“Seria muito mais fácil aproveitar o talento pra cantar num grupo de pagode ou num desses cujas músicas de duplo sentido vendem mais de um milhão de discos. Se tiver um corpo esculpido em academia ou projetado pelo cirurgião plástico da hora, então, não tem erro: bastam duas sessões de papo sobre a “arte” do entrevistado num programa qualquer de TV e pronto, está inventado mais um “artista” brasileiro com penetração na mídia, como gostam de dizer os especialistas. Artistas no Brasil são todos os que souberam segurar seus cinco minutos de fama para além dos cinco minutos, e eles são muitos. Um desfile de botox, preenchimentos faciais e músculos esculpidos em academias alimentam o mercado da carne em que se transformou o panorama da arte da representação no País.
Nos anos 50, atrizes carregavam a classificação de prostitutas por conta do preconceito e das muitas suspeições em relação à arte, vista como coisa de malucos, pervertidos e delirantes. Nos anos 90, qualquer modelo acopla a palavra “atriz” e “ator” ao seu cartão de visitas, exatamente porque a arte de representar está diretamente associada à beleza física – é bonita? deve ser atriz, é a equação. Há um verdadeiro derrame de “artistas” no Brasil.
E somos obrigados a assistir, ler e ouvir diariamente o desfiar de sandices de personagens cujos cérebros não passaram pela academia ou pelas mãos do cirurgião plástico. São essas personagens que fazem a mediocridade tomar conta de tudo, que alçam a idiotice à categoria de arte para encobrir suas limitações fora do corpo. O público delira e pede bis.
Basta observar as letras das músicas que essa gente produz, os modismos que lançam, os espetáculos que encenam, o nada a que se dedicam, para compreender em que enrascada estamos metidos. Tudo gira em torno do pensamento econômico: a quantificação é que dá a medida do que é bom, se vendeu 1 milhão de cópias é bom, o que não tem mercado nem se considera – e a arte , proporcionalmente à mediocridade, não tem mercado. Portanto, por que será que os artistas teimam em fazer arte?
Pois é de escolha que se trata o assunto, não de censurar o que se exibe, mas do cidadão escolher entre uma coisa e outra. Claro, vão dizer que é um problema de educação e cultura quando escolhemos o pior como se fosse ótimo, mas alguém precisa servir biscoito-fino pra que o paladar se descondicione do eterno bró de milho a que está acostumado. É o que os artistas fazem, os verdadeiros. São as opções da escolha. Seus trabalhos são o resultado da criação do espírito para o espírito, produto de profunda observação e vivência. Reflexo do mundo, antenas dele. E, o que é melhor, amplia horizontes, dá prazer, diverte.
Sei que na decisão final sobre qualquer coisa pesa muito o bombardeamento da mídia, da publicidade na nossa escolha. Nesse raciocínio, a mediocridade, por motivos óbvios, reúne mais condições financeiras de se alardear através dos meios de comunicação para vender seu produto, ocupar mais espaço, convencer o público. Um círculo perfeito que se fecha em si mesmo. A escolha é sempre sua, mas cuidado com a capacidade de convencimento conseguido com a repetição ad-nauseum do produto exposto como arte – a maioria acaba comprando e, o que é pior, gosta. Repetindo: vivemos a era do superficial, do raso, do fácil. O leitor pode observar que o humor é a arma secreta que todos os atores e produtores usam para fisgar o espectador; não que o humor não seja boa arte, mas daí a usá-lo como isca para qualquer espetáculo vai uma grande diferença. Outro dia uma velha atriz de TV que nos visitava com uma peça do Harold Pinter foi a um programa de TV dar uma entrevista e passou o tempo todo afirmando que a peça que ela fazia era muito engraçada “séria, mas muito divertida”, ela dizia e fiquei imaginando a cara dos espectadores indo ao teatro pra rir e encontrando as tragédias absurdas do Harold Pinter em cena.
Propaganda enganosa? Tentativa desesperada de levar o público ao teatro? Oportunismo ? Seja o que for, o fato é que parece que todos consideram o espectador de qualquer arte a mesma massa de manobra que anda dias atrás do trio elétrico entoando canções que só têm vogais: êêêê..êo..ôôôôêêê….! Felizmente, não é assim. Há um espectador que busca não apenas sacudir o corpo, mas também a alma – e isso já é domínio da arte”.
