Se tentarmos descrever como estamos nos sentindo diante da atual situação mundial muitos de nós não conseguirão colocar em palavras, mas a equipe da revista digital Harvard Business Review (HBR) chegou a conclusão de que a palavra mais correta seria luto.
Se podemos nomear, talvez possamos lidar melhor com isso. Em entrevista para a HBR, David Kessler deu ideias de como fazer isso. Kessler é um grande especialista em luto. Com livros publicados sobre o tema, também trabalhou por uma década num sistema hospitalar em Los Angeles na equipe de risco biológico.
Kessler compartilhou seus pensamentos sobre porquê é importante reconhecer o luto que você pode estar sentindo, e como ele acredita que vamos encontrar um sentido nisso. A conversa está levemente editada para garantir maior clareza.
Kessler: Sim, e estamos sentindo vários lutos diferentes. Estamos sentindo que o mundo mudou, e ele mudou mesmo. Sabemos que é temporário, mas o sentimento não é esse, e sabemos que as coisas vão ser diferentes. Assim como ir ao aeroporto mudou para sempre depois do 11 de setembro, as coisas vão mudar e este é o ponto no qual estão mudando. A perda da normalidade; o medo do estrago econômico; a perda de conexão. Isto está batendo, e estamos em luto. Não estamos acostumados a este tipo de luto coletivo no ar.
Sim, estamos sentindo luto antecipado. Luto antecipado é esse sentimento que temos sobre o que o futuro reserva quando é incerto. Normalmente se centra na morte. Sentimos isso quando alguém tem um diagnóstico extremo, ou quando temos pensamentos normais sobre o ato de que vamos perder algum familiar próximos, ou nossos pais, em algum momento. Luto antecipado é também mais amplamente futuros imaginados. Se tem uma tempestade vindo. Se tem algo ruim “lá fora”. Com um vírus, este tipo de luto é muito confuso para as pessoas. Nossa mente primitiva sabe que algo ruim está acontecendo, mas não podemos ver isso. Isso rompe nosso senso de segurança. Estamos sentindo o medo da segurança. Eu acho que não tínhamos perdido coletivamente nosso senso geral de segurança como neste caso. Individualmente, ou em pequenos grupos, pessoas já sentiram isto. Mas todos juntos, é algo novo. Estamos em luto em nível micro e macro.
Entender os estágios do luto é um começo. Mas em qualquer situação em que falo sobre os estágios do luto, eu lembro as pessoas de que os estágios não são lineares e podem não acontecer nessa ordem. Não é um mapa, mas nos permite uma plataforma para acessar este mundo desconhecido. Existe a negação, que dizemos que é um estágio que acontece mais no início: “este vírus não vai nos afetar”. Existe a raiva: “vocês estão nos fazendo ficar em casa e tirando minhas atividades”. Existe a barganha: “ok, se estabelecemos o distanciamento social por duas semanas, tudo vai melhorar, né?”. Existe a tristeza: “eu não sei quando isto vai terminar”. E finalmente a aceitação: “isto está acontecendo; eu descobri como lidar com isso”.
A aceitação, como você pode imaginar, é onde está nosso poder. Encontramos algum controle na aceitação. “Eu posso lavar minhas mãos. Eu posso manter uma distância segura. Eu posso aprender a trabalhar virtualmente.”
Vamos voltar para o luto antecipado. Luto antecipado não-saudável é realmente ansiedade, e esse é o sentimento sobre o qual você está falando. Nossa mente começa a nos mostrar imagens. Meus pais ficando doentes. A gente vê os piores cenários. Essa é nossa mente sendo protetiva. Nosso objetivo é não ignorar essas imagens ou tentar fazê-las ir embora — sua mente não vai deixar você fazer isso e pode ser doloroso forças isso. O objetivo é encontrar o equilíbrio nas coisas que você está pensando. Se você sente que a pior imagem está tomando forma, faça com que pense também na melhor imagem. Todos nós ficamos doentes e o mundo continua. Nem todo mundo que eu amo morre. Talvez ninguém morra, porque estamos todos fazendo os passos certos. Nenhum cenário deve ser ignorado, mas nenhum deve dominar também.
