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Desde o século 19 as campanhas de vacinação precisam lidar com as fake news

As vacinas são substâncias biológicas introduzidas nos corpos das pessoas a fim de protegê-las de doenças. Na prática, elas ativam o sistema imunológico, “ensinando” nosso organismo a reconhecer e combater vírus e bactérias em futuras infecções. A vacina é, portanto, uma importante forma de prevenção contra doenças. Poliomielite, tétano, coqueluche, sarampo, rubéola, gripe, febre amarela, difteria e hepatite B são exemplos de doenças que podem ser prevenidas atualmente pela vacinação.

Os primeiros vestígios do uso de vacinas, com a introdução de versões atenuadas de vírus no corpo das pessoas, estão relacionados ao combate à varíola no século 10, na China. Porém, era aplicada de forma bem diferente: os chineses trituravam cascas de feridas provocadas pela doença e assopravam o pó, com o vírus morto, sobre o rosto das pessoas.

“Poucas coisas tiveram um impacto maior na saúde pública do que vacinas”

Um garoto vacinado contra varíola e outro que não havia sido vacinado – foi publicada em 1901 e tirada pelo Dr. Allan Warner no Hospital de Isolamento de Leicester. Foto: The Jenner Trust. Infelizmente a midia e jornalismo da época não divulgam fotos impactantes como essa.

A varíola já foi uma doença epidêmica comum que cegava,  desfigurava ou matava suas vítimas. No século XVIII seu impacto foi reduzido na Europa por uma prática chinesa chamada variolação, a injeção de fluido de varíola de um ser humano infectado em um ser humano saudável.

A variolação tornou-se uma prática popular na Grã-Bretanha. Em 1798, Edward Jenner (1749-1823) propôs uma modificação da variolação chamada vacinação, que envolvia a injeção de fluido de uma vaca infectada em seres humanos.

Foi em 1798 que o termo “vacina” surgiu pela primeira vez, graças a uma experiência do médico e cientista inglês Edward Jenner. Ele ouviu relatos de que trabalhadores da zona rural não pegavam varíola, pois já haviam tido a varíola bovina, de menor impacto no corpo humano. Ele então introduziu os dois vírus em um garoto de oito anos e percebeu que o rumor tinha de fato uma base científica. A palavra vacina deriva justamente de Variolae vaccinae, nome científico dado à varíola bovina.

Em 1881, quando o cientista francês Louis Pasteur começou a desenvolver a segunda geração de vacinas, voltadas a combater a cólera aviária e o carbúnculo, ele sugeriu o termo para batizar sua recém-criada substância, em homenagem a Jenner. A partir de então, as vacinas começaram a ser produzidas em massa e se tornaram um dos principais elementos para o combate a doenças no mundo.

“Poucas coisas tiveram um impacto maior na saúde pública do que vacinas. E poucas coisas hoje são mais eficientes em termos de custo para salvar vidas, fortalecer sociedades e moldar o futuro da saúde humana”. Anthony Lake, diretor-executivo da Unicef, em discurso.

Por que existem pessoas que são contra as vacinas?

Contestações a vacinas existem desde que as primeiras campanhas para vacinação foram organizadas. Elas são feitas a partir de argumentos que evocam a ética, a efetividade e a segurança dessas substâncias.

No Brasil, um episódio épico nesse sentido marcou a primeira campanha de vacinação lançada pelo governo federal. Foi em 1904, no Rio de Janeiro, quando o Estado lançou uma campanha de vacinação obrigatória para combater a varíola.

O projeto, no entanto, foi aplicado de forma autoritária: com pouca informação dada à população, agentes sanitários invadiram casas e vacinaram pessoas à força, provocando uma grande reação popular, que entrou para a história nacional como a “Revolta da Vacina”. Boa parte da população não sabia do que se tratava a substância e temia ser infectado pelo vírus da doença a partir da injeção.

Cientistas afirmam que o desconhecimento sobre o tema e a existência de inúmeros boatos e informações sem embasamento científico sejam responsáveis por um grande número de ocorrências de doenças que poderiam ser evitadas, caso as instruções sobre vacinação fossem seguidas.

Grupos antivacinas no século XIX:

  • Diziam que as vacinas fariam você ficar doente e culpavam o despotismo médico, “uma coisa dura, materialista, infiel” pela criação dos atos de vacinação.
  • Alertavam sobre produtos químicos venenosos em vacinas, ou seja, o ácido carbólico na vacina contra varíola.
  • Diziam que a vacina de varíola de Jenner não funcionava.
    Indicavam práticas médicas alternativas, incluindo herbalistas, homeopatas e hidropatas, etc.
  • Usavam sua própria literatura (sem fundamentação alguma, apenas berros de casos duvidosos particulares) para assustar as pessoas e afastá-las de vacinas.
© The Trustees of the British Museum

O título da obra é : The Cow-Pock-or-the Wonderful Effects of the New Inoculation (A picada de Vaca ou os Maravilhosos Efeitos da nova inoculação), onde se pode ver chifres nascendo na testa de uma mulher; mulher grávida parindo bebê-bezerro e colocando um bezerro também pela boca e vacas saindo de nádega, braços, nariz, orelha e rosto.

Descrição: Uma cena em uma instituição de vacinação repleta de pessoas; pacientes pobres se aglomeram por uma porta à esquerda; na sala estão aqueles cujo tratamento (variolação) desencadeou sérias consequências; no centro, o Dr. Edward Jenner aplicando inoculação no braço de uma mulher. Ao lado do Dr. Jenner um rapaz de baixa estatura carrega um balde cheio de supurante “Pus de Vaca“.

Desenho colorido à mão. No canto esquerdo, o grupo enfileirado aguarda uma concha de remédio retirado de um balde. Em um dos frascos abaixo do balde está escrito “Vômito.” No canto inferior direito, temos a data 12 de junho de 1802 e nome da publicação e referência à Anti-Vaccine Society.

O Monstro da Vacinação comia crianças e as evacuava. Charge associada à vacina em 1802.

Um monstro sendo alimentado por cestos com bebês e excretando os bebês com chifres; simbolizando a vacinação e seus efeitos. Desenho de Charles Williams, 1802. O corpo do monstro está cheio de feridas pustulentas, com nomes escritos. Investigue quais os nomes escritos. Descrição: Uma propaganda contra a introdução da vacinação como medida preventiva contra a varíola.

Desde o século 19 as campanhas de vacinação precisam lidar com as fake news

Isso talvez não seja muito surpreendente, já que depois da vacina contra a varíola de Jenner, levaria quase 100 anos até que outra vacina fosse desenvolvida — a vacina de Louis Pasteur contra a raiva em 1885. Ao longo das décadas seguintes, as outras vacinas vitais que conhecemos hoje foram desenvolvidas, incluindo a vacina DPT, vacinas contra a Pólio e MMR, etc.

Panfleto de 1902 convidando a participar da Sociedade Anti-Vacinação da América.

O movimento antivacina estava vivo e bem durante esse tempo, continuando a usar as mesmas táticas de desinformar, assustar e vender outros tratamentos para pais e a sociedade de modo geral.

Em 1973, John Wilson e M. Kulenkampff relataram 50 crianças atendidas ao longo de 11 anos no Hospital for Sick Children em Londres. Ele relatou um grupo de complicações neurológicas nas primeiras 24 horas de crianças que receberam a injeção de DPT, mesmo que sua equipe não tenha visto as crianças por meses ou anos depois. Um ato irresponsável de propagar desinformação, sem base e sem acompanhamento necessários. Em 1974, eles relataram as descobertas de 36 dessas crianças no Arquivo de Doenças na Infância.

Como em um relatório posterior de Wakefield, a cobertura irresponsável da mídia deste pequeno estudo levou ao medo de vacinas e a taxas de imunização mais baixas. John Wilson até apareceu no “This Week”, um programa de TV em horário nobre no Reino Unido. As consequências não foram inesperadas. Além de um grande surto na Inglaterra, com pelo menos 100.000 casos e 36 mortes, houve surtos de coqueluche e mortes também no Japão, Suécia e País de Gales após este caso ser divulgado por uma imprensa sensacionalista. No entanto, as mortes por coqueluche no Reino Unido foram provavelmente subnotificadas, e alguns especialistas acham que o número real de mortes na infância foi próximo de 600.

Embora muitas pessoas pensem que o “DPT: Roleta de Vacina” de Lea Thompson em 1982 ajudou a criar o movimento antivacina moderno, deve estar claro que já haviam muitas influências e movimentos anteriores.

O que dizem os movimentos antivacinas do século 21?

Os grupos antivacinas do século 21 não são muito diferentes dos seus predecessores do século 19. Eles ainda:

A ação desses grupos é um dos fatores que estão impactando negativamente campanhas de imunização em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, em 2019, o país não conseguiu bater a meta de vacinar 95% do público-alvo em nenhuma das 15 vacinas do calendário anual. Foi a primeira vez em 25 anos que isso aconteceu.

Por conta disso, doenças que já estavam praticamente erradicadas por aqui, como o sarampo, estão voltando com força e fazendo um grande número de vítimas fatais. O País alcançou o 5° lugar no ranking mundial de casos da doença em 2019. Somando-se os casos dos últimos sete meses, o Brasil alcança o primeiro lugar.

Diante dos resultados e em tempos de uma pandemia de covid-19, o efeito da desinformação gerada por grupos como esses em redes sociais pode gerar um problema de saúde ainda mais grave em nível nacional.

Uma diferença é que, em vez de algumas pessoas escreverem panfletos com suas ideias antivacina, como fizeram em Boston em 1721, agora qualquer pessoa pode escrever desinformações e/ou fake news e alcançar muito mais pessoas em suas redes sociais.

  • dizem que as vacinas vão deixar a pessoas mais doentes;
  • culpam os laboratórios em infindáveis teorias de conspiração;
  • alertam constantemente sobre o uso de produtos químicos venenosos e toxinas nas vacinas, embora continuem a mudar quais produtos, inclusive a implantação de um chip na pele;
  • empurram práticas médicas alternativas duvidosas ou falsas, incluindo “soluções” ou “curas” de medicamentos sem comprovação científica, receitas de herbalistas, homeopatas, naturopatas e outros provedores holísticos que usam sua própria literatura para afastar as pessoas de vacinas.

O que realmente é mais perigoso hoje?

Embora a grande maioria das pessoas ainda vacine seus filhos, grupos de crianças intencionalmente não vacinadas estão crescendo. E são esses grupos de crianças e adultos não vacinados que estão levando a um aumento de surtos de doenças que se pode prevenir por vacinas que estão ficando mais difíceis de controlar.

O SARAMPO VOLTOU! Em pleno 2019, o “inesperado” aconteceu: fomos surpreendidos por um surto de Sarampo. Até o fim de outubro, o sarampo foi confirmado em 10.429 dos 49.613 casos suspeitos no Brasil. O estado mais acometido foi São Paulo com 90,5% dos casos, seguido do Paraná e do Rio de Janeiro.

A OMS (Organização Mundial da Saúde), órgão vinculado à ONU (Organização das Nações Unidas),  calcula que as vacinações atualmente evitam entre 2 e 3 milhões de mortes por ano.

Não hesite, vacine!

Fontes pesquisadas: Espaço Ciência Viva; Fio Cruz; Brasil Escola; UNICEF; Médicos Sem Fronteiras; OMS; Verywell health

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