“Dizer que felicidade dá medo é muito engraçado, porque o que todo o mundo mais quer é ser feliz. Mas a verdade é que, quando a pessoa sente que está tudo ótimo, ela começa a sentir que um raio vai cair em sua cabeça a qualquer momento.
Não há nada capaz de provocar medo maior da felicidade do que a felicidade sentimental, que é o sonho da maior parte das pessoas – o encaixe sentimental. Quanto mais as pessoas ficam encaixadas e felizes em uma relação amorosa maior é o medo que elas têm de que um raio caia em suas cabeças, que estrague tudo, ou de que alguma tragédia grave aconteça. E essa iminência de tragédia é uma sensação tão ruim que as pessoas, às vezes, preferem abrir mão de tal felicidade só para se livrarem dessa sensação horrorosa de iminência de tragédia – essa é uma das maiores causas dos mecanismos autodestrutivos.
O mecanismo autodestrutivo é sempre relacionado com não suportar a coisa boa que se tem, então, se destrói um pedaço dela – paga-se um dízimo. Até para tomar pinga as pessoas têm que dar uma parte dessa bebida para o santo.
O fator mais importante desse encaixe sentimental é o medo da felicidade, um fenômeno universal que está na raiz do pensamento supersticioso desde que o Homem é Homem: se estiver tudo bem é necessário bater na madeira, entre outros rituais, para que não haja nenhuma tragédia iminente. E no amor o pavor é maior ainda. Mesmo em sociedades bastante pragmáticas e supostamente civilizadas existem preconceitos contra números. Por exemplo, até recentemente, nos aviões americanos, não havia poltrona de número treze, e em alguns prédios mais antigos, até hoje, pula-se o décimo terceiro andar.
Eu trabalho com a hipótese de que o medo da felicidade está relacionado com o trauma do nascimento: estávamos nós no útero em total harmonia, sendo este o primeiro registro cerebral, e o segundo registro cerebral é uma dramática ruptura daquela harmonia em que vivíamos. Então toda vez, na vida adulta, que conseguimos chegar perto de alguma harmonia começa a vir imediatamente o medo, como se fosse um reflexo condicionado, de que outra tragédia/destruição irá acontecer. Agora não será o nascimento e sim a morte, uma ruptura iminente. Tudo isso relacionando o amor com o fenômeno do nascimento e a destruição com a experiência relativa ao medo da própria felicidade”.
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