Psicologia e Comportamento

“Não adianta tentar, não é para mim”

Um dos conceitos que mais me chamou a atenção, estudando psicologia comportamental na faculdade foi o conceito de desamparo aprendido. Lembro que o exemplo utilizado foi o do menino de rua, que, ao longo de sua história, acaba aprendendo que não importa o que faça, não conseguirá ter o resultado pretendido, ou o reforço positivo da ação.

Este conceito é muito importante porque ajuda a explicar diversos sintomas, presentes em algumas doenças mentais. Por exemplo, quando uma pessoa deprimida diz “Não há nada a fazer” ou “Nada do que eu faço dá certo” ou “Não adianta tentar”, provavelmente ela está expondo os seus sentimentos causados por situações de desamparo.

Neste texto, vou explicar melhor o que é o desamparo aprendido e a história do seu surgimento.

Podemos definir desamparo aprendido do seguinte modo: “O desamparo constitui um déficit específico de uma resposta específica produzido pela exposição a estímulos aversivos específicos incontroláveis”.

Ex: Um menino tenta fazer um salto com vara e sempre que toca com a vara no chão toma um pequeno choque. Assim ele concluirá que nunca será capaz de saltar, pois é incapaz de ignorar o choque.

Um conhecido experimento realizado em 1965 pelo psicólogo Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia pode  servir de exemplo para explicar a definição. O experimento é simples e para realizá-lo ele utilizou como cobaias seus próprios cães.

Embora o experimento possa parecer um tanto quanto agressivo, pode-se afirmar que foi, na verdade inofensivo, e não causou nenhum mal aos cães.

Seligman fez o seguinte: separou os cães em dois grupos. Um dos grupos foi colocado em uma jaula na qual o chão estava conectado a uma corrente elétrica, que disparava de tempos em tempos pequenos choques, incômodos mas de baixa intensidade. O outro grupo foi colocado em uma jaula idêntica, porém, havia um dispositivo aonde eles conseguiam desligar o sistema que provocava os choques facilmente.

Assim, o segundo grupo podia desligar os choques, enquanto o primeiro grupo tinha que se acostumar com o incômodo.

Após um período inicial em que os cães ficaram acostumados às suas jaulas, Seligman mudou-os de ambiente, colocando-os em jaulas, com o mesmo sistema de choques, mas com uma barreira muito baixa, que qualquer um dos animais podia pular sem dificuldade.

Enquanto o primeiro grupo – que não podia controlar os choques – simplesmente não saiu da jaula, o segundo grupo – que conseguia desligar os choques – agiu naturalmente e pulou a barreira para se livrar do incômodo.

Ou seja, o primeiro grupo aprendeu que não podia fazer nada e se acostumou tanto com aquela situação que, quando foi transportado para um outro local, com o mesmo incômodo, e já havia uma solução, a solução não era mais buscada. Os cães que ficaram no local aonde não podiam desligar os choques ficaram como que depressivos, pararam de comer ou comiam muito pouco, não brincavam e nem buscavam copular.

Assim, com o experimento, podemos compreender melhor a definição inicial: “O desamparo constitui um déficit específico de uma resposta específica produzido pela exposição a estímulos aversivos incontroláveis específicos”, quer dizer os cães diminuem o seu comportamento ao terem sido expostos a estímulos aversivos (o choque) sobre o qual não tinham nenhum controle.

O desamparo aprendido em um experimento com seres humanos

Depois da experiência de Seligman, muitos outros experimentos semelhantes foram realizados. Um que é digno de nota foi feito com dois grupos de pessoas. Ao invés dos choques, o estímulo aversivo foi um forte barulho. Um grupo podia se livrar do barulho rapidamente, apertando um botão e desligando o som; enquanto que o outro grupo não podia fazer nada e tinha que suportar o alto som.

Depois de um período no primeiro ambiente, os dois grupos foram levados para um outro local. O primeiro grupo foi levado para um local em que havia uma alavanca, que também desligava o som. O segundo grupo – que não podia desligar o som no primeiro ambiente – também foi levado para uma sala idêntica, com uma alavanca que podia agora interromper o barulho. Porém, como na primeira situação não conseguiram obter o seu intento, na segunda sala (embora a alavanca funcionasse), ninguém do grupo tentou saber qual era a utilidade da alavanca.

Era como se todos pensassem que simplesmente não valia mais a pena tentar, nem que fosse abaixar uma alavanca. O estímulo aversivo, o forte barulho, já era uma “realidade” ao qual não compensava tentar superar – exatamente o conceito de desamparo aprendido.

O sentimento do grupo que não podia fazer nada continuou ainda por um período, pois não se interessavam por ganhar o jogo ao qual estavam participando, nem se esforçavam por completar palavras-cruzadas simples.

O que este experimento com humanos demonstra, assim como o experimento com os cães de Seligman, é que uma situação que traz um estímulo aversivo é suficiente para que os organismos (seres humanos ou animais) se acostumem com a situação e a considerem imutável, com se não fosse possível mudar, como se não valesse a pena tentar, como se o desânimo e a resignação passiva fossem a única alternativa.

Em outras palavras: “Estudos com o delineamento proposto por Seligman e Maier (1967) têm demonstrado que a exposição prévia ao estímulo incontrolável compromete a aprendizagem em uma condição posterior controlável. Uma hipótese utilizada para explicar esse dado, largamente aceita, sugere que na condição de incontrolabilidade o organismo aprende que não tem controle sobre o ambiente” (Altenor, Volpicelli, & Seligman, 1979; Maier & Seligman, 1976)

Conclusão

Há muito controvérsia na literatura da psicologia comportamental a respeito da relação entre desamparo aprendido e depressão (ou outras doenças mentais). Em um primeiro momento, a analogia entre a apatia dos animais e dos seres humanos após a exposição a um estímulo aversivo (choque, barulho ou outro) e a diminuição de comportamentos antes frequentes indicaria que a causa da depressão poderia estar, igualmente, em um ambiente com muita estimulação aversiva e pouco reforço positivo.

Porém, outros experimentos e outros pesquisadores tem deixado claro que a relação de causa e efeito entre a depressão, e outras doenças mentais, não é tão simples assim. De todo modo, o conceito de desamparo aprendido continua sendo uma referência importante para o tratamento comportamental das doenças mentais.

Texto extraído de Psicologia MSN o qual recomendamos a visita.

Referência Bibliográfica:

FERREIRA, Darlene Cardoso  and  TOURINHO, Emmanuel Zagury. Desamparo aprendido e incontrolabilidade: relevância para uma abordagem analítico-comportamental da depressão. Psic.: Teor. e Pesq. [online]. 2013, vol.29, n.2 [cited  2014-03-23], pp. 211-219 . Available from

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