Eu já pensara algumas vezes sobre como saber ir embora é a coisa mais imprescindível para uma vida dita madura – e, quem sabe, feliz. Eu estava quase convencida de que a vida era mais sobre abandonar do que sobre encontrar: abandonar um emprego que não te faz feliz, um relacionamento que só você ainda não viu que já terminou, um amigo que, no fundo, você sabe, não é tão amigo assim, uma parceria profissional fadada ao fracasso… Ser feliz seria, sobretudo, deixar aquilo que tira a sua paz e limita as suas possibilidades – o resto, fatalmente, viria.
Mas até onde aquilo era um devaneio meu que não merecia ir pro papel? Woody Allen me fez o favor – daqueles favores que só filmes ou poesias ou boas músicas nos fazem – de mostrar que isso faz mesmo algum sentido.
Foi em “Igual a tudo na vida” – estrelado por Jason Biggs que volta e meia dá na nossa cara provando que não serve, afinal, só pra fazer comédia – em que o protagonista simplesmente não consegue abandonar nada. Absolutamente nada e nem ninguém. É um escritor que tem um psicanalista inútil e apático, um produtor que não serve para absolutamente nada além de lesá-lo e um relacionamento impraticável. E um amigo – que parece ser a única coisa útil em sua vida – que se propõe a ensiná-lo uma arte simples e para a qual, em tempos de fobias sociais inúmeras e uma carência absoluta, ninguém parece ligar: a arte de ir embora.
O personagem interpretado por Woody Allen – e seu alter-ego, diriam as boas línguas – é um escritor maluco e solteirão que já esteve em uma camisa de força e, a despeito disto, parece entender mais da vida que os personagens lúcidos do filme. E a cada diálogo marcante – mas despretensioso, daqueles que nos deixam reflexivos sem que sequer percebamos – o rapagote medroso que simplesmente não consegue partir vai se transformando em um homem cheio de coragem.
O filme é um convite ao autoquestionamento. Que faz a gente se perguntar de onde diabos vem essa mania estúpida de ter medo de mudanças, que nos condena a uma vida estacionada naquilo que deixou de nos convir?
E em como somos capazes de permanecer em relacionamentos ruins até que se tornem insuportáveis – e até que deixemos de ser uma boa lembrança e nos tornemos um insistente infortúnio – empregos que não nos fazem ter entusiasmo pra sair da cama, apartamentos com encanamentos problemáticos, círculos sociais que já não nos apetecem, amigos que só servem para sugar nossas energias.
“Amanhã eu penso em como mudar de emprego”; “Depois eu preparo os currículos”; “Ah, o meu relacionamento também deve ter um lado bom;” “Na segunda eu tento visitar umas imobiliárias pra procurar um novo AP”…. A gente se boicota com a terrível mania de empurrar a vida com a barriga. E então, mesmo que entendamos que é hora de ir, vamos ficando, até que seja tarde demais.
Saber ir embora é mais do que um estado de plena autossuficiência: é sobre aprender a ver a vida com mais serenidade. E compreender que, naturalmente, relacionamentos se desfazem, amizades terminam (e recomeçam, ou não), empregos são sempre substituíveis e a vida sempre, sem dúvida e irremediavelmente, continua.
Texto de Nathalí Macedo extraído via.