Carlos Drummond de Andrade, quando criança, tinha fama de distraído. Mas é que ele estava observando a realidade para transformá-la em palavras. Nascido em Itabira – MG, em 1902, foi farmacêutico, funcionário público e jornalista, sem nunca deixar a literatura de lado. Escreveu contos, crônicas e poesias e morreu em 1987. Em o “Poema de sete faces”, Drummond fez uma composição de sete estrofes e, em cada uma delas, o eu-lírico revela seus sentimentos e/ou o seu jeito de ser, talvez, influenciado pelo seu “anjo torto”.

Fizemos um breve parecer sobre cada uma das sete estrofes e esperamos que vocês gostem de ler, pois nós adoramos escrevê-lo.

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

O anjo torto pode simbolizar um mau conselheiro que o aludiu de que somente um ‘gauche’ poderia ter uma existência feliz. A palavra “gauche” é francesa e corresponde a “esquerdo” em português e nesse caso adquiriu o sentido de desajustado. O eu-narrador seria “torto”, “canhestro”,  gauche diante de si e do mundo.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

Aqui ele faz referência ao desejo sexual dos homens, questiona com isso o seu próprio eu. Se não tivesse essa busca sexual desenfreada, talvez não fosse tão só. Talvez tivesse experimentado algo a mais que a satisfação dos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O eu-narrador sente-se sozinho, apesar da multidão que o cerca, alheio, indiferente aos fatos e às pessoas que parecem incomodá-lo com tanta agitação.  Assim ele distancia-se da realidade.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

O narrador/autor é o homem que está atrás do bigode e dos óculos, por sua seriedade e isolamento parece esconder-se nessas ‘máscaras’ para evitar a convivência com as outras pessoas.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Deus é questionado pelo eu-personagem que julga que O Todo Poderoso o deixou em um caminho errante e que por isso ele é um fracassado na vida.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

O coração dele é mais vasto que o mundo, tal qual é a grandeza de sua solidão. A sua tristeza parece não caber nesse seu mundo não ajustável. Ele afirma que apesar de se chamar Raimundo, que significa protetor – poderoso – sábio, é uma pessoa que tende a se isolar, pois compreende que a relevância de seu nome serviria apenas para fazer uma rima com mundo, mas jamais poderia ser útil por ter um coração tão repleto de vastidão, de vazios.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

O eu-narrador confessa  ter-se embriagado. Isto teria o encorajado a confessar sua própria miséria, coisa que seria incapaz de fazer se estivesse em sóbrio. Nem isso… Deus se esquecera dele e ele acabara “comovido como o diabo”, ou seja, acabara sem nenhuma dignidade.
Neste poema, Drummond, de modo metafórico , transmite uma visão negativa do homem, uma visão desesperançada em relação à vida. O eu-narrador se vê injustiçado diante do mundo e do abandono de Deus. O seu referencial é o seu próprio eu insatisfeito, buscando, desejando, retraindo-se, bebendo…. O destino é o fracasso, a concretização da previsão do anjo,” vai ser gauche na vida” revela os resultados de uma existência ‘torta’.

Extraído do livro: ‘Alguma poesia’ – Companhia da Letras, São Paulo – SP. – 2013

Análise de Marlucy Santos (Releitura livre)

 






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