não respeitam!”, diz.
Fonte: Revista Crescer
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