Em uma época em que as telas dominam o cotidiano, as crianças estão gradualmente desaprendendo a brincar livremente. Com rotinas hiperestimuladas por aplicativos, vídeos, jogos e redes sociais, o espaço para a criatividade espontânea, a imaginação e a expressão emocional genuína tem sido cada vez mais reduzido.
O que parece inofensivo à primeira vista – como uma criança entretida em frente a um tablet – pode, na verdade, comprometer aspectos essenciais do desenvolvimento psíquico e emocional que, se negligenciados, podem se refletir em dificuldades emocionais e relacionais na vida adulta. Mais do que nunca, é urgente refletirmos sobre o valor do brincar livre como um direito da infância e como uma necessidade vital para a construção da saúde mental.
É brincando livremente que a criança elabora suas angústias
Melanie Klein (1882–1960), uma das mais importantes psicanalistas da história, revolucionou a compreensão da infância ao introduzir o brincar como ferramenta principal de acesso ao mundo interno da criança. Enquanto Freud utilizava a associação livre na clínica com adultos, Klein observou que as crianças, ainda sem domínio completo da linguagem verbal, expressavam seus sentimentos mais profundos por meio das brincadeiras.
Para ela, o brincar era um ato simbólico, uma “fala emocional”, através do qual a criança elabora angústias primitivas, organiza fantasias inconscientes e constrói recursos para enfrentar a realidade. Brincando, a criança lida com experiências de perda, medo, amor, agressividade e reparação. O brincar livre é, portanto, um pilar central na formação de uma vida emocional saudável.
5 maneiras de aplicar os saberes de Melanie Klein na educação emocional das crianças na era da hiperconectividade
Segundo Klein, o brincar é coisa séria. E dar esse direito às crianças é investir num futuro emocionalmente mais saudável para todos nós. Veja aqui: 5 maneiras de aplicar os saberes de Melanie Klein na educação emocional das crianças na era da hiperconectividade:
1 – Oferecer tempo e espaço para o brincar livre, sem roteiros ou objetivos específicos
Crie momentos diários em que a criança possa brincar sem regras impostas, sem expectativas de produtividade ou aprendizado formal. Apenas brincar, ser, inventar, criar.
2 – Reduzir conscientemente o tempo de tela
Estabeleça limites claros e saudáveis para o uso de telas, priorizando brincadeiras físicas, artísticas e imaginativas, mesmo que, a princípio, a criança mostre resistência.
3 – Observar a brincadeira sem interromper
Apenas assistir, sem direcionar, corrigir ou interpretar de forma precipitada. Deixe que a criança conduza seu brincar. Esse espaço de liberdade é o que permite que sentimentos inconscientes venham à tona e sejam simbolizados.
4 – Interpretar com sensibilidade
Caso a criança traga em sua brincadeira temas como medo, perda, agressividade ou reparação, acolha essas manifestações com empatia, entendendo que elas são tentativas de elaborar experiências internas. Não minimize ou ridicularize.
5 – Oferecer materiais simples e simbólicos
Disponibilize brinquedos que favoreçam a criatividade: blocos de montar, bonecos, tecidos, argila, lápis de cor, caixas de papelão. Evite brinquedos excessivamente eletrônicos ou que limitem a imaginação.
Em suma: proteger o espaço do brincar livre é uma forma de proteger a própria saúde emocional da criança. Buscar informações em fontes confiáveis, contar com apoio de profissionais qualificados e construir redes de apoio para pais e responsáveis são atitudes fundamentais para atravessar esse desafio contemporâneo com consciência e afeto.
Fontes pesquisadas e sugeridas
- Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana – Artigos sobre Melanie Klein
- SBPSP – Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo: O brincar e a psicanálise
- Child Mind Institute – Screen Time and Children
- Portal Raízes – Educação Parental e Saúde Emocional