Este artigo é sobre duas tendências da pós-modernidade: infantolatria x criançafobia. A Infantolatria é a “fabrica” de pequenos tiranos que serão adultos frustrados e infelizes; a criançafobia é a intolerância com crianças pequenas. Então: ou deixamos as crianças fazerem o que querem para evitarmos birras ou temos tão pouca empatia para com os pequenos que somos incapazes de nos reconectarmos com estes anos maravilhosos, barulhentos e rebeldes que definiram também a nossa infância e passamos a oprimir e silenciar nossas crianças.
É quando as atividades da família são definidas em função dos filhos, assim como o cardápio de qualquer refeição. As músicas ouvidas no carro e os programas assistidos na televisão precisam acompanhar o gosto dos pequenos, nunca dos adultos. Em resumo, são as crianças que comandam o que acontece e o que deixa de acontecer em casa. Quando isso acontece e elas já têm mais de dois anos de idade, é hora de acender uma luz de alerta compreendendo que é verdade que existe um período em que os filhos podem reinar na família, mas ele é curto. “A criança deve perder o trono no final do primeiro, no máximo ao longo do segundo ano de vida, para entender que existe o outro, com necessidades e vontades diferentes das dele”, esclarece Vera Blondina Zimmermann, psicóloga do Centro de Referência da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Nos últimos tempos surgiu um movimento que nos chamou muito a atenção e que nos preocupa: a “criançafobia”. Uma criança feliz, que se diverte interagindo e descobrindo o mundo, é barulhenta e rebelde. Isso não quer dizer que uma criança cuja natureza introspectiva não seja feliz. Há de se compreender que, desde a infância, cada ser é ‘unimultiplo’ e sempre haverá uma emoção não revela em seus gestos: sejam introvertidos ou extrovertidos. Este artigo é inspirado no segundo grupo, os extrovertidos.
Faz um tempo que aumentou um tipo de oferta em certos hotéis que oferece hospedagem “livre de crianças”. Ou seja, durante a estadia não encontramos bebês e outros menores que possam ‘incomodar’ os hospedes com seu choro ou bagunças na área de lazer.
O mesmo ocorre em alguns bares e restaurantes. Trata-se de uma oferta diferente para todos aqueles que querem se livrar dos infantes. Este tipo de movimento está tendo uma grande repercussão no mundo todo, o que nos convida a refletir sobre uma questão complexa: será que nos esquecemos do que é a infância? Temos tão pouca empatia para com os pequenos que somos incapazes de nos reconectarmos com estes anos maravilhosos, barulhentos e rebeldes que definiram também a nossa infância.
Começaremos explicando o caso da cantora canadense Sarah Blackwood. No ano passado ela passou por uma situação humilhante, constrangedora e reflexiva: Sarah faria uma viagem aérea com o seu filho de 2 anos. Estavam aguardando o avião decolar quando o garotinho começou a chorar. Aos poucos, todos os passageiros começaram a olhar para ela com incômodo. E ela ouviu frases de reprovação dizendo que: “ela era uma mãe ruim” e que “não sabia cuidar do seu filho”.
Não demorou para que a aeromoça viesse conversar com ela, pedindo que acalmasse a criança porque os passageiros estavam se queixando e, os mesmos, poderiam considerar que ela saísse do avião com a criança chorona. Ela, com grande angústia, tentou acalmar o seu filho que, para o alívio daquele momento infeliz, voltou a dormir e não acordou até o pouso.
Será que as pessoas não sabem mais o que é uma criança? Ninguém lembra que os bebês choram, riem, gritam e falam alto? Precisamos ser mais empáticos e respeitosos quando, em um ônibus ou avião, vemos as mães e pais que tentam acalmar seus bebês durante a viagem. Porque a “criançafobia” está fazendo com que muitos espaços de ócio comecem a vetar a entrada de menores de idade. No entanto, ao fazer isso eles também proíbem a entrada dos pais. É algo sobre o qual vale a pena refletir.
Este é apenas um pequeno exemplo do que muitos pais sofrem dia após dia. Ir ao supermercado, passar um tempo no shopping, comer em um restaurante…. Se uma criança grita, chora ou chama a atenção de outras pessoas é porque seus pais “estão fazendo algo errado”. As birras da criança são um dos aspectos mais desafiadores da educação familiar. Nós tendemos a nos sentir como bons pais quando nossas crianças são sorridentes e à vontade, mas podemos nos sentir impotentes e oprimidos quando eles estão deitados no chão, chutando e gritando. No entanto, acredite ou não, as birras da criança são uma parte importante da saúde emocional e bem-estar da nossa criança, e podemos aprender a ser mais calmo diante deles. Há razões importantes pelas quais a birra da criança é realmente uma coisa boa.
As crianças querem tocar em tudo, experimentar, sentir, rir, aprender…. E devemos oferecer a elas estarem em ambientes onde isso seja possível. Pois, se sempre as obrigarmos a ficarem caladas, a não chorarem, a falarem baixo e a não se moverem da cadeira, o que teremos na realidade serão criaturas assustadas que não se atreverão a explorarem o mundo, a se superarem, a questionarem, a buscarem respostas por si mesmas… serão adultos conformados, estagnados, oprimidos e sempre esperarão que tudo que necessitam chegará em suas mãos sem esforço algum.
Isso precisa ser verbalizado em tom suficiente de voz: se posicione fisicamente de modo a ficar na mesma altura do seu filho. Olhe nos seus olhos e diga: ‘agora é hora de brincar’; ‘agora é hora de dormir’; ‘agora é hora de ficar em silêncio; agora é hora de dar gargalhadas…’. Depois peça para ele repetir o que vai acontecer naquela hora.
Os ‘choros de alerta’ devem ser atendidos, não censurados. Se uma criança quer tocar algo iremos protegê-la para que não se machuque, mas é necessário fomentar a sua conduta de exploração, de curiosidade, de interação com seu meio. A infância é barulhenta por natureza. Não é preciso passar por uma creche ou uma escola primária na hora do recreio para lembrar o que é ser criança. Elas terão tempo para crescer e também fazerem silêncio, para ficarem quietas nos assentos de um avião sem incomodar ninguém.
Texto organizado por Clara Dawn, escritora, neuropesquisadora e psicanalista, especialista em prevenção à drogadição, aos transtornos mentais e ao suicídio na infância e na adolescência. Fontes pesquisadas: Melhor com saúde; G1, Geledês; Revista Pais & Filhos
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