Texto do ator e diretor de teatro Marcos Fayad.
MARTIM CERERÊ ESTREIA NOVO ESPETÁCULO NO TEATRO SESI
Cara-de-bronze estreia dia 9 de junho, às 21 horas, no Teatro SESI, onde ficará em cartaz até o dia 11.
Adaptação e direção de Marcos Fayad, Cara-de-bronze é baseado no conto de Guimarães Rosa, extraído do livro Corpo de Baile, publicado há 60 anos. A história se passa em um único dia dentro de um curral de ajunta de bois. Dez vaqueiros conversam sobre o dono da fazenda, o tal Cara-de-bronze, homem poderoso e sábio como Deus, escuro e feio como o diabo, fisionomia dura, áspera. Um enigma.
Toda a encenação é pontuada pela música do violeiro e cantador Roberto Corrêa, responsável também pela direção musical. “Cara-de-bronze é uma obra que inspira, desperta e transforma os que entram em contato com a beleza, o tema e a linguagem de Guimarães Rosa”, afirma o diretor.
Foram seis meses de preparação para que Cara-de-bronze ganhasse o palco. Intensa pesquisa sobre o universo roseano foi realizada, desde o linguajar característico do autor até o sertão poético e violento, misterioso e intrigante. “A linguagem de João Guimarães Rosa não será facilitada para melhor compreensão dos que não a conhecem, porque sobre essa linguagem original, muito musical, quase um idioma próprio, é que se construiu o espetáculo”, explica Fayad. O trabalho conjunto de atores e diretor resultou em uma grande produção. “Durante o processo de ensaios “pisamos em ovos” um bom tempo até vislumbrar o interior do sertão e caminhar em direção a ele, mundão fascinante, forjado na nossa história. Trabalhamos mergulhados nele porque o sertão nos envolve, mesmo que nenhum de nós o habite particularmente. O sertão está em toda parte”, destaca.
Toda a ação se passa no curral de bois, desenhado pelo próprio diretor, com o auxílio do marceneiro Elisemar Alves. Confeccionado em tecidos rústicos e couro, o figurino remete às figuras míticas do sertão goiano e mineiro. Para criá-los, Fayad contou com a assessoria de Bia Castro.
Encenar a obra do autor de Grande Sertão: Veredas era um sonho antigo do diretor da Cia. Teatral Martim Cererê. Em 1999, Marcos Fayad dirigiu o mesmo Cara-de-bronze, mas com dificuldades de patrocínio, fez apenas três apresentações no Teatro Goiânia. Desta vez, pretende ficar mais tempo em cartaz. Depois do Teatro SESI, fará outras três sessões no Teatro Goiânia.
ELENCO E FICHA TÉCNICA – Espetáculo: Cara-de-bronze
Texto: João Guimarães Rosa
Adaptação e direção: Marcos Fayad
Cenário e Figurinos : Marcos Fayad
– Colomira – Karla Araujo
-Vaqueiro GRIVO – Newton Murce
-Vaqueiro CICICA- Gerhard Sullivan
-Vaqueiro ADINO – Edimar Pereira
Vaqueiro MAINARTE – André Larô
Vaqueiro ZAZO – Saulo Dallago
Vaqueiro Mudinho – Tiago Barreto
Vaqueiro TADEU – Danilo Alencar
Vaqueiro SACRAMENTO – Tarik Hermano
Vaqueiro DOIM – Tarcisio Peris
Violeiro Denis Malaquias
Músicas e Direção Musical: violeiro Roberto Corrêa
Produção Executiva: Um homem
Programação Visual: Josemar Callefi
Serviço:
Texto: João Guimarães Rosa
Adaptação e direção: Marcos Fayad
Elenco: Cia. Teatral Martim Cererê
Dia: 9 a 11 de junho (quinta a sábado)
Horário: 21 horas
Local: Teatro SESI (Av. João Leite, nº 1.013, Setor Santa Genoveva. Telefone: 3269-0800)
Ingressos: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia). Estudantes, idosos acima de 60 anos e industriários mediante comprovação pagam meia entrada.
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