Luto antecipado é a mente indo para o futuro e imaginando o pior. Para se acalmar, você quer voltar para o presente. Isto vai ser um conselho familiar para qualquer pessoa que já meditou ou praticou mindfulness, mas as pessoas podem sempre se surpreender com o quão prosaico esse movimento pode ser. Você pode nomear cinco coisas que estão na sala onde você está. Existe um computador, uma cadeira, uma foto de um cachorro, um tapete velho e uma xícara de café. É simples assim. Respire. Perceba que no momento presente, nada do que você tinha antecipado aconteceu. Neste momento, você está bem. Você tem comida. Você não está doente. Use seus sentidos e pense sobre o que eles sentem. A mesa é dura. O cobertor é macio. Eu consigo sentir o ar com meu nariz. Isto realmente funciona para diminuir um pouco a dor.
Você também pode pensar sobre como abrir mão do que você não tem controle. O que seu vizinho está fazendo está fora do seu controle. O que está no seu controle é ficar a um metro de distância deles, e lavar suas mãos. Foque nisso.
Finalmente, é um bom momento para estocar compaixão. Todo mundo vai ter níveis diferentes de medo e luto e isso se manifesta de diferentes jeitos. Uma pessoa com quem trabalho ficou muito rude comigo outro dia e eu pensei: “isso não parece esta pessoa; isso é como a pessoa está lidando com esta situação. Estou vendo seu medo e ansiedade”. Então seja paciente. Pensar sobre quem geralmente a pessoa é, e não quem ela parece ser neste momento.
Isto é um estado temporário. Ajuda falar isso. Eu trabalhei 10 anos no sistema hospitalar. Eu fui treinado para situações como esta. Eu também estudei a pandemia da gripe de 1918; As precauções que estamos tomando são as certas. A história nos conta isso. Isto se chama sobrevivência. Vamos sobreviver. Este é um tempo de se super-proteger, mas não se super-reagir.
E acredito que vamos encontrar sentido nisto. Eu fiquei honrado que a família de Elisabeth Kler-Ross me deu permissão para acrescentar um sexto estado ao luto: significado. Eu tinha falado com Elisabeth um pouco sobre o que viria depois da aceitação. Eu não queria parar na aceitação quando eu experienciava o luto pessoal. Eu queria significado naquelas horas mais difíceis. Mesmo agora, as pessoas estão percebendo que elas podem se conectar através da tecnologia. Elas não estão tão distantes quanto elas imaginavam. Elas estão percebendo que elas podem usar seus telefones para conversas longas. Elas estão apreciando caminhadas. Eu acredito que vamos continuar encontrando significado agora e quando isso tiver acabado.
Continue tentando. Existe algo poderoso sobre nomear isto como luto. Isso nos ajuda a sentir o que está dentro de nós. Tantas pessoas me disseram na última semana: “estou dizendo para meus colegas de trabalho que estou tendo dificuldades” ou “eu chorei na noite passada”. Quando você nomeia, você sente e isso se move através de você. Emoções precisam de movimento. É importante que reconheçamos o que estamos passando. Um produto infeliz do movimento de auto-ajuda é que somos uma primeira geração que tem emoções sobre suas emoções. Falamos para nós mesmos: “estou me sentindo triste, mas não deveria sentir isso; outras pessoas se sentem pior”. Nós podemos — devemos — parar no primeiro sentimento. “Eu me sinto triste. Vou me deixar sentir triste, por cinco minutos pelo menos”. Seu trabalho nesse momento é sentir sua tristeza, e/ou medo, e/ou raiva, independente de se mais alguém esteja sentindo algo. Lutar contra isso não ajuda porque seu corpo está produzindo o sentimento. Se a gente permite que os sentimentos aconteçam, eles vão acontecer de uma maneira ordenada, e nos empoderar. Então não somos vítimas.
Sim. às vezes tentamos não sentir o que estamos sentindo porque temos essa imagem de um “bando de emoções”. Se eu me sentir triste e deixar isso dentro, nunca vai ir embora. O bando de emoções ruins vai me perseguir. A verdade é que uma emoção se move através de nós. Não existe um bando externo que vai nos pegar. É absurdo pensar que não deveríamos sentir luto agora. Permita-se sentir o luto e siga adiante.
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Entrevista realizada por Scott Berinato, editor senior da Harvard Business Review e autor dos livros Good Charts Workbook: Tips Tools, and Exercises for Making Better Data Visualizations and Good Charts: The HBR Guide to Making Smarter, More Persuasive Data Visualizations.
Traduzido e adaptado do original em inglês via Harvard Business Review.
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