Se existe uma mensagem que a cultura popular enfiou em nossos cérebros de forma unânime é a de que só existe um amor verdadeiro. Milhares de canções, filmes e romances, com finais trágicos ou felizes, nos apresentam um amor idealizado, que poucas vezes se parece com a realidade. Essa concepção dos afetos ganha uma força especial na adolescência, momento em que se costuma sentir pela primeira vez os comichões da paixão, o que nos leva a uma outra ideia, derivada da anterior e igualmente muito valorizada: a de que o primeiro relacionamento a gente nunca esquece.
Enquanto elas duram, desfrutamos da intensidade das primeiras experiências emocionais. Se somamos a isso o fato de que o culto ao primeiro amor transforma em fracasso qualquer separação e a tendência natural à nostalgia, dentro do pensamento recorrente de que todo o tempo que passou foi melhor, temos todos os ingredientes reunidos para nos deixar seduzir por essa fábula. Logicamente, há quem encontra estabilidade e felicidade com o seu primeiro parceiro, mas, para além de casos pontuais, a segurança e a serenidade proporcionadas por um amor adulto geram uma melhora na saúde emocional e afetiva. Mesmo não se constituindo no tema predileto dos poetas.
Estudiosos revelam que as pessoas desfrutam mais as relações amorosas e sexuais a partir dos 40
Para a psicóloga e sexóloga Cristina Callao, “o amor maduro tem a vantagem de ter sido trabalhado tanto em nível individual como no nível do casal”. A principal diferença entre um vínculo desse tipo e um vínculo adolescente está no nível de intensidade das nossas emoções. Os mais jovens se entregam à saciedade e perdem a perspectiva”. Apesar da importância atribuída em nossa sociedade ao mito de Aristófanes, que ensina que a plenitude individual passa por encontrar a nossa cara-metade, a especialista afirma que um laço realmente frutífero é composto por pessoas inteiras, que respeitam o espaço uma da outra e se unem para formar um time. “Um casal deve ser uma multiplicação; se ele se funde, um dos dois perderá a sua essência”, esclarece.
Um dos fatores que mais dificultam a situação é a idealização, tanto da outra pessoa como do relacionamento em si”, alerta Callao. Segundo texto do psicólogo e professor norte-americano Robert Epstein publicado na revista especializada Scientific American Mind, “infelizmente, nos ensinam o amor de uma maneira pouco realista e bastante inacessível para a maioria das pessoas”.
Extinguir o mito da alma gêmea
Caberia perguntar, então, se essa concepção do amor que nos é inculcada desde a infância pode ser reprogramada, ou, em outras palavras, se é possível aprender a amar ou se estaremos sempre repetindo os mesmos erros. “A capacidade de confiar, amar e resolver conflitos com os entes queridos começa na infância, muito antes do que se imagina”, afirma uma análise sobre diferentes textos publicada em Current Directions in Psychological Science. “Antes mesmo de que se possa lembrar delas, antes de possuir a linguagem para descrevê-las, e sob formas não conscientes, as atitudes implícitas são codificadas pela mente”. No entanto, embora o fato de que essa configuração nos acompanhe por toda a vida possa parecer pouco alentador, os próprios pesquisadores avaliam que os “velhos padrões podem mudar”.
Segundo eles, os novos vínculos têm a capacidade de alterar esses modelos e, portanto, o comportamento face aos relacionamentos, de forma que mesmo uma pessoa que não aprendeu a amar durante a infância pode fazê-lo na vida adulta.
Epstein não duvida, segundo declarou em uma entrevista realizada pela Psychology Today, de que o amor romântico é um processo de aprendizagem: “A intimidade emocional e psicológica leva tempo. Nos casamentos arranjados, por exemplo, a paixão chega com os anos. Historicamente, o amor passional era percebido como um tipo de loucura e o afeto e a paixão não eram considerados uma base legítima para o casamento até tempos recentes”. No entanto, na atualidade ocorre justamente o contrário: “Existem determinados mitos que reforçam a ideia de que todos temos uma alma gêmea que está aí fora esperando que a encontremos e, uma vez juntos, a lenda garante que jamais nos separaremos um do outro”, observa.
Longe do estigma do fracasso que as acompanha, para a sexóloga, as rupturas são momentos perfeitos para a reflexão: “Devemos nos perguntar o que deu errado, o que gostamos e o que não gostamos na relação, e se poderíamos ter feito algo para mudá-la. Todas essas questões e a atitude que tivermos a respeito serão as que nos permitirão construir um apego maduro quando estivermos receptivos, de novo, para encontrar o amor”, explica.
Para Epstein, a chave é que ambos “abriguem sentimentos reais de respeito mútuo, atração e admiração”. Ele considera que para manter o amor ao longo do tempo é necessário que ambos sejam “pessoas maduras, honestas, que não estejam na defensiva, saibam estabelecer empatia e compartilhar o sentido do humor”.
Pessoas felizes, relações felizes
O que parece evidente é que quando tivermos claro o que queremos, mais simples será conviver em harmonia com outra pessoa. Uma recente pesquisa, realizada pelo Escritório Nacional de Estatística do Reino Unido, constata que a felicidade é maior a partir dos 30 anos porque é quando as pessoas se sentem mais bem-sucedidas. Além disso, os consultados disseram desfrutar mais de suas relações amorosas e sexuais a partir dos 40 anos. Tendo isso em conta, a maturidade significaria sempre boas notícias para qualquer aspecto de nossas vidas; também para o amor.
As possibilidades, portanto, de que o segundo amor (ou o terceiro, ou o quarto) seja melhor do que o primeiro são muito poderosas. Não só a experiência de relações passadas, mas o fato de nos encontrarmos em um momento pessoal mais sereno e satisfatório que na primeira juventude, faz com que enfrentemos as novas relações com armas mais úteis para conseguir que funcionem. Aprendemos com nossos erros anteriores e sabemos melhor o que esperar da outra pessoa. “Para que exista entre os dois uma verdadeira aprendizagem, para além do estar apaixonado, é vital compartilhar experiências positivas e negativas. A esse respeito, os amores adultos estão mais receptivos que os amores da juventude”, arremata Callao.