Como é profundo o olhar de um sintoma. Flerte com ele para saber como está a sua saúde emocional. Só depois de flertar com os sinais do corpo, é que você perceberá que ele, de modo inconsciente, acrescentou a sílaba ‘má’ à palavra ‘água’ e foram estas más[águas] emocionais, que chamamos de ‘mágoas’, que adoecem a nossa mente e corpo. Assim, as dores físicas são inevitáveis e – devagar – a mente adoecida, adoece as emoções e as emoções adoecidas, não verbalizadas, não tratadas, não ressignificadas vêm á tona desencadeando doenças predispostas geneticamente e mais que elas, doenças incompreensíveis até mesmo á ciência e transtornos mentais graves do tipo depressão, crises de ansiedade, síndrome do pânico, transtorno bipolar…
Não é de agora. Não aconteceu ontem, tampouco no advento do natal ou no ano passado. Você não adoece se tomar um único copo de água ruim. Para adoecer de mágoa é preciso tomar dessa água todos os dias. A mágoa é um copo com água, de aparência potável, que camufla minerais cancerígenos. A gente até sabe o lixo emocional que está engolindo. Sabe, mas ignora que ele possa violentar exaustivamente o nosso corpo.
E o corpo, agora enfermo, começa a revelar os sintomas da má recepção que lhe fora imposta ao longo de um tempo. Uma vez eu fiquei muito doente fisicamente. Uma bactéria terrível me provocara um ressecamento na pele e este evoluía em rachaduras sanguíneas. Fui a vários especialistas e não se descobria o que era.
Até que um deles me disse: “Filha, por que você está fazendo isso com você? Eu posso cuidar do efeito de suas dores, mas a causa delas é só você quem pode encontrá-la”. Eu disse a ele que não havia entendido nada daquilo. Então ele foi me contar a história de seu pai que havia “morrido de ódio”. Diante de meu assombro, falou-me que o seu pai era um homem muito rancoroso e se magoava facilmente. Ele reclamava de dores ao engolir, mas nada fora diagnosticado com exames. Diante disso, o seu médico passou a lhe receitar a não retenção de sentimentos negativos e assim, quem sabe, ele ficaria livre dos males físicos. Dizia-lhe para perdoar a si mesmo e aos outros (fosse do que fosse), pois assim poderiam viver, senão em plena saúde, pelo menos em paz consigo mesmo e com os outros. Ele não quis ouvir os conselhos do médico e morreu. Morreu de mágoa.
Naquele dia eu saí do consultório vazia de emoções. Embora minha mente estivesse repleta de sentimentos, eu não conseguia distingui-los de modo inteligível. Contudo, eu compreendi perfeitamente o que o médico quis me dizer. No outro dia, ainda sentindo a ardente e doída coceira das rachaduras em minha pele, decidi ficar livre da causa de minhas feridas. Enfrentei os meus fantasmas interiores e depois de derrotar o maior deles, o orgulho, fui me reconciliar com o passado.
Cartas na mesa, um pouco de raiva escorria pelo canto da boca – resquício do orgulho, mas a determinação em ficar livre daquela “má água” que contaminava o meu corpo era maior. Decidi que aceitaria fraternalmente aquela pessoa, mesmo que ela não merecesse. Eu a perdoaria, mesmo sem aceitar os seus erros e, acima de tudo, eu aceitaria aquele episodio em minha vida mesmo sem compreendê-lo. Pois a cura de uma causa é mais eficiente do que tentar, em vão, sanar os seus sintomas.
Eu fiquei em silêncio por alguns instante e em silêncio parti. Não quis prolongar o inútil debate, pois naquele instante fui tomada de súbita compreensão que a minha dor não é igual a dor outro e, para muitas pessoas, um quilo de pena pesa infinitamente mais do que um quilo de chumbo.
Viver dói e não podemos julgar a profundidade com a mesma lâmina que nos fere, fere o outro. Cada individuo tem o seu íntimo encontro com os seus dilemas e a necessidade de buscar autocuras. Todo homem é uma casa cuja porta só se abre dentro para fora. O contrário – porta arrombada por outrem – jamais poderá curá-lo.
Eu nunca mais estive com aquela pessoa. E apesar desejar que ela também se cure, isso não é problema meu. Basta saber-me curada, não apenas das feridas na pele, mas de todas as minhas mágoas que colecionei sem me dar conta de que assim o fazia até que o meu corpo me alertou. Enfim, eu estou cuidando da minha vida sem olhar para trás. As rachaduras na pele sumiram do mesmo modo que começaram e não deixaram marca alguma. Depois disso, eu tomei o gosto em seguir os três passos para manter a minha sanidade emocional e meu corpo livre de doenças psicossomáticas: amar fraternalmente mesmo sem merecer; perdoar mesmo sem aceitar e aceitar a situação mesmo sem compreendê-la.
Este texto é de autoria da escritora, psicopedagoga e psicanalista Clara Dawn. É proibida a reprodução parcial, ou total, sem sua prévia autorização.(Lei Nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998).
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