As pessoas normalmente vão ao médico porque estão com algum sintoma e desconfiam de alguma coisa, certo? Comigo não foi diferente. Quando nasci, tinha os olhos meio azulados. E, não fosse o fato da maioria dos membros da minha família ter os olhos castanhos, isso não teria causado tanta estranheza.
Foi a tia Rose, segundo me contam, uma amiga próxima da mamãe, quem levantou a suspeita do meu azulado ser um problema de visão. Não deu outra. Aos 3 meses se a memória dos meus parentes não estiver falha, numa consulta de investigação, veio o diagnóstico: glaucoma congênito. A causa? Ninguém sabe direito. O oftalmologista deu duas possibilidades. A primeira, o sangue dos meus genitores não ter combinado. A segunda, talvez mais provável, o gene da doença já está na família e vir desencadear em mim.
Mas, pensando melhor, das pessoas com as quais eu divido o sobrenome, ninguém mais tem o mesmo CID. Então o privilégio, de certa forma, é só meu. Logo, não há uma explicação lógica do porque isso aconteceu comigo. No entanto, o mais curioso disso tudo, digamos, é que mesmo tendo crescido passando por um consultório médico e um centro cirúrgico periodicamente, quem me disse que sou cega foi a sociedade.
Entrei na escola de 5 para 6 anos e realizava as mesmas atividades que meus coleguinhas. 1 ano mais tarde troquei de colégio e mesmo escrevendo em Braille e meus coleguinhas em tinta, tudo continuava normal para mim. Na hora de brincar no recreio, eu sabia que se alguém segurasse minha mão, eu também poderia correr no pega-pega. O fato de ter que usar tampões, lupas ou óculos sempre foi algo natural. Era a única realidade que eu conhecia.
Quando estou me locomovendo pela cidade, por exemplo, no pleno exercício do meu direito de ir e vir, é a falta de uma infraestrutura acessível que me lembra da minha limitação. Quando realizo alguma atividade do cotidiano como lavar louça ou recolher a roupa do varal e alguém fica sabendo disso, diz logo que sou um exemplo de superação. É como se o simples fato da pessoa com deficiência viver a sua vida, fosse humanamente impossível.
Cada deficiência tem suas especificações e para eu chegar até aqui foram necessários acompanhamentos de reabilitações. Para realizar as coisas, eu preciso fazer um cursinho preparatório antes, é o que eu costumo dizer em tom de brincadeira, para quem me pergunta sobre eu andar desacompanhada na rua, no ônibus ou sobre eu cozinhar, por exemplo. É verdade que respeitar o meu tempo de aprendizado é muito importante, especialmente quando se tem que quebrar com um ciclo. Neste caso, o ciclo é do “fazerem para mim ou por mim”.
É por isso que hoje, caro leitor, em que se é lembrado o dia nacional da pessoa com deficiência visual (pessoas cegas ou com baixa visão) ao invés de eu trazer dados e referências sobre quando e porque essa data foi instituída, só quero dizer que os meus dias podem ser tão normais quanto os das pessoas que enxergam. Basta que o mundo me inclua de fato e encare minha deficiência como um traço a ser aceito e não um defeito a ser corrigido.
E claro, antes que eu me esqueça, cego não vive na escuridão, cego não vê tudo escuro, tá? Cego não vê coisa alguma. Simples assim. Se você puder, não perca a oportunidade de espalhar essa mensagem. É muito cansativo ser uma pessoa legal, bem humorada, que estuda, trabalha, tem que colocar as séries em dia, dar atenção para os afetos e, ainda por cima, todos os dias levantar uma bandeira de um problema que nem fui eu que criei. Haja fôlego!
PS. Comemora-se no dia 13 de dezembro, o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual. A data existe desde 1961 e foi criada com o intuito de combater o preconceito e a discriminação, além de buscar a garantia de direitos e a inclusão das pessoas com deficiência visual na sociedade.
Texto de Juliana Santelli, estudante de jornalismo do PUC-GO e articulista do Portal Raízes
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