Nós tendemos a pensar nas crianças como uma mão extra somente para casos de extrema urgência, em vez de considerá-las como fontes válidas de ajuda. Infelizmente, muitos pais acham que tentar que seus filhos os ajudem nas tarefas domésticas representa mais esforço do que o trabalho que eles poupam.
Em outros casos, quando têm muitas tarefas pela frente, recorrem ao suborno ou à ameaça de punição para que seus filhos os ajudem. Dessa forma, eles transmitem a ideia de que as tarefas domésticas são algo pesado que seria melhor evitar. Quando essa criança cresce, é compreensível que ela não queira fazê-las. Assim, os pais criam, mais ou menos conscientemente, uma profecia autorrealizável.
A ciência, no entanto, descobriu que poderíamos estar errados. As crianças pequenas têm um desejo inato de ajudar e, se permitirmos, elas continuarão a nos ajudar voluntariamente durante toda a infância e adolescência.
Harriet Lange Rheingold (1908/2000), considerada uma das mais proeminentes psicólogas do desenvolvimento infantil, observou como crianças de 18, 24 e 30 meses interagem com seus pais enquanto eles desempenham tarefas de rotina, tais como dobrar roupa, limpar o pó, varrer, retirar os pratos da mesa ou colocar ordem em casa.
Ela pediu aos pais que trabalhassem relativamente devagar e permitissem que seus filhos os ajudassem, se quisessem, mas não pedir ajuda ou dar instruções. A psicóloga descobriu que todas as crianças pequenas se ofereciam para fazer tarefas domésticas. A maioria ajudou com mais da metade das tarefas que os pais realizaram e alguns até tomaram a iniciativa em outras tarefas.
Desde aquele estudo pioneiro, outros pesquisadores continuaram a analisar o desejo de ajudar das crianças pequenas. Uma pesquisa recente na Universidade de Harvard, por exemplo, concluiu que as crianças pequenas fornecem ajuda por sua própria iniciativa quando percebem que outra pessoa está “em dificuldade” ou precisa de ajuda.
Um dos achados mais interessantes desta série de estudos é que as crianças dão sua ajuda de forma desinteressada, não o fazem para obter uma recompensa. Um estudo realizado no Instituto Max Planck descobriu que fornecer uma recompensa por ajudar é realmente contraproducente, pois diminui o desejo de dar uma mão na próxima vez.
Esses pesquisadores permitiram que crianças de 20 meses ajudassem um experimentador de diferentes maneiras. Alguns não receberam uma recompensa depois de terem ajudado, mas outros tiveram a oportunidade de brincar com um brinquedo atraente.
Os resultados foram conclusivos: as crianças que haviam sido recompensadas por ajudar tinham menos probabilidade de ajudar do que aquelas que não haviam sido recompensadas. Apenas 53% das crianças que foram recompensadas decidiram ajudar o experimentador pela segunda vez. No caso de crianças que não foram recompensadas, 89% retornaram para ajudar.
Esse achado mostra que as crianças são intrinsecamente motivadas a ajudar, isto é, dão uma mão porque querem ser úteis, não porque esperam algo em troca. De fato, foi demonstrado que recompensas externas tendem a minar a motivação intrínseca, mesmo em adultos.
O problema é que uma recompensa muda nossa atitude e a forma como vemos a atividade, de modo que algo de que desfrutávamos antes se tornou uma “obrigação” ou um meio de obter outra coisa. Ele é o que é conhecido como “efeito superjustificativa”, que ocorre quando um incentivo externo reduz a motivação intrínseca, de modo em que prestamos mais atenção ao incentivo e menos à satisfação ou diversão própria da atividade.
Entre os pais do Ocidente, uma ideia generalizada é a de que é mais importante que as crianças se concentrem em seus estudos e atividades extracurriculares do que ajudarem a pegar roupas, remover pratos ou arrumar a cama. Mas talvez estejamos errados.
Um estudo muito interessante realizado no México comparou a relação entre pais e filhos ao realizar tarefas domésticas em comunidades indígenas e em famílias mais ocidentalizadas. Esses psicólogos descobriram que os pais das comunidades indígenas respondem positivamente ao desejo em ajudar de seus filhos pequenos, ainda que essa “ajuda” os freiem em certas circunstâncias, porque eles acreditam que isso agrada as crianças e os ajudam a se tornarem pessoas mais seguras e independentes. Como resultado, quando as crianças têm entre 5 e 6 anos de idade, elas continuam ajudando nas tarefas e assumindo suas responsabilidades domésticas sem dificuldade.
Também houve grandes diferenças nas maneiras pelas quais os pais descreveram as contribuições de seus filhos para as tarefas domésticas. Segundo os próprios pais, 74% das crianças que moravam na comunidade indígena tomavam regularmente a iniciativa de ajudar nas tarefas domésticas. Nas famílias ocidentalizadas, nenhuma criança o fez. Na verdade, esses pais relataram muito pouca ajuda voluntária de seus filhos, embora também parecessem desvalorizar a pouca ajuda que uma criança oferecia.
Além disso, os pais de herança indígena descreveram seus filhos como capazes, autônomos, empreendedores e voluntários, enquanto os pais ocidentalizados descreveram seus filhos como dependentes e subordinados, que só ajudavam com relutância e necessitavam que lhes dissessem o que fazer.
Isso indica que, de certa forma, estamos “matando” o desejo das crianças de ajudar, tornando-as mais dependentes e relutantes em se envolver nas tarefas domésticas e assumir responsabilidades. Seria, no final, uma profecia autorrealizável. Nós não os deixamos ajudar porque não acreditamos que eles são capazes, de modo que quando eles são capazes, eles não vão querer fazê-lo.
Como pais, costumamos cometer três erros sobre a disposição de ajudar nossos filhos pequenos.
Para sair desse círculo vicioso, basta aceitar a ajuda altruísta de nossos filhos, mesmo que isso supõe, em algumas ocasiões, ir mais devagar. Devemos lembrar que muitas vezes esse momento compartilhado é mais importante do que terminar uma tarefa o mais rápido possível. Assim, mesmo o trabalho doméstico pode se tornar tempo de qualidade juntos ou uma estratégia para educar valores como responsabilidade.
Texto de Jennifer Delgado Suárez, psicóloga. Via Rincón de la psicología, traduzido e adaptado por Portal Raízes
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