Na cidade chilena, Iquiaque há um curso de ‘desprincesamento’ para meninas, que as ensina valores de bravura, autodefesa e autoestima. No Brasil, em Uberlândia há uma Escola de Princesas que ensina etiqueta, culinária e organização de casa à meninas de 4 anos. Ambas tem vagas. E aí? O que você acha disso? Leia as duas propostas e opine.
Curso de ‘desprincesamento’ para meninas
Para quebrar padrões de gênero, o Escritório de Proteção de Direitos da Infância de Iquiaque, no norte do Chile, resolveu inovar: criou um seminário de “desprincesamento“.
Segundo o site El Salvador a atividade é voltada para meninas entre 9 e 15 anos da idade.
“Buscamos dar a elas ferramentas para que elas cresçam como meninas livres de preconceitos, empoderadas e com a convicção de que são capazes de mudar o mundo, e que não precisam de um homem do lado para isso”, explica o coordenador do Escritório de Proteção de Direitos da Infância do município, Yury Bustamante ao Mirador de Atarfe.
Entre as atividades, que são desenvolvidas em seis módulos na Casa de Cultura da cidade, há debates, aulas de defesa pessoal, cantorias e atividades manuais. Tudo com o objetivo de que as meninas reflitam sobre o conceito de ser mulher, beleza e felicidade, sem que haja um “príncipe” (ou uma “metade da laranja”, “alma gêmea”, “tampa da panela”) embutido nesse conceito.
“A ideia é por em questão as ideias legitimadas pelos contos de fadas e pelos filmes clássicos da Disney, entre outras expressões”, afirma o La Voz.
Ao periódico argentino, Bustamante disse que deseja “abrir espaços de discussão com as meninas sobre desigualdade de gênero, mas com elementos que elas possam identificar, para que elas tenham uma oportunidade de incorporar outros elementos na construção de sua identidade como meninas”.
E a atividade foi sucesso: segundo o El Patagónico, as 20 vagas disponibilizadas foram preenchidas rapidamente e já foram registrados pedidos que a oficina se repita ao longo do ano.
Um dos países mais estáveis da América Latina, o Chile também trabalha duro para inserir mais mulheres em seu mercado de trabalho. Segundo o governo, o país conta com uma das taxas mais baixas de participação feminina no mercado de trabalho no mundo. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatísticas do país, entre novembro de 2014 e janeiro de 2015, 48,3% das mulheres maiores de 15 anos se declarou trabalhando ou em busca de emprego. Na mesma pesquisa, contrasta a participação masculina no mercado de trabalho: 72%. (Fonte: Huffpost Brasil)
Quando a porta do número 853 da Avenida Doutor Laerte Vieira Gonçalves, em Uberlândia (MG), se abre, o visitante pode achar que está numa tradicional casa de boneca: o cor-de-rosa toma conta das paredes, das mesas, dos móveis, dos utensílios e dos uniformes. A cor só alterna com o branco e com o dourado presente nas coroas. Na mesa de chá ao fundo, jogo de chá completo com estampas florais e guardanapos decorados. Bem-vindo à Escola de Princesas.
Fundada em 2013 pela psicopedagoga Nathalia de Mesquita, a ideia veio de um sonho, literalmente. “Numa noite eu tive um sonho que eu trabalhava numa escola de princesas, e eu achei aquilo maravilhoso, achei um lugar diferente, eu pensava: ‘se eu tivesse uma filha, era isso que eu gostaria de ensinar para ela’. No dia seguinte, eu comentei com meu marido e, como ele tem uma visão empreendedora, por que não? E como eu gosto de desafios, comecei a pesquisar e vi que havia a possibilidade. Embora fosse algo inédito, não sabia da aceitação, a gente abriu. E foi um sucesso”, contou a fundadora ao E+.
Lá, o curso tradicional de três meses ensina meninas de quatro a 15 anos desde os valores de uma princesa – como humildade, solidariedade e bondade – e como arrumar o cabelo e se maquiar até regras de etiqueta, de culinária e como organizar a casa. As aulas são ministradas por profissionais diversos, entre cabeleireiros, cozinheiras, nutricionistas e psicólogos.
Num Chá de Princesas realizado em nossa visita na escola, as meninas, todas vestidas com camisetas polo brancas com golas cor-de-rosa e saias na mesma cor, aprendem todos os detalhes de como se portar à mesa. “Ou a gente põe a mão no colo, ou pode permanecer com a mão na mesa. O cotovelo, nunca”, é uma das regras básicas que as meninas aprendem, além de saber até como mover os dedos ao pegar numa xícara e como usar um guardanapo – que não foge à regra e tem a mesma cor onipresente no local.
Chá das Princesas: Nessa aula, as meninas aprendem a postura correta na mesa e como utilizar xícaras, talheres e guardanapos. Chá das Princesas: Nessa aula, as meninas aprendem a postura correta na mesa e como utilizar xícaras, talheres e guardanapos.
‘O sonho de toda menina é tornar-se uma princesa’ é o mote da escola, que recebe críticas por ser, supostamente, um retrocesso ao ensinar tarefas domésticas apenas para meninas, como se ensinasse que lugar de mulher é na cozinha. Mas a fundadora discorda, e acredita que quem pensa assim não conhece a real proposta do local.
“A gente pega pelos depoimentos das mães: a prova delas é em casa, então eu quero que as mamães falem como está sendo lá fora, porque a minha expectativa é que elas reproduzam o que aprendem aqui lá fora, que ela seja uma grande mulher, que consiga superar os desafios. Aqui a gente brinca assim: ‘tô saindo para uma festa, o botão da minha roupa caiu, vou desesperar?’ Não! Opa, vou lá, cato uma agulha, em dois minutos prego um botão e pronto, resolvi o problema. Não vou pedir para a mãe, não vou chorar, não vou trocar de roupa por causa disso. A nossa expectativa é que elas sejam grandes mulheres, grandes empresárias, quem sabe uma que tá sentada aqui, amanhã, não vai ser a presidente do Brasil? Que vai ter uma cabeça e pensar: ‘Eu sei lidar com qualquer situação.'”, explica Nathalia.
Ela continua dizendo que espera que as ‘princesas’ ali possam ser mulheres completas em todos os aspectos. “Hoje em dia a gente vê que ou uma mulher só é focada em trabalho, carreira, e toda essa parte da família, das coisas do dia a dia, ficou para trás; Ou às vezes a mulher a mulher só fica nessa de ‘vou ser uma boa mãe, uma boa esposa’, e sacrifica a carreira e a parte acadêmica. E por que uma mulher não pode ser completa? Por que eu tenho de abrir mão da minha carreira para ser mãe? Ela pode ser mãe, ela pode ter a carreira dela, ela pode ser dona de casa, ela pode ser o que ela quiser”.
O discurso esbarra no fato de que a escola não aceita meninos. Mesmo assim, diz defender o ideal de direitos igualitários entre os gêneros. A mãe de uma das alunas, a pedagoga Lidiane de Melo Nicurgo, acredita que há um “movimento de mulheres que querem direitos iguais”, mas ela acredita em “papéis diferentes”. Isso porque, mesmo “em tempos em que a mulher trabalha fora”, ela ainda tem que “desenvolver em casa outras funções, ela [a mulher] tem a maternidade, a função de parceira do trabalho, tem etiqueta, roupa de cama, comida para fazer em casa”. Lidiane acredita que a escola contribui para que sua filha “divida essas tarefas de forma mais leve” com o parceiro.
A proposta de criar ‘princesas independentes’ ainda se confunde com o resgate de certos costumes antigos. “Hoje os pais identificam a escola de princesas como um apoio à família, aquilo que se perdeu ao longo do tempo. A vovó ensinava para a mamãe, a mamãe nos ensinou e hoje a gente não tem mais esse tempo, porque a gente saiu para o mercado de trabalho, vieram vários fatores, então a gente não senta mais com a nossa filha e fala como ela deve arrumar a gaveta, como fazer um arroz”, conta a fundadora.
Além disso, toda a atmosfera cor-de-rosa e a feminilidade exaltada pelo local remetem a um estereótipo feminino que vem sendo tão combatido. Mesquita conta que sempre há uma pergunta nas aulas: ‘Como seria um mundo sem as mulheres?’ E, todas as vezes, todas as meninas falam: ‘seria muito triste, não teria cores’. “Para ter essa ideia de que tem coisa que é da mulher. Na visão de todas as meninas que vem aqui, elas falam que ‘não teria rosa, não teria essa doçura, essa delicadeza'”, acredita.
Príncipe encantado. Mas o que desperta a vontade das pequenas ‘princesas’ de conhecer a escola é mesmo a ‘fantasia’ de ser uma princesa. Durante uma aula de etiqueta à mesa, o chá das princesas, as meninas, de oito a dez anos, contam que suas princesas favoritas são da Disney. Uma prefere a Aurora, de A Bela Adormecida, enquanto outra prefere a Bela, de A Bela e a Fera.
Gabriela, de nove anos, acredita, porém, que uma verdadeira princesa não precisa de adereços: “Você não precisa de coroa nem vestido, você precisa ser boa, ser gentil, tem que ajudar o próximo, não pode pensar em si mesma, tem que pensar no próximo”, e ainda acredita que nem sempre é necessário um príncipe.
Por falar em príncipe, os relacionamentos amorosos são temas frequentes das aulas com meninas mais velhas. Uma princesa deveria esperar pelo príncipe encantado? “Sempre tem a pergunta, elas estão naquela idade da curiosidade, que é cada vez mais cedo. Essa geração gosta das coisas muito rápidas, e não tem muito compromisso, é o ficar por ficar, experimentar sensações novas, e isso pode ser um perigo”, diz a fundadora.
Os perigos, ela explica, vão desde à gravidez indesejada e doenças sexualmente transmitíveis até ‘consequências sociais’. “A gente fala aqui que, quando a gente come uma fruta verde, ela não é tão saborosa como quando ela é madura, porque ela não esperou. Tudo o que é mais esperado é mais gostoso. A gente tenta levar esse conceito mesmo de saber se guardar”, conta a criadora da escola.
Assim, a psicopedagoga acredita que as meninas devem se ‘privar’ para evitar a imagem ruim para os meninos. “Eu tenho um filho adolescente e às vezes ele fala: ‘mãe, aquela menina tá superfalada, ninguém mais quer ficar com ela’. É uma menina de 14 anos. Ainda existe esse preconceito, por mais que a gente já tenha conquistado nosso espaço, é diferente. O homem pode fazer o que quiser e nunca vai ser rotulado, mas a mulher ainda vai”, relata.
Por fim, ela se defende: “Se ela quiser, lógico, ela é livre, aqui nada é imposto. Mas o tempo todo a gente deixa ciente que todas as escolhas tem as consequências. Então a gente trabalha nesse sentido a questão do relacionamento”.
A Escola de Princesas tem unidades em três cidades de Minas Gerais e vai inaugurar, em breve, uma em São Paulo. (Fonte: O Estadão)
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