O projeto de lei que equipara ao crime de homicídio o aborto realizado após 22 semanas de gestação, reacendeu a memória popular do caso da menina de 10 anos que foi estuprada, ficou grávida e foi submetida a um aborto. A menina em questão foi vítima de violência sexual desde os 6 anos e seu abusador é o próprio tio. Segundo informações de O Globo, o homem confessou que mantinha relações sexuais com a criança e alegou que os atos eram consentidos. Vale ressaltar aqui que qualquer ato sexual com crianças é estupro. Vale lembrar e enfatizar que não existe impulso sexual incontrolável e que a culpa nunca é da vítima.
Ser abusado sexualmente na infância é passar o resto da vida debaixo de escombros onde você nem morre e nem vive. Um infortúnio tão grande que pode desencadear vários distúrbios emocionais e de comportamentos; risco de envolvimento com álcool e drogas; risco de desencadear transtornos mentais graves e desenvolver pensamentos e práticas autodestrutivas. Segundo a Organização Mundial de Saúde o suicídio entre crianças de 5 aos 12 anos está relacionado à violência, especialmente a sexual.
A cada hora no Brasil, 4 meninas de até 13 anos são estupradas
De acordo com uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha e publicado no G1 , 42% dos homens acham que mulher que se dá ao respeito não é estuprada. 85% das mulheres do país temem violência sexual.
Um em cada três brasileiros acredita que, nos casos de estupro, a culpa é da mulher, de acordo com pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e divulgada nesta quarta-feira (21). Segundo o levantamento, 33,3% da população brasileira acredita que a vítima é culpada.
Segundo os dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Brasil, uma mulher sofre violência sexual a cada 7 minutos, são 180 estupros por dia. A cada hora, 4 meninas de até 13 anos são estupradas. A última atualização dos dados foi em 2021 quando o país registrou 35.196 casos de estupros.
Violência sexual infantil no Brasil: 74% são meninas e dentre elas 45% são negras
De acordo com o boletim, no período de 2015 a 2021, foram notificados 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, sendo 83.571 contra crianças e 119.377 contra adolescentes. Em 2021, o número de notificações foi o maior registrado ao longo do período analisado, com 35.196 casos. Durante a infância, as meninas costumam ser mais afetadas pelos atos de barbárie, com um percentual de 74,2% dos casos, enquanto meninos correspondem a 25,8%. A faixa etária mais atingida é até os 5 anos de idade.
Em termos de etnia, são as crianças negras (45,5%) o alvo principal, seguida das brancas (39%). Os atentados contabilizados se repetiam em 33% dos casos e aconteciam principalmente nas casas das vítimas por pessoas do ciclo familiar: (69,2% das meninas e 71,2% dos meninos) e na escola (4,6% das meninas e 3,7% dos meninos)
Os tipos de crime com maior número de notificações foram o de estupro (62%), seguido por assédio sexual (24,9%). Entre as características das pessoas que cometeram os crimes, homens são a maioria (81,6%) e o vínculo com a vítimas é familiar (37%), outro (28,9%) — em posição privilegiada como cuidadores, relação institucional —, amigos e conhecidos (27,6%) e desconhecidos (6,5%).
Apenas 10% dos abusadores são desconhecidos da família
Pesquisas conduzidas pelo Centro de Controle de Doenças (Centers for Disease Control/CDC) estimou que aproximadamente 1 em cada 6 garotos, e 1 em cada 4 garotas, são abusados sexualmente antes dos 18 anos. Quer ouvir algo ainda mais assustador? De acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (US Department of Justice) apenas 10% dos abusadores eram desconhecidos da família. 23% eram outras crianças maiores e, pasmem, os pais, os avós, os tios e os padrastos estão no ranking das pesquisas.
Podemos ajudar os pais a ensinarem os seus filhos a se protegerem do abusador sexual quando este é um estranho ou uma pessoa que não seja o pai e a mãe. Mas quem ensinará as crianças se protegerem também de seus próprios pais? Por isso a educação sexual não é para ensinar a criança a fazer sexo, é para ensiná-la, entre outras coisas, a identificar e denunciar quem quer abusar dela.
Especialistas em perícia médica relatam que fazem laudos comprovando violência sexual em pessoas de zero até 100 anos. Vamos dar ao assunto a seriedade que o assunto traz: não existe impulso sexual incontrolável e a culpa nunca é da vítima, nem onde ela estava, nem o que ela vestia. A culpa é sempre do abusador. Sempre.
O abuso sexual na infância e na adolescência pode desencadear transtornos mentais graves e conduzir meninos e meninas ao suicídio
A automutilação é um ensaio para o suicídio e pode ser um sintoma de violência sexual. E as nossas crianças e adolescentes estão se cortando, ou se queimando, constantemente, e assim passam a usar sempre roupas que possam esconder a dor, que na verdade, querem que o mundo compreenda. Estão relacionados com a violência física, verbal, psicológica e especialmente a sexual na infância e adolescência: a depressão, as crises de ansiedade, crises de pânico, o transtorno bipolar, os surtos psicóticos, a fissura pelo uso de drogas, a automutilação, a ideação suicida e até mesmo o desencadear da esquizofrenia (em indivíduos geneticamente predispostos).
Na fase da adolescência se mantém o padrão, porém, com porcentual muito mais agressivo: o estupro (70,4%) e o assédio sexual (19,9%) seguem como os crimes mais recorrentes. Além de acontecerem na própria residência (58,2%) os crimes são cometidos, principalmente por homens (92,4%) do ciclo familiar ou próximos, como amigos e conhecidos (27,4%), desconhecidos (21,8%), familiares (21,3%), parceiros íntimos (17,1%).
Ainda que seja alarmante, todos esses dados são apenas uma parte da realidade, dada a omissão de pessoas que não denunciam. Além do constrangimento das vítimas que, muitas vezes, não compartilham o sofrimento com ninguém e, com isso, as instituições competentes desconhecem a situação.
Sinais de que a criança ou o adolescente está sofrendo abuso sexual
Embora não seja fácil notar os sinais físicos de um abuso sexual e cada ser tenha o seu modo unimultiplo de sentir e expressar suas dores de existir, clinicamente falando, há alguns sinais que a maioria das crianças e dos adolescentes vítimas de crimes sexuais costumam apresentar. Dentre eles:
- Mudança repentina no comportamento: reclusão silenciosa ou agitação nervosa não verbal. Uma criança vítima de abuso também apresenta alterações de hábito repentinas. Pode ser desde uma mudança na escola, como falta de concentração ou uma recusa a participar de atividades, até mudanças na alimentação e no modo de se vestir
- Recusa e pânico para não ficar em certos lugares ou na companhia de certas pessoas. (Não despreze esse sinal).
- Aproximação excessiva: o contrário também acontece. Muitas vezes a criança se afeiçoa ao abusador por ele ser ‘bonzinho’. Esse ‘bonzinho’ também se mantém muito próximo e demonstra grande interesse na criança. Esse ‘bonzinho’ pede segredo a criança e a faz acreditar que tudo que ele está fazendo com ela é por amor.
- Pode acontecer um retrocesso, uma infantilização, como voltar a fazer xixi na cama, ter medos infundados, chupar o dedo, morder outras crianças, destruir objetos, se machucar propositadamente…
- Demonstra dificuldade de se relacionar, irritação, rebeldia, brigas constantes…
- Demonstra um comportamento sexualizado de maneira incompatível com a idade. Um desenho, uma “brincadeira” com o coleguinha, beijar ao invés de abraçar, tocar nas partes íntimas de outra criança, podem ser sinais de possa estar vivenciando uma situação de abuso. Quando uma criança que, por exemplo, nunca falou de sexualidade começa a fazer desenhos em que aparecem genitais, isso pode ser um indicador. O uso de palavras diferentes das aprendidas em casa para se referir às partes íntimas também é motivo para se perguntar à criança onde ela aprendeu tal expressão.
- Manifesta preferência em ficar pelos ‘cantos’ e não sente interesse em sair nem mesmo para os lugares de que mais gosta.
- Demonstra ter baixa autoestima, se autodeprecia, se sente rejeitado…
- Demonstrar curiosidade extrema por experimentar álcool e outras drogas
- Desenvolver dores crônicas de estômago, disfunção renal e dores de cabeça.
- Sinais físicos: Há também os sinais mais óbvios de violência sexual em menores – casos que deixam marcas físicas que, inclusive, podem ser usadas como provas à Justiça. Existem situações em que a criança acaba até mesmo contraindo doença sexualmente transmissível. Há casos de gravidez na causada por uma violência sexual. É interessante ficar atento também a possíveis traumatismos físicos, lesões que possam aparecer, roxos ou dores e inchaços nas regiões genitais.
O que fazer para ajudar?
Geralmente, não é um sinal só, mas um conjunto de indicadores. É importante ressaltar que a criança deve ser levada para avaliação de especialista caso apresente alguns dos sinais mencionados acima. No caso de qualquer suspeita de abuso ou exploração sexual infantil, não hesite em realizar uma denúncia o mais rápido possível.
- Caso identifique um ou mais dos indicadores listados acima, o melhor a se fazer é, antes mesmo de conversar com a criança, procurar ajuda de um especialista que possa trazer a orientação correta para cada caso.
- Se você conversar com a criança ou adolescente, o conselho dos especialistas é sempre confiar na palavra dela. É importante que a criança possa se sentir ouvida e acolhida; que o adulto não questione aquilo que ela está contando, ou tente responsabilizá-la pelo ato.
- Se tiver dúvidas procure a coordenação da escola, que costuma ter profissionais treinados pra identificar casos de violência sexual.
- Você pode acionar o Sistema de Garantia de Direitos, por meio do Conselho Tutelar, Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) ou Vara da Infância e da Juventude.
- Não se omita – Disque 100. O Disque 100 é o canal de denúncias criado pela Secretária de Direitos Humanos e está preparado para atender e orientar denunciantes e/ou vítimas de violência sexual.
Este artigo foi organizado por Clara Dawn, escritora, neuropsicopedagoga, psicanalista, especialista em prevenção ao suicídio na infância e na adolescência.
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