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“Quando eu tive tempo descobri que o meu tempo tinha acabado” – Refletindo com Eliane Brum

Selecionamos e transcrevemos os melhores trechos da entrevista de Eliane Brum ao programa Provocações (vídeo abaixo), com Antônio Abujamra. Confira:

QUANDO EU TIVE TEMPO EU DESCOBRI QUE O MEU TEMPO TINHA ACABADO

A maioria de nós vai morrer de velho, vai morrer de doença. E não de bala perdida, acidente  ou assassinato. E essa morte que maioria de nós vai ter é uma morte calada, uma morte silenciada. Era esse confronto que eu queria ter. Então eu acompanhei essa mulher que se chama… chamava Ilse de Oliveira Souza nos últimos 115 dias da vida dela. Uma das primeiras coisa que ela me disse, porque ela tinha acabado de se aposentar quando teve um câncer em um lugar incurável e ela disse assim: “Quando eu tive tempo eu descobri que o meu tempo tinha acabado”.  Isso eu acho que algo muito profundo. A partir dessa matéria eu tomo várias decisões na minha vida que é para eu me reapropiar do meu tempo.

 A GRAÇA DA VIDA É UMA DÚVIDA REDONDINHA QUE FOGE ENTRE OS DEDOS

O povo brasileiro tem uma linguagem extremamente sofisticada, tem a chave de linguagens maravilhosas. Muitas vezes em me deparei com analfabetos que faziam literatura pela boca. E eu pensava: Nossa, esse cara está fazendo literatura pela boca. E ele “tava”. E essas pessoas me ensinaram que a vida escapa da gente, escapa pelo meio dos dedos, então a gente tem que andar pelo mundo sabendo disso. Que aquela certeza o que a gente alcança ali não é uma certeza, é só uma dúvida que está redondinha, mas ela já vai escapar, virar outra coisa e essa é a graça da vida, essa é a graça da reportagem porque se tu já sabes não existe reportagem. A graça não é uma causa perdida.

QUEM CONTA A HISTÓRIA DO PAÍS É O HOMEM E A MULHER COMUM

Eu sou demasiada, eu sou exagerada. A reportagem está fortalecida com esse processo que a gente tem com a Internet. Quando a Internet multiplica o número de narradores ela dá possibilidades para que as pessoas possam contar suas histórias porque durante todos esses anos, antes da Internet, quem contava ou conta a história contemporânea é a imprensa. E a imprensa tradicional sempre contou a história de quem fazia sucesso, de quem tem dinheiro, quem supera uma grande coisa ou faz algo que ninguém fez.

Esse homem e mulher comum que construíam o país não era contado na história porque é a imprensa que documenta a história cotidiana. Isso de não ser contado na história tem impacto profundo na vida das pessoas. O jeito delas olharem pra você, e o jeito delas olharem para o outro. A internet muda isso. Nas periferias, especialmente na periferia de São Paulo, eles estão criando um mercado novo para os seus próprios livros. Eu, por exemplo, lanço todos os meus livros na periferia, no sarau da periferia lanço o meu último documentário que foi Gretchen Filme Estrada. Eu o apresentei no Cinema Laje. (Ali) recebo um outro tipo de olhar, um outro tipo de retorno. E as pessoas estão fazendo cinema nas escadarias, cinema nos muros, sarau em toda parte porque elas querem cultura.

A GRANDE REPORTAGEM NASCE QUANDO TUDO SE PERDE, QUANDO TUDO DÁ ERRADO

Um bom repórter tem dois instrumentos: o olhar e a escuta. Ele só precisa disso. Se você foi a algum lugar, falou com as pessoas e não enxergou, não é porque a pessoa não tem o que dizer. É que você não enxergou. E o escutar é escutar o que aquela pessoa está te dizendo e o que ela não está te dizendo. Às vezes o que ela não está te dizendo é tão importante ou mais do que está dizendo. O silêncio é importante. A grande reportagem acontece quando tu és surpreendido, a grande reportagem nasce do espanto. A grande reportagem nasce quando tudo se perde, quando dá tudo errado.  Quando tu vais buscar uma coisa e encontra outra, pois se tu vais buscar uma coisa, tu já sabes que essa coisa existe.

APARADORAS DE MENINO

Escrevi Parteiras do Amapá porque eu queria contar a história desse parto que ainda é um mistério feminino. Dessa parte que é uma coisa de mulher.  Eu queria conhecer essas mulheres que vivem esse mistério mesmo. Eu fui para o Amapá que naquela época, porque hoje não sei, exatamente, como são os números, mas, em dois mil, a maioria das crianças nascia por essas pegadoras de meninos, e era muito interessante porque a maioria delas não gostava do que fazia, mas que eram escolhidas, que era uma escolha que vinha, de repente… e aí elas iam. Eu entrevistei uma índia que tinha 95 anos, uma índia Karipuna e ela dizia assim: Isso em português, que é a segunda língua dela:  “As parteira andam nas horas mortas da noite para povoar o mundo”.  É uma coisa linda. O nome dessas mulheres é ‘pegadoras de menino’ ou ‘aparadoras de menino’.

 

Fonte: Trechos transcritos do programa Provocações 553, TV Cultura, com Antônio Abujamra.

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