Ser pai ou mãe é um trabalho difícil. E não é de admirar que nem todos nós somos bons nessa tarefa. Todos nós trazemos uma boa quantidade de comportamentos do passado para a nossa personalidade. Eu estive no papel de ser mãe/educadora por quase 28 anos. Vou dizer, sem um pingo de ironia, que até então eu jamais havia assumido uma função tão desafiadora, mesmo que tivesse a vida toda lidado com grandes trabalhos burocráticos. Ser mãe requer muita flexibilidade mental e paciência, mas eu carregava dor e danos causados pela minha própria mãe e talvez, por isso, eu tivesse uma urgência real em ser a melhor mãe que eu poderia: eu estava determinada em quebrar os padrões tóxicos que dominaram as relações mãe-filha na minha família há pelo menos duas gerações, talvez três.
O trabalho de ser pai ou mãe é um comportamento aprendido por nossa espécie e nada impede que sejamos estudantes dedicados. É psicologicamente incontestável que o mau comportamento exerce força memorável maior do que o bom. Os filhos esquecem os presentes, mas não esquecem as surras. Isso significa que eventos negativos têm um impacto muito mais significativo sobre os seres humanos do que os bons. A evolução pode explicar isso. Para aumentar as chances de sobrevivência, os mais resistentes dos nossos antepassados eram muito mais reativos à coisas ruins, pois precisavam estar atentos. Essa reação os entregou à memória mais rápida e mais completa à dor, ao medo, ao abandono…do que às raras regalias. E é assim, ainda hoje, que o nosso cérebro se comporta até os dias de hoje.
Mary Hartzell, mestre em psicologia e educação infantil, tem mais de 30 anos de experiência trabalhando com crianças, pais e professores. Em seu livro “Paternidade de dentro para fora” ela diz que quando você está na estrada como mãe ou pai, é possível que você não esteja consciente da bagagem emocional que você leva e nem se dá conta de que é essa bagagem que desencadeia as piores e as melhores respostas da viagem. O reconhecimento dessa bagagem tende a explicar o seu próprio comportamento durante a viagem, lhe ajuda a refletir sobre ele e a molda-lo conforme seja necessário.
Imagine que o seu filho começa a chorar quando você está no meio de uma tarefa importante e você reage com sentimentos de irritação: “Caramba, eu tenho coisas a fazer neste instante” e viagem emocional fora de controle tira a sua capacidade de ser empática. Você se sente rasgada emocionalmente e grita com a criança: “Vá para o seu quarto agora. Se você não parar de chorar, eu vou te dá motivo para chorar de verdade!”. Mas no mesmo instante você pensa: “Eu preciso descobrir por que a criança está chorando. Eu preciso parar o que estou fazendo e passar alguns minutos ajudando-a a se acalmar. Esse é o reconhecimento inconsciente de que você precisa superar sua bagagem e atrair o melhor de si na condição de mãe ou pai do seu filho.
Quando finalmente você reconhece e ressignifica os traumas sofridos na infância, você passa a evitar os seguintes comportamentos:
Se o pai ou a mãe chama uma criança que chora de “bebê chorão“ ou de “maricas” ou, pior: dizer a uma criança que ela é “estúpida”, “gorda” ou “preguiçosa”, o estrago está feito: Palavras provocam ferida profundas, às vezes, mais do que tapas. Uma pesquisa recente mostra que as redes neurais para a dor física e emocional são a mesma, o tipo de estresse provocado pelo abuso verbal provoca mudanças duráveis num cérebro em desenvolvimento.
Em 2014, estudiosos examinaram se a fala afetuosa de um dos pais poderia compensar os efeitos da violência verbal do outro pai. A conclusão foi desesperadora: A fala afetuosa por qualquer um dos pais, em primeiro lugar, não aliviava os efeitos da agressão verbal do outro, pois no cérebro em desenvolvimento da criança, o mau é mais forte do que bom.
Envergonhar, constranger, humilhar uma criança também são comportamentos abusivos que causam danos duradouros. Se você pensa em falar com o seu filho desta maneira para torná-lo “mais forte” ou para que ele “fique mais atento”, você pode estar completamente errado. Filhos não amados dizem que prefeririam que um pai tivesse lhes batido fisicamente, porque, assim, as cicatrizes iriam desaparecer com o tempo, ao contrário das feridas emocionais que não desaparecem. Não se iluda: as palavras são armas.
As crianças cometem erros e, às vezes, elas se comportam mal. Tudo isso é verdade e, como um pai ou uma mãe zelosa, haverá momentos em que uma reprimenda é necessária. Se eles fazem exatamente o contrário do que você lhes disse para fazer, o seu primeiro impulso pode ser de atacar, porque essa parte do seu cérebro – a parte reativa – é enérgica, mas esse é o momento em que você deve trabalhar para transitar por uma estrada com boa sinalização.
As palavras “você sempre…” transforma o que é hipótese em uma afirmação. Este comportamento é altamente tóxico e devastador para o senso de autoavaliação da criança, segundo o especialista em parentalidade, John Gottman.
