Quando as baratas voam em seus aviões particulares e olham para baixo e dizem: todos aquelas, lá em baixo, são formiguinhas esmagáveis; é de nós que estão falando.
Outro dia eu tentei afogar uma barata. Ela estava na pia do banheiro e no ímpeto a minha reação foi ligar a torneira. A barata ficou girando no ralo, se segurando nas bordas, inclinando a cabeça para trás, resistindo a força da água e a rotação, resistindo, resistindo… Abri um pouco mais a torneira para aumentar a potência da água e esperei por muitos segundos que a barata descesse esgoto a dentro, mas ela resistia. Criatura parva, fétida, inútil, horrenda e desprovida de altruísmo é uma barata.
Meu senso de responsabilidade para como o meio ambiente fez-me desligar a torneira. E a barata respirou aliviada, saiu do ralo um tanto entorpecida e trôpega começou a escalar a bacia do lavatório: subindo, caindo, subindo, caindo. A essa altura da narrativa, aposto, há quem torce pela barata. Mas não se engane, pois, ao contrário das pobres formiguinhas operárias, as baratas não servem para coisa alguma, são as formigas que fazem todo o trabalho, que constroem todas as grandezas das quais as baratas monopolizam e patenteiam.
Já reparou que nos filmes futuristas, onde o mundo todo está destruído, é a barata que surge das ruínas? Porque no imaginário coletivo, as baratas são indestrutíveis.
Tomei com a minha mão esquerda um frasco de antisséptico bucal e arremessei contra a barata. Esta saltou de leve com suas asas molhadas e depois subiu no frasco que gangorrava inutilmente dentro da pia. Um arrepio percorreu a minha nuca e um quase desespero se apossou de mim. A barata agora estava em vantagem, o mal uso do antisséptico deu a ela uma pista de decolagem. Ela me olhava com seus impassíveis olhos e eu, que tola, a temia como se ela não fosse tão menor do que eu. Ora, eu ali representando milhares de formigas operárias, quase titubeando, lamentando covardemente o fato de que, naquele momento da história, a missão de acabar com o reinado das baratas era minha. E, oh céus, por que não? Mas a coisa não pode ser assim – num repente – com o mal uso do antisséptico bucal – sem pestanejar e tampouco creditar que o extermínio de uma única barata não resolveria coisa alguma. Sim, só existe uma maneira de destruir o reinado das baratas – destruindo todas elas de uma só vez. Mas para isso há um encargo: as formigas precisam se rebelar.
Livrando-me da minha inútil e passional necessidade de arremessar à revelia antisséptico em insetos, deixei aquela barata escapar pelas frestas escuras do ralo. Não é mesmo impressionante a habilidade que as baratas têm de circular no submundo, acreditando que são superiores às formiguinhas operarias só porque elas têm o poder de voar?
As formigas só precisam acreditar em si mesmas, afinal são elas que constroem as coisas mais estupendas da Terra e não as baratas. Se tirarmos as baratas do mundo, a Terra continuará produzindo riquezas. Mas se tirarmos as formigas, as baratas sozinhas não podem fazer nada. Então quem são as criaturas mais importantes da Terra? Há quem pertence as riquezas da Terra? Àqueles que as produzem, que fique claro.
As formigas precisam acreditar nestas 10 coisas para exterminar, de uma vez por todas, as baratas:
1 – As baratas tentarão de todas as maneiras – em discursos bem elaborados em táticas de distração extraordinária, mediante a técnica de contínuas distrações e de informações insignificantes, mantendo dispersa a atenção das formigas oferecendo-lhes brindes, emendas, reformas, pacotes, programas… mantendo assim, as formigas ocupadas, ocupadas, ocupadas; sem nenhum tempo para pensar.
2 – As baratas criarão problemas e, depois, oferecerão soluções. Como por exemplo, deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que as formigas percebam a necessidade de aumentar os impostos para investir em segurança, ou ainda, criar uma crise econômica para dizerem que precisam vender as empresas nacionais aos estrangeiros e que isso será um mal menor do que o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços púbicos. Com isso, as baratas conseguem duas coisas: a compreensão das formigas e a aliança com corruptores estrangeiros.
3– As baratas vão estimular a ignorância das formigas, fazendo-as crer que são incapazes de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. Dando-lhes condições miseráveis de ensino para que acreditem que é impossível que formigas alcancem o nível de uma barata. E, ao mesmo tempo, farão com que acreditem em meritocracia, que se é capaz de alcançar um alto posto na vida, se você se esforçar muito. Darão até exemplos de algumas formiguinhas que subiram de vida por esforços próprios, tirando das baratas a responsabilidade pela qualidade do ensino.
4 – As baratas vão estimular as formigas a serem complacentes com a mediocridade. Levá-las a crer – por intermédio de BBBs e novelas – que é normal o fato de serem pobres, que o dinheiro não traz felicidade e que é melhor ter uma vida humilde e longe dos grandes problemas das ciências, das políticas públicas, das economias… e deixar esses assuntos complexos para os intelectuais de sua clã. Ora, quem produz o melhor celular do mundo, não é Apple, são os trabalhadores; quem produz o melhor carro do mundo não é Hyundai, são os trabalhadores… Quem produz as riquezas da Terra tem sim, a sabedoria para governá-la.
5 – As baratas vão reforçar a autoculpabilidade das formigas. Fazendo-as acreditarem que são culpadas por sua própria desgraça devido o seu precário discernimento. E também por falta de capacidade ou de esforços em buscar mais informações. Assim, em vez de rebelar-se contra o sistema das baratas, as formigas se autodesvalidão e se culpam, o que gera um estado apático, cujo efeito é a inibição de sua ação. E sem ação, não há revolução!
6 – As baratas convencerão as formigas de que as conhecem, melhor do que elas mesmas se conhecem. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada e outras ciências, as baratas desfrutam de um conhecimento avançado das formigas operárias, tanto no aspecto físico quanto no psicológico. Isso significa que as formigas são forçadas a acreditarem que as baratas exercem um controle maior e um grande poder sobre as formigas, maior do que o próprio poder sobre si mesmas. E isto é a mais cruel e terrível mentira. Porque quem produz a riqueza da Terra é que deve ser o dono dela.
7 – As baratas farão as formigas acreditarem que uma medida inaceitável passe a ser aceita, basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Logo, porque as formigas, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso dá mais tempo para as formigas se acostumarem à ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando o momento chegar. Um exemplo disso é o congelamento dos gastos públicos por décadas.
8 – Outra maneira que as baratas usam para forçar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa, mas necessária”. Como quando mentem que precisam pagar a dívida pública para conseguir mais financiamentos com os bancos internacionais, com isso mais de 40% do dinheiro da união é destinado a pagar essa conta em detrimento da educação, saúde, moradia, salários justos… Vale ressaltar que essa dívida NÃO existe e isso pode ser comprovado no site da Auditoria Cidadã da Dívida Pública.
9 – As baratas, com o auxilio da mídia paga, farão o uso do aspecto emocional que é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, dizendo que a situação está ruim porque as formigas fizeram escolhas erradas, permitindo assim abrir a porta de acesso ao inconsciente coletivo para enxertar ideias, desejos, temores, compulsões e induzir ao pensamento único de que tudo se resolverá com novas eleições, sabendo de antemão que isso é somente a ponte pseudo-democrática para que o chicote mude de mão ou permaneça na mesma.
10 – As baratas farão o desdobramento espetacular para que as formigas acreditem que a melhor saída para o caos é o reformismo. Farão com que acreditem que reformas são novidades que assustarão no início, mas com o tempo, as formigas se acostumarão compreenderão que foi melhor assim. É válido lembrar que toda reforma mantém a mesma estrutura. E se hoje vivemos no caos, nenhuma reforma adiantará, pois se manterá no mesmo sistema capitalista, corrupto e opressor.
De posse desse saber, não fica claro que a classe trabalhadora precisa se rebelar contra este tão elaborado jogo de cartas marcadas?
Texto de Clara Dawn inspirado na obra “Armas silenciosas para guerras tranquilas” – de Noam Chomsky