Cora Coralina e o Canto do Repertencimento à sua Cidade Natal

Cora Coralina tem na cidade de Goiás sua matriz lírica. […] Da cidade precede a complexidade de sentimentos vividos pela poetisa na infância e juventude, e sentidos ao rememorá-lo na velhice. Aninha, a persona da infância que ocupa o centro dessa mitologia, tem na Casa Velha da Ponte, em seu quintal e ruas, espaços seminais de sua experiência e seu imaginário[…]. A cidade de Goiás e Cora Coralina estão imbricadas uma na outra.[…] Nascida na cidade Goiás, em 1889, a poetisa a reencontra em 1956, depois de 45 anos vivendo no interior de São Paulo.

O poema é uma fala dirigida à cidade e, como tal, tem suas estratégias retóricas de apelo e de convencimento do outro: reconhece o lugar, mas quer ser reconhecida por aquilo que foi, e cantar cada canto da cidade é reocupar o seu lugar perdido em circunstâncias adversas. Afinal, de modo diferente daquela que retorna, as lembranças da menina ainda estão ali e podem ser recobradas através dos elementos físicos como a ponte, as ruas e os becos. Todos esses elementos compõem a interpelação amorosa que a poetisa faz à cidade no seu desejo de pertencer à sua terra natal.[…].

Minha cidade – Cora Coralina

Goiás, minha cidade…
Eu sou aquela amorosa
de tuas ruas estreitas,

curtas,
indecisas,
saindo uma das outras.
Eu sou aquela menina feia da ponte
da Lapa.
Eu sou Aninha.

Eu sou aquela mulher
que ficou velha,
esquecida,
nos teus larguinhos e nos teus becos
tristes,
contando histórias,
fazendo adivinhação.

Cantando teu passado.
Cantando teu futuro.
Eu vivo nas tuas igrejas
E sobrados
e telhados
e paredes.
Eu sou aquele teu velho muro
verde de avencas
onde se debruça
um antigo jasmineiro,
cheiroso
na ruinha pobre e suja.

Eu sou estas casas
encostadas
cochichando umas com as outras.
Eu sou a ramada
dessas árvores,
sem nome e sem valia,
sem flores e sem frutos,
de que gostam
a gente cansada e os pássaros vadios.
Eu sou o caule
Dessas trepadeiras sem classe,
nascidas na frincha das pedras.
Bravias.
Renitentes.
Indomáveis.
Cortadas.
Maltratadas.
Pisadas.
E renascendo.
Eu sou a dureza desses morros,
revestidos,
enflorados,
lascados a machado,
lanhados, lacerados.
Queimados pelo fogo.
Pastados.
Calcinados
e renascidos.
Minha vida,
meus sentidos.
Minha estética,
todas as vibrações
de minha sensibilidade de mulher,
têm, aqui, suas raízes.
Eu sou a menina feia
da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.
Trecho da análise do poema Minha Cidade de Cora Coralina – por Goiandira Ortiz de Camargo. Extraída da revista Poesia Sempre, número 31, 2009, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro –RJ, páginas 85 a 88.

 






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