Este foi o mantra da minha mãe, dizer que eu era “muito sensível” sempre que eu estava sofrendo. Esse é um comportamento comum entre os pais, uma linguagem de desamor, uma vez que efetivamente transfere a responsabilidade e a culpa de um acontecimento ruim às supostas insuficiências da criança de lidar com questões, emoções e sentimentos que ela não compreende. Uma criança não tem a autoconfiança para contrariar esta afirmação e, muitas vezes, acredita que sua sensibilidade é uma fraqueza que causa problemas. Então ela, por sua vez, passa a desconfiar que seus sentimentos e percepções estejam sempre equivocados: “O que eu sinto não importa para mim ou qualquer outra pessoa”, e, “A culpa é minha, porque algo está errado comigo”.
O grande problema da comparação é que ela pode trazer prejuízos para o desenvolvimento da autoestima, principalmente se o filho ainda for criança. — A comparação dificulta o autoconhecimento, porque a criança passa a querer ser o outro, e então ela não consegue se ver como pessoa. E ela precisa se reconhecer e se compreender para observar as mudanças que precisa fazer si mesma, ao invés de querer reproduzir tudo o que o outro faz porque é assim que seus pais querem. Toda criança quer ser amada pelos pais e teme perder o amor destes. A comparação entre os irmãos estimula a rivalidade, fomenta e amplia a competição. Além disso, frustra a criança porque ela não consegue ser aquilo que pensa que os pais querem dela, mas também não consegue descobrir quem ela é.
Um dos principais sinais de que você não quer levar adiante a toxidade sofrida na sua infância, é fazer ajustes ao seus saberes parentais ao longo do caminho para que seu filho cresça e se desenvolva com autonomia, amor próprio, independência emocional e respeito à sua individualidade e o seu espaço pessoal. Respeitar o espaço pessoal da criança é permitir que sua vontade seja ouvida e considerada. Significa valorizar os seus esforços, permitir que ela descubra alguns caminhos sozinha, respeitar o ritmo de aprendizado dela, entender que ela é especial do seu próprio jeito. Respeitar a criança é também respeitar a concentração dela.
É essencial ensinar as crianças a identificar e compreender este espaço pessoal, modelando comportamentos adequados, planejando atividades de aprendizado em casa para que as crianças tenham lições valiosas na vida diária. Desta forma, as crianças aprenderão a respeitar o espaço de vida do outro, mas também a si mesmas e também as crianças aprenderão a evitar situações inadequadas na vida que possam ser perigosas.
Há inúmeras maneiras para que os pais ignorem as fronteiras de uma parentalidade abusiva e tóxica. Pais/mães autoritários que ignoram a criança como indivíduo com qualidades únicas especiais e exigem o cumprimento de um conjunto rígido de regras e normas, das quais nem eles são capazes de cumprir, colocam a criança em um papel onde ela tenta constantemente agradar ou apaziguar a tirania sofrida. Estes pais/mães ainda podem zombar da criança dizendo coisas impensadas que podem depreciar a vontade da criança, como por exemplo, dizer ao menino que dançar balé é coisa só de menina ou dizer para a menina que futebol é coisa só de menino. Crianças precisam da aceitação dos pais em atividades que ela julga valiosa para si. Tudo isso enfraquece o sentido do “eu” de uma criança e a isola da perspectiva de ser quem ela deseja ser.
Quando pai/mãe são egocêntricos eles veem a criança apenas como uma extensão de si mesmos, não permitem que ela busque seu próprio espaço e autonomia e não reconhecem as fronteiras individuais da criança. Estas crianças se tornam mimadas crônicas, inseguras, sem um verdadeiro sentimento de autoestima. Filhos mimados podem sofrer nos relacionamentos adultos porque não têm boa autoestima e assim se tornam esquivos na comunicação, ao mesmo tempo que são ansiosos e “pegajosos”.
Pais helicópteros e super protetores também não reconhecem que a criança necessita ter seus momentos de aprender a lidar com os riscos e as frustrações. Ao contrário, esses pais sufocam seus filhos emocionalmente com uma presença desnecessária. Os pais que não permitem que os seus filhos possam cometer erros e aprender com eles, terão sustentá-los por toda a vida.
Quando os pais/mães não reconhecem que a missão deles é irem se tornando desnecessários à medida que a criança cresce, eles passam a mensagem de que a criança é incapaz de funcionar por conta própria, passam a mensagem de que a educação que eles oferecem não é capaz de preparar a criança para viver num mundo sem eles.
Reflita: O trabalho de ser pai ou mãe é um comportamento exclusivo da nossa espécie e nada impede que sejamos estudantes dedicados, aprendendo e crescendo com os nossos erros e sempre cortando a estrada mais elevada.
Texto extraído dos ensinamentos de Mary Hartzell, mestre em psicologia e educação infantil, tem mais de 30 anos de experiência trabalhando com crianças, pais e professores. Ela é coautora do livro “Paternidade de dentro para fora”